"CRIANÇAS-INDIGO"? - Suspeitos de arrastão em Ipanema, no Rio de Janeiro, há algumas semanas, são detidos por policiais.
Como se dará a elevação do Brasil em nação-guia da humanidade planetária? O status de "grande personalidade" e "símbolo maior de caridade" que mantém o anti-médium Francisco Cândido Xavier no seu pedestal garante que um devaneio seu, reforçado por um sonho de 1969, se torne uma "realidade concreta" apenas por uma questão de fé.
É muito complicado, porém, explicar essa suposta "profecia" de Chico Xavier à luz do raciocínio lógico. Despindo-nos dos dóceis preconceitos da fé, complacentes com teorias absurdas quando elas seguem o pretexto do "amor e da caridade", somos obrigados a admitir que é impossível que o Brasil se torne uma potência mundial, seja em 2019, seja em 2052, como sugere Divaldo Franco.
Isso porque o Brasil está numa situação bem mais problemática em relação à Europa, EUA, Oriente Médio e o restante da Ásia, áreas consideradas "condenadas" pelo "movimento espírita", inclusive a própria França da qual se originou a doutrina de Allan Kardec.
Vieram, a reboque das "profecias" de Chico Xavier, outras trazidas pelos demais figurões "espíritas". Há quem diga que muitos franceses que viveram a Revolução Francesa reencarnaram no Brasil. Divaldo Franco aposta nas gerações de jovens definidas como "crianças-índigo" que comandariam os avanços diversos prometidos para o Brasil. E por aí vai.
Não é isso que se vê na realidade. É certo que os EUA tiveram um terremoto atingindo a Califórnia e um tornado atingindo a Geórgia. Jerusalém teve um sangrento atentado recentemente. Um massacre atingiu dez jornalistas do periódico humorístico Charlie Hebdo, na França, e outras pessoas foram mortas na rua ou no supermercado onde os terroristas fizeram um sequestro antes de serem mortos pela polícia.
Tudo bem. E ainda há tempestades na China, nas Filipinas, vulcões na Itália e na Islândia, gelo derretendo no Pólo Norte, ameaças terroristas nos países desenvolvidos, etc etc etc. Mas será que o "velho mundo" está tão condenado assim e o Brasil passará para a arrancada e ser promovido a nação mais próspera do planeta?
Se o Brasil é o "Coração do Mundo", então ele sofreu um infarto. Não bastasse a preocupante imbecilização social que atinge grandes parcelas de jovens e adultos, mesmo os de nível universitário, há casos aberrantes que variam de arrastões em Ipanema a baixos desempenhos nas provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano, passando pela crescente troca de ofensas nas mídias sociais.
Seria preciso lançar muitos livros só para descrever as aberrações nos últimos 25 anos. Elas fazem o Brasil estar muito mais próximo das sociedades surreais descritas por Franz Kafka e Luís Buñuel, ou mesmo do "festival de besteiras" de Stanislaw Ponte Preta.
Até os grandes cientistas, supostos heróis do "movimento espírita" - logo eles, que desprezam o verdadeiro cientificismo e puseram no escanteio os argumentos lógicos de Allan Kardec - , não têm condição alguma para fazer o papel que Chico Xavier e Divaldo Franco tanto disseram na "maravilhosa evolução" da nação brasileira.
Em primeiro lugar, os cientistas brasileiros quase não recebem verbas financeiras para levarem suas pesquisas adiante. Se isso já é um problema no Primeiro Mundo, imagine no Brasil. Eles também não têm muita visibilidade na mídia e a sociedade pouco está interessada em saber sobre seus trabalhos. Se os cientistas se viraram para descobrir a cura de tal doença, tudo bem. Senão, eles que se danem.
E que cultura teremos, se até mesmo as melhores expressões culturais se acomodam em eternas homenagens, tributos que mais assustam, parecendo que a nossa melhor cultura desaparecerá em breve e ensaia seus rituais de despedida.
Em compensação, a bregalização musical, a predominância de sub-celebridades e aberrações como a multiplicação de franquias teatrais de desenhos animados estrangeiros, nivelando o quadro teatral brasileiro para um contexto pior do que quando havia o monopólio do Teatro Brasileiro de Comédia (teatro sofisticado, mas de temáticas estrangeiras), tornam-se o quadro dominante.
Há também a ação de tecnocratas que, no caso da mobilidade urbana e do transporte coletivo, tentam prevalecer no poder decisório com medidas antipopulares que complicam a vida das populações, e há a corrupção institucionalizada dos políticos e empresários que radicaliza práticas que também ocorrem nos países desenvolvidos.
Imagine então pensar a "revolução feminista" através de uma multiplicidade de mulheres siliconadas que não têm o que dizer e só ficam mostrando seus corpos exagerados num sensualismo forçado e mesquinho? Recentemente um grupo de "mulheres-frutas" se reuniu para uma sessão de fotos intitulada "arrastão das gostosas".
Diante desse quadro todo, como é que vamos pensar na evolução do Brasil? Será que esses problemas irão evaporar pura e simplesmente com o "silêncio da prece" tão "carinhosamente" recomendado por Chico Xavier? Será que, como no conto da Cinderela, o Brasil deixará de ser a "gata borralheira" do mundo e dançar na ala nobre do baile das nações?
E os arrastões nas praias? E o cyberbulling praticado por muitos jovens contra quem questiona o "estabelecido"? E o conformismo "bovino" das pessoas diante de arbitrariedades e erros diversos? Até o nosso vocabulário é trucidado porque virou moda, através da mídia, fazer deslizes linguísticos.
Os problemas não são apenas muitos. Até aí, seria compreensível. O problema dos problemas é que eles são muito graves e nem são reconhecidos como problemas e, dependendo do caso, expôr algum questionamento na Internet dá um sério risco do internauta cyberbully criar um blogue só para ofender questionadores.
O Brasil está problemático demais para sequer pensar em ser alguma nação a comandar ou a ser ao menos uma vice-líder na comunidade das nações. Sua situação causa mais vergonha que orgulho, e não é relativizando que se vai resolver as coisas.
Deixar de ver erros e aberrações como "formas inusitadas de acertos" que "não" compreendemos é um grande passo para, ao menos, identificarmos o que existe de pior no Brasil. É possível até agirmos para melhorar bastante o nosso país, mas sem a paranoia de querermos que ele seja o "Coração do Mundo".
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