quinta-feira, 4 de maio de 2017

Carta Capital e a "religião da Globo"


Diante da crise que o "espiritismo" brasileiro está sofrendo nos últimos tempos, por suas próprias contradições e erros, qualquer ressalva é perigosa para salvar a reputação dos deturpadores, mesmo que seja a omissão de detalhes ou o enunciado genérico das coisas.

Foi o que se viu na reportagem da seção Brasilianas, de Carta Capital, sobre uma escrivã da Delegacia de Proteção à Pessoa de Curitiba, que havia dito, sem dar detalhes, que se consolava com o "espiritismo" para entender a natureza da tragédia humana.

Maristela Duenhas é o nome da escrivã, e ela lida com relatos de suicídios. O mais irônico é que o "espiritismo" brasileiro trata o suicídio como se fosse "crime hediondo", apesar de aparentemente assistir os suicidas. O texto parece bem intencionado, mas soa arriscado pelo contexto de hoje. Citemos um trecho:

"Adepta da doutrina espírita, (Maristela) Duenhas tem uma visão muito particular da vida no “plano terrestre”. Encara a morte com naturalidade e tenta transmitir essa perspectiva a quem a procura: “A vida é apenas uma passagem obrigatória que temos de cumprir. A morte é parte desse processo”. Essa compreensão espiritual, acredita, ameniza a dor da tragédia. 'Familiares de suicidas adeptos do espiritismo costumam ter uma visão menos desesperadora. Sentem a dor da perda, mas conseguem entender sob outro prisma.'".

O grande problema não é essa visão, mas em que "doutrina espírita" que se fala. Infelizmente, no Brasil, prevalece a forma deturpada, igrejeira, piegas, de um falso Espiritismo extremamente conservador e moralista, voltado para a Teologia do Sofrimento, e qualquer "bem estar" soa mais como um relaxamento placebo de água com açúcar do que de verdadeira serenidade.

Na verdade, ninguém conhece bem o que é o Espiritismo. O legado de Allan Kardec é ignorado sobretudo pela quase totalidade de seus seguidores e por praticamente todos os leigos. O que se chega da obra de Kardec ao grande público são traduções malfeitas e igrejeiras, que, apesar de soarem agradáveis e "confortantes" para a maioria de seus leitores, não traduzem fielmente o pensamento do pedagogo francês.

O maior problema, porém, está na imagem glorificada que os deturpadores têm entre os brasileiros, tratados como pretensas unanimidades. Sobretudo as aberrações que se tornaram os "médiuns", que se recusaram a assumir o papel intermediário e discreto dos médiuns autênticos dos tempos de Kardec e viraram fenômenos monstruosos, apoiados por uma retórica envolvente que inclui apelo à emoção (Ad Passiones) e práticas de valor duvidoso como o Assistencialismo.

Sim. Fala-se de nomes como Francisco Cândido Xavier, Divaldo Pereira Franco e tantos outros. Deturpadores maiores, eles cometem a irresponsabilidade de deturpar e desfigurar o legado de Kardec, e depois jurar fidelidade a ele. Tentam camuflar a desonestidade doutrinária com aparatos de "amor e caridade" que soam "relaxantes" para seus adeptos, que confundem o transe que sofrem com "tranquilidade" e "boas vibrações".

A sensação é enganosa, porque não há como atrair boas vibrações diante de supostos médiuns que deturpam Kardec e fingem "respeito rigoroso" a seu legado. O transe é dissolvido num coquetel de sensações trazidas por hábitos viciados dos brasileiros: a religiosidade fanática, fantasiosa e deslumbrada, a emotividade cega, o apego doentio a ídolos religiosos, o êxtase das comoções em ritos e eventos religiosos, a tal "masturbação com os olhos".

As pessoas menos esclarecidas têm a ilusão de não serem afetadas pelas energias confusas e potencialmente maléficas do "espiritismo" brasileiro, trazidas pelas energias de suas próprias contradições. Elas ficam tranquilas diante de um conteúdo religioso que pensam ser equilibrado, pois entendem como "equilíbrio" a coexistência, não raro conflituosa, entre conceitos cientificistas, delírios igrejeiros e até fantasias de apelo materialista sobre o mundo espiritual.

Sabe-se, por exemplo, que não há um estudo sério que definisse a verdadeira forma do mundo espiritual. O que os brasileiros entendem como "pátria espiritual" é uma ficção inventada pelos delírios materialistas de Chico Xavier e seus consortes, uma forma leviana de aceitar o sofrimento pesado da encarnação presente - tradução "espírita" da Teologia do Sofrimento católica - através da concepção de um suposto paraíso dotado de um condomínio de luxo e um bosque verdejante.

Os brasileiros estranham, mas o histórico de irregularidades em torno de Chico Xavier - cujas fotos antigas mostravam o "médium" com semblante pesado e assustador, sugerindo energias maléficas, o que talvez o teria obrigado a usar óculos escuros - e seus seguidores se comprova com milhares de fatos e provas de tantas fraudes, intrigas e outras manobras que favoreceram os deturpadores do Espiritismo brasileiro.

Os deturpadores, hoje, são vistos como "santos", pessoas de "máxima perfeição" - quanta ilusão, de tal forma prejudicial, pois quando morrem os "espíritas" são os que mais se chocam com a realidade do mundo espiritual, oposta às suas esperançosas quimeras - , mas tudo isso é um discurso construído, uma retórica que poderíamos até considerar bem feita, porque cria uma imagem e uma reputação irreais, mas consideradas "verdade indiscutível" por várias razões.

Entre essas razões, está o conservadorismo religioso, a rendição a um discurso adocicado e piegas, que envolve a pessoa numa emotividade cega e extrema, que a faz prisioneira do que ela entende como "energias elevadas" mas que não passa de uma combinação de fanatismo igrejeiro, transe religioso, e resíduos emocionais que revelam um viciado apego a um sentimentalismo perdido na infância e voltado para fantasias e estórias de comoção fácil.

ATITUDE PERIGOSA DE CARTA CAPITAL

O discurso que transforma os "médiuns" em ídolos religiosos é construído pela grande mídia, que, conservadora, se interessa muito em explorar um conservadorismo religioso sem despertar desconfianças, pois a experiência com o Catolicismo torna-se escancarada demais num meio em que a laicidade precisa ser seu princípio maior.

Desta maneira, trabalhar o "espiritismo" brasileiro é bom para os chamados "barões da grande mídia". O "espiritismo" brasileiro é, na prática, um Catolicismo ao mesmo tempo informal e mais conservador, cujo conteúdo ideológico se encaixa nos padrões da Rede Globo.

Afinal, o "espiritismo" segue um moralismo medieval. Faz apologia do sofrimento humano sob a desculpa de que, na vida espiritual, haverá vantagens melhores. Você leva a vida na pior e não tem o controle de seu destino, mas só terá descanso depois de morrer, quando receberá as tais "bênçãos futuras".

A Rede Globo gosta disso, porque pode assim manipular a sociedade a abraçar esse modo conservador de vida, que protege os privilegiados em seus abusos e deixam os sofredores desprotegidos em suas desgraças.

Outra vantagem é que o "espiritismo" não se traveste de batinas brilhantes com adereços de ouro, nem de pomposas igrejas construídas com a maior sofisticação arquitetônica. O "espiritismo" se traveste de falsa simplicidade e seu verniz de humildade e despretensão - ele pode mesmo se dizer como uma "não-religião" - garante a veículos como a Rede Globo competir com o religiosismo explícito da Rede Record sem despertar desconfiança.

Muitos imaginam Chico Xavier como "pessoa da mais alta pureza" e ignoram que esse mito, com claros aspectos de "mocinho" de novela da Rede Globo, foi construído para neutralizar a influência dos "pastores eletrônicos" Edir Macedo e R. R. Soares. O mito de Chico Xavier não surgiu espontaneamente, mas através de um discurso envolvente que muitos acreditam ser "natural", mas não é. Em nenhum momento.

O perigo é que o "espiritismo", que costuma proteger energeticamente espíritos atrasados como conservadores e criminosos, traz mau agouro aos que fogem desse universo socialmente castrador. Ver que uma reportagem de um blogue ligado ao portal de Carta Capital evoca o "espiritismo" é perigoso pelo risco de mau agouro que isso significa.

O "espiritismo" é a "religião da Globo", e omitir tanto Kardec quanto Xavier não resolve as coisas, porque a omissão de detalhes só permite que se prevaleça sempre a forma deturpada (de Xavier e seguidores), que sempre encontra uma vírgula, uma pequenina ressalva, para manter e renovar a sua terrível supremacia obscurantista alimentada às custas da apropriação indébita e corrompida do legado do professor francês.

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