terça-feira, 9 de maio de 2017

Por que as forças progressistas não questionam o "espiritismo" brasileiro?

SERÁ QUE O ESQUERDISMO ACEITA O "ESPIRITISMO" DETURPADOR POR CAUSA DE SEUS APELOS VISUAIS E RETÓRICOS, COMO DE CRIANÇAS SORRIDENTES?

O "espiritismo" brasileiro é protegido da Rede Globo. É uma religião conservadora e moralista, seu maior ídolo, Francisco Cândido Xavier, defendia a ditadura militar e era devoto da Teologia do Sofrimento. Tem a blindagem de um Aécio Neves e um apetite para reprovar os avanços do raciocínio questionador.

No entanto, vemos que setores das esquerdas brasileiras ficam complacentes com o "espiritismo" e chegam mesmo a lhe prestar uma admiração sem motivo. Movidos apenas pela vaga e falsa imagem de "progressista", o esquerdismo se deixa levar para suposta humildade apresentada pelo marketing "espírita".

O "espiritismo" brasileiro tem uma fachada "imparcial", "sem ideologias" e "neutra". Sua embalagem sempre diz as coisas mais atraentes, imparciais, avançadas, ecumênicas, equilibradas etc. Mas seu conteúdo, como vem de raízes fundamentadas em Jean-Baptiste Roustaing, é dos mais retrógrados, a ponto de rabaixar o legado kardeciano a um sub-Catolicismo de bases jesuítas e essência medieval.

Isso influi no direitismo do "espiritismo" brasileiro que se reforçou sobretudo poucos anos depois de Chico Xavier defender a ditadura militar na televisão, para milhares de telespectadores, em 1971. Para piorar, a imagem que muitos esquerdistas se deixaram levar de Chico Xavier, associada a uma aparente humildade, não passou de um habilidoso discurso publicitário armado pela Rede Globo de Televisão (conservadora) sob inspiração do inglês Malcolm Muggeridge (conservador).

É só ver as coisas. Um conteúdo moralista que diz para ninguém questionar, aceitar as adversidades, perdoar os abusos dos algozes, abrir mão das próprias necessidades, desistir dos talentos da individualidade - o "espiritismo" adora confundir individualidade (desenvolvimento de qualidades pessoais próprias) com individualismo (expressão de egocentrismo) - e ainda pede para os sofredores "amarem" suas desgraças.

Isso é uma agenda conservadora. O "espiritismo" é extremamente conservador, tanto quanto as seitas neopentecostais (que querem enfiar o Brasil de hoje nos tempos do Velho Testamento), mas à sua maneira. Aliás, ambas as seitas (FEB e Igreja Nova Vida) participaram ativamente da Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, em 1964, que pediu a ditadura militar. Num passado menos remoto, Chico Xavier manifestou seu voto em Fernando Collor, em detrimento a Lula.

Relatos elitistas e juízos de valor acusando pessoas humildes de supostamente terem sido tiranos sanguinários em outras vidas revelam também esse direitismo. Chico Xavier acusando as pobres vítimas de um incêndio num circo em Niterói de terem sido "romanos sanguinários" e Divaldo Franco acusando os pobres refugiados do Oriente Médio de terem sido "colonizadores perversos" também revela esse reacionarismo dissimulado em dóceis palavras.

O periódico "Correio Espírita" havia definido as passeatas do "Fora Dilma" como "despertar da juventude" e "indício de regeneração humana", atribuindo aos "protestos dos coxinhas", nos quais havia o clamor pela "intervenção militar", uma suposta função messiânica. Só faltava dizer que Kim Kataguiri, Fernando Holiday, Janaína Paschoal e outros eram crianças-índigo.

O "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, que nas "horas vagas" é um rico latifundiário, virou capa de uma matéria elogiosa de Veja, uma revista que tem uma furiosa má vontade com o ativismo social, esculhambando sindicalistas, trabalhadores rurais, movimentos sociais, populações indígenas, ativistas estudantis.

Se o "funk" e o "espiritismo" são aceitos pela revista Veja, capaz de xingar um Nobel de Física se ele se afirmasse marxista e ateu, então a imagem de "progressistas" que esses dois movimentos, o musical e o religioso, é muito, muito falsa. Ou alguém acreditaria que Veja daria uma capa a João de Deus, se ele fosse um simpatizante do esquerdismo?

O que as forças progressistas de esquerda ignoram é que a imagem de humildade do "espiritismo" que apela para as pessoas "aceitarem o sofrimento" é falsa. Seus palestrantes ficam viajando o tempo inteiro fazendo passeatas para ricos e a tão festejada filantropia que fazem ajuda muito pouco e apenas traz benefícios precários, frágeis e medíocres para os necessitados.

A própria sociedade conservadora aposta no "espiritismo" como um pretenso substituto das políticas progressistas, mas não um substituto à altura. A sociedade conservadora está apavorada com os progressos trazidos pelos governos Lula e Dilma Rousseff, que culminaram até com a transformação do empregado doméstico em assalariado, num sentido inverso que querem fazer os partidários da reforma trabalhista, que querem degradar o mercado de trabalho.

O "espiritismo" cresceu sob o apoio da mídia conservadora, de uma TV Tupi que também investiu na Rede da Democracia (campanha reacionária comandada também pela Rádio Globo e Jornal do Brasil para pedir que o presidente João Goulart fosse derrubado por um golpe militar) e da própria Rede Globo que colaborou na reinvenção do mito do anti-médium Chico Xavier, sem o método confuso e sensacionalista do antigo presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas.

Nem mesmo a aparente ida da atriz global Camila Pitange, ateia e de esquerda, para agradecer a João de Deus sua sobrevida depois que desistiu de mergulhar com o colega e amigo Domingos Montagner, morto por afogamento, pode representar um suposto progressismo "espírita".

Até porque, provavelmente, Camila agiu sob conselho de outro ator de Velho Chico, Carlos Vereza, que interpretou Adolfo Bezerra de Menezes no cinema e é membro do Instituto Millenium, um coletivo do que há de mais reacionário na mídia brasileira.

O próprio João de Deus parece ter dado o "beijo da morte" à esposa do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, dona Marisa Letícia, que estava internada ao sofrer AVC e havia esperanças de recuperação. Foi só o anti-médium goiano dizer que "orava por dona Marisa" para o estado dela se agravar de forma irreversível e ela falecer, deixando viúvo o ex-presidente, já abatido com tantos ataques.

É ilustrativo, aliás, que a mesma Rede Globo que transforma Lula numa pessoa odiável é a que se empenhou em "santificar" Chico Xavier, envolvido em pastiches literários e outros truques de charlatanismo. A "filantropia de resultados", associada ao "espiritismo" brasileiro e que serve como álibi para a deturpação que desfigura o legado de Kardec, é um paradigma conservador e elitista de "caridade" e "bondade", pois traz poucos benefícios e serve mais de propaganda para o "benfeitor".

As pessoas têm que perceber. Até os progressistas têm, de vez em quando, alguma inclinação às paixões religiosas. O que fazem os reacionários deturpadores da Doutrina Espírita, mostrando imagens de crianças sorridentes e coraçõezinhos vermelhos - será que a "cor vermelha" ilude os esquerdistas quanto à doutrina igrejeira? - , para se passar por "progressistas" é de uma astúcia assustadora.

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