quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Sociedade começa a discutir encrenqueiros na Internet
A situação é conhecida. Em determinado espaço nas mídias sociais, podendo ser uma comunidade virtual ou um fórum, determinado internauta expõe algum questionamento contra o que é estabelecido pela mídia, pela política e pelo mercado. De repente, uma série de comentários, dotados de alguma ironia, ou então de ofensas, gozações e ameaças, é enviada em curtíssimo espaço de tempo contra o internauta questionador.
Os comentários se seguem desqualificando de alguma forma o questionamento apresentado, e os "patrulheiros" do "estabelecido" geralmente seguem a orientação de algum líder mais atrevido que, em casos extremos, começa a produzir páginas de ofensas pessoais contra o internauta questionador, se valendo de arquivos e textos pessoalmente escritos por este, reproduzidos de maneira caluniosa e difamatória.
Encrencas assim acontecem há muito tempo nas chamadas redes sociais da Internet e revelam uma parcela da juventude que, desprovida de educação moral e intelectual e acomodada com os valores e ídolos dominantes, não medem escrúpulos para expor seus ódios e preconceitos. Eles se tornaram notáveis depois que comentários racistas foram feitos em série, no Facebook, contra várias mulheres negras, entre elas a jornalista da Rede Globo, Maria Júlia Coutinho, a Maju.
Hoje a imprensa começa a discutir esse vandalismo virtual que, embora seja geralmente sem qualquer caráter ideológico, em muitos momentos se sinaliza como simpatizante à direita, até pelos valores que são defendidos, que variam de "rádios de rock" impostas pelo mercado até a pintura padronizada nos ônibus imposta por políticos cariocas, passando por valores eugenistas (que apelam "cientificamente" para a suposta superioridade racial dos brancos) e até por gírias e ídolos musicais da moda.
Muitos desses encrenqueiros digitais escrevem mal, despejam sua raiva de qualquer jeito e, se contam com algum dinheiro na mão, são capazes de ir às cidades de seus desafetos para "intimidar", como no caso de um busólogo (admirador de ônibus) da Baixada Fluminense, que, há cerca de cinco anos, começou a brigar com vários busólogos. Outros, que defendiam a linha "roqueira" da emissora carioca Rádio Cidade, teriam armado uma emboscada mandando uma mensagem irônica para um internauta discordante convidando-o para uma festa na Barra da Tijuca, reduto das elites conservadoras do Rio de Janeiro.
A maioria desses internautas varia entre a classe média e a classe alta. Defendem os valores estabelecidos pelo mercado, pela mídia e pela política. Acham que tudo que prevalece no momento é sempre valioso e benéfico e agem de forma agressiva contra quem pensa diferente deles. São geralmente racistas e homofóbicos mas, no caso dos internautas masculinos, acham uma frescura os homens rejeitarem as "musas" siliconadas.
Uns usam pseudônimos do nível de "Mestre Kim", "Noquia Megatrendius", "Lili Alucinada", "Clô do Pânico", "Crítico" ou mesmo nomes reais como "Papa Bento", "Michael Jackson" ou "Barack Obama". Outros se arriscam a usar nomes reais, sem qualquer medo de se esconderem. Para piorar, eles se julgam triunfantes mesmo diante dos riscos que assumem com seu vandalismo virtual.
Um exemplo disso está no caso dos comentários racistas, em que verdadeiras baixarias como dizer que "fita isolante é band-aid de negro" são livremente publicadas com total desconhecimento de que o racismo é crime inafiancável. Pior: quando alguém tenta argumentar que os encrenqueiros digitais poderão ir para a cadeia por tais mensagens, estes ainda reagem com gracejos irônicos como "huahuahuahuah" ou o simplório "kkkkkkkkkkkkk".
Muitos desses internautas são adolescentes. Outros, adultos com algum problema psicológico ou uma raiva latente. Alguns usam Internet sob o sustento de seus pais. Outros são adultos emancipados que, em alguns casos, chegam a usar cocaína antes de entrarem nas mídias sociais. A cocaína é uma droga que torna a pessoa mais "animada", fazendo ela ficar presunçosa, arrogante e potencialmente mais agressiva sob a menor adversidade.
A imprensa começa a questionar esse vandalismo, até pelos danos morais que eles podem causar. Sejam esses encrenqueiros simples trolls (ou "troleiros"), "zoeiros" ou cyberbullies, eles são a expressão de retrocessos sociais que ocorreram nos últimos 25 anos. Esses agressivos internautas são "filhos" de um tempo cujos valores começam a ser derrubados um a um e, por isso, eles reagem com essa "irreverência" que, só para usar jargões por eles usados, não passa de meras "raivinhas" e "medinhos" da mudança dos tempos.
Eles são pessoas que não receberam a afeição dos pais, e não tiveram noção do que é respeito humano. Em contrapartida, os pais que não lhes eram amigos sempre lhes arrumavam festinhas em todo sábado e lhe davam presentes, o que significa que essa geração também não aprendeu a aceitar um "não". Em alguns casos, os internautas encrenqueiros eram agredidos por pais ou babás e descontam suas "raivinhas" contra o primeiro internauta que não pensar igual a ele.
Potencialmente, eles agem como se fossem grupos fascistas, de extrema-direita, que não temem ir longe com seus ódios que surgem numa "inocente" zoada. De chamar colegas para esculhambar algum discordante nas mídias sociais até produzir blogues ou fotologues de calúnias e difamação, eles podem chegar ao ponto de ir para as ruas e cometer represálias contra suas vítimas.
Históricos de jovens reacionários já tiveram na História do Brasil contemporânea, através do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), grupo composto por jovens agressivos que são capazes de causar incêndios, como a destruição da sede da União Nacional dos Estudantes pouco após o golpe civil-militar de abril de 1964, no Rio de Janeiro, e de provocar, armados de revólver, grupos ideologicamente opostos, como houve no conflito de estudantes da Universidade Mackenzie, ligados ao CCC, e socialistas ligados à USP, em 1968, cujo tiroteio causou a morte de um secundarista atingido por bala perdida.
Os internautas encrenqueiros de hoje, mesmo os ideologicamente "neutros", expressam sua admiração para figuras como Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Tatola Godas, Emílio Surita, Luciano Huck e Danilo Gentili. Houve caso de defensores da gíria "balada" causarem vandalismo no Orkut, que demonstravam sutil admiração a Luciano Huck. Em certos casos, eles fingem esculhambar seus ídolos como "provocação" ou forma de impressionar alguém.
A imprudência desses internautas é tanta que eles não só apelam para comentários racistas ignorando o risco de serem presos em regime fechado ou, no caso de piadas preconceituosas contra homens que ficam solteiros durante muito tempo, desconhecerem que homens que "zoam" com a solteirice dos outros irrita as namoradas e esposas dos encrenqueiros que poderiam muito bem romper com seus companheiros, condenados a experimentar o mesmo "encalhe" contra o qual gozam dos outros.
Em outros casos, no entanto, as gozações violentas contra a solteirice de alguém podem indicar que os mesmos encrenqueiros digitais escondem uma frustração sexual e amorosa. Muitos desses encrenqueiros podem ter sofrido impotência na relação sexual da véspera, ou levado um "fora" na tentativa de conquistar uma mulher, e ficam "descontando" ao humilharem a solteirice de outros homens.
Dessa forma, os próprios encrenqueiros virtuais, que parecem triunfantes nos seus atos, podem ser surpreendidos pela encrenca que desprezam. Sua agressividade também irrita outras pessoas e há casos de encrenqueiros mais atrevidos que sofrem risco de sofrer algum atentado. De um lado, as leis, de outro, as represálias sociais, podem transformar em trauma, prisão e até em tragédia a "irreverência" daqueles que só querem "zoar nas redes sociais".
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