As pessoas precisam urgentemente repensar a percepção das coisas. Presos a velhos paradigmas, os brasileiros adotaram como solução para a crise dos últimos anos o velho modelo da ditadura militar que apenas variou na estrutura do comando, com o consórcio Legislativo-Judiciário-Mídia respaldando o executivo, mas num programa de governo que mistura elementos dos governos dos generais Castelo Branco, Médici e Geisel.
Pensa-se a sociedade brasileira como se nunca saíssemos de 1974. As estruturas moralistas, a forma com que se consente os graves erros de quem tem privilégios sociais altos, a visão de bondade como um subproduto da religião. Consideramos "normal" e "natural" uma sociedade marcada pela sordidez e, por isso, a "verdadeira caridade" é aquela que vale mais pelo selo religioso do que pelos benefícios que supostamente traz.
Esse é o problema. As pessoas falam em "caridade transformadora", em "milhares de auxiliados", sem dados precisos, sem provas, sem base de argumentos. Falam em "caridade" como se ela beneficiasse mais o "benfeitor" do que o mais necessitado, e tudo o que se fala de "bondade" mais parece se basear em apelos publicitários do que da realidade concreta que nunca teve melhorias definitivas e profundas.
No "espiritismo" brasileiro, as pessoas falam em "asisstência social" mas o que se vê de "caridade" na doutrina igrejeira é, na verdade, Assistencialismo. É uma medida que ajuda, mas muito pouco, e só atende a casos pontuais. As medidas adotadas são aquelas que só são urgentes quando em situações de guerra ou calamidade pública, como a oferta de sopas e a doação de mantimentos, roupas e outros utensílios.
Mesmo quando há projetos de educação e treinamento profissional, as medidas são paliativas e o grau de emancipação é o mais inócuo possível. Também neste caso os resultados são ínfimos, seja em quantidade ou qualidade, e o "beneficiado" se torna apenas um cidadão inofensivo, mas medíocre.
As religiões costumam alardear que "tiraram muita gente da criminalidade". Como assim? E o "espiritismo", voltado para a Teologia do Sofrimento descartada pelo Catolicismo propriamente dito, sempre apelando para a apologia das desgraças humanas, talvez até pela má vontade em ajudar certos tipos de pessoas, e para desculpas como "resgates coletivos" ou "reajustes espirituais" para justificar, com seu juízo de valor motivado pelo "achismo", os prejuízos de determinadas pessoas?
O "espiritismo", na verdade, ajuda muito pouco. E faz todo um burburinho para exaltar sua "caridade", com muita propaganda e ostentação. O próprio exemplo de Francisco Cândido Xavier é bastante ilustrativo, ele que é o maior deturpador do Espiritismo em toda sua história.
Chico Xavier virou "maior símbolo de caridade" através de um discurso armado pela FEB e pela Rede Globo para tentar neutralizar a ascensão de pastores eletrônicos como Edir Macedo e R. R. Soares. É um mito mais "limpo" do que aquele trabalhado pelo antigo presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, vulnerável a escândalos.
O mito de Chico Xavier lembra até os "bons velhinhos" das novelas da Rede Globo e é carregado de muita pieguice e emotividade viscosa. É uma espécie de diabetes emocional. E a "caridade" tão atribuída a ele é, na verdade, bastante duvidosa, pois recusar a remuneração não é, por si, um sinal de generosidade. Xavier apenas não tocava em dinheiro, mas sempre foi bem tratado pelas elites dominantes pelo seu "serviço" de alimentar as paixões religiosas dos brasileiros.
Um exemplo de como sua caridade foi na maioria das vezes inexpressiva - em outras foi até traiçoeira, com a exploração das tragédias familiares com as supostas cartas mediúnicas ("cartas marcadas" como denunciou certa vez seu ex-parceiro Waldo Vieira) - foi toda a ostentação das "caravanas da caridade" que Chico comandava em Uberaba. Uma delas contou com um seduzido Humberto de Campos Filho, há 60 anos.
É todo um espetáculo de ostentação, com fileiras de carros, faixas anunciando a carreata, tanto alarde na imprensa, tanta festa, tanta euforia, para um simples donativo de mantimentos, uma coisa paliativa, que só tem caráter de urgência em situações catastróficas e conflituosas, mas pouco eficientes em situações de paz.
Aliás, o "espiritismo", que cai em contradições o tempo inteiro, é o que menos colabora na transformação da sociedade, e que, diante de sua desonestidade doutrinária (a doutrina igrejeira é, na prática, um roustanguismo repaginado que bajula Allan Kardec), atrai energias vibratórias inferiores, e fazem a vida humana mais piorar do que melhorar, como se vê nos chamados "tratamentos espirituais".
Fora dos devaneios "espíritas" que ainda sonham com a tal "pátria do Evangelho" - uma perigosa perspectiva totalitária, de criar um país "centro" de poder político e religioso, um risco já demonstrado pelo Império Romano e pela Alemanha nazista - , vemos a violência aumentar com a ascensão do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC).
Num país em que uma parcela da população aposta suas esperanças políticas num desordeiro segregacionista e punitivista como Jair Bolsonaro, o PCC, antes um grupo criminoso que liderava de dentro das prisões em São Paulo, esteve por trás de episódios que ultrapassam não só as fronteiras estaduais, como também as nacionais.
O PCC esteve por trás de rebeliões sangrentas que dizimaram presos de baixa periculosidade em presídios de regiões metropolitanas como São Luís, Manaus e Natal. Também esteve por trás de um grande assalto ocorrido no Paraguai (que recentemente adotou um golpe político semelhante ao do Brasil), há poucos dias.
Mas agora o PCC está associado a uma "parceria" com uma facção criminosa no Rio de Janeiro, o "Amigos dos Amigos", para combater o grupo rival, Comando Vermelho (cujas origens remetem à ditadura militar). e a facção paulista está se instalando na Rocinha, uma gigantesca favela localizada na Zona Sul, com área equivalente a cerca da metade do Complexo do Alemão, na Zona Norte.
O Complexo do Alemão, junto do da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, já é uma calamidade se percebermos que as áreas ocupam importantes caminhos de ligação entre o Centro carioca e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão. É estranho que ninguém decidiu transferir as linhas nacionais e internacionais para o Aeroporto Santos Dumont, obrigando os passageiros a atravessar uma "área de guerra" para chegarem ao Centro do Rio.
Mas aí o "espírita" pergunta: "estamos em tempo de paz ou de guerra?". "Você diz que sopas e donativos só são urgentes em tempos de calamidade e não decide se vivemos em paz ou em guerra?", tenta argumentar o esperto "espírita".
Bem, o problema é que, oficialmente, o Brasil vive um clima de paz, sim. Institucionalmente, a sociedade brasileira não vive num conflito declarado. A caridade paliativa, neste caso, continua sendo supérflua, no sentido de se destinar à transformação social. Além disso, se a violência é crescente, também é fruto de um múltiplo jogo de interesses e omissões que abre caminho para facções criminosas e para o aumento de assaltos e homicídios no país.
A sociedade brasileira é conservadora, confusa, retrógrada, dividida entre a licenciosidade dos baixos instintos humanos e o rigor extremo do moralismo autoritário. MC Leonardo, o "ativista do funk", e Jair Bolsonaro, o "garoto-problema" que promete "salvar o Brasil", são dois lados de uma mesma moeda, dois abismos ligados pela "ponte" do presidente Michel Temer.
Daí que as pessoas deveriam abrir mão de paixões religiosas, que cada vez mais se comprovam serem sensações emotivas exageradas e perigosas, com níveis de morbidez e êxtases doentios - sobretudo na "masturbação com os olhos" das comoções fáceis - , e perceber que o valor da caridade não está no prestígio do ídolo religioso, que, muitas vezes, é um arrivista deplorável.
O valor está no combate verdadeiro das desigualdades sociais, uma coisa mais de prática do que de discurso. Pessoas como o educador Paulo Freire, morto há 20 anos (02 de maio de 1997), foi um exemplo de deixar os festejados "médiuns espíritas" comerem uma chuva de poeira, porque o pedagogo pernambucano pensou, como poucos, em encarar o problema da pobreza de frente e promover a verdadeira emancipação das pessoas, e a verdadeira solidariedade da ação comunitária.
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