terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Chico Xavier corrompeu a mediunidade no Brasil


Oficialmente, Francisco Cândido Xavier é considerado o maior médium do Brasil. Alguns, mais entusiasmados, exageram e o elegem o maior médium do mundo de todos os tempos. No entanto, as irregularidades em torno de Chico Xavier fizeram com que a prática mediúnica, no país, se tornasse praticamente desmoralizada.

O dom mediúnico de Chico Xavier, na verdade, era alvo de muita controvérsia. No fundo, seu dom mediúnico não tinha a amplitude que se atribui a ele, que mesmo postumamente foi promovido não só a conselheiro sentimental mas a dublê de filósofo, cientista, profeta e guia máximo do Brasil, só faltando dizer que ele é o presidente espiritual do país (e há quem goste dessa ideia).

Xavier exercia a mediunidade através de contatos com o espírito do padre Manuel da Nóbrega. O mineiro era católico e devoto de Nossa Senhora da Abadia (que também tem como devoto o cantor de sambrega Alexandre Pires, de Uberlândia, do mesmo Triângulo Mineiro da Uberaba que adotou o anti-médium), e o jesuíta prontamente adotou o codinome de Emmanuel.

Chico não teria se acautelado quanto ao processo mediúnico, e, ambicioso, ignorava seus próprios limites como médium, e, da maneira que passou a agir, nos momentos em que a mediunidade não se exercitava - ela não acontece 24 horas por dia - , ele topou fazer, sob o pretexto da psicografia, obras que vieram apenas de sua imaginação e de seus parceiros e colaboradores.

Pela figura exótica que Chico se tornou e pelos paradigmas que ele personificou ligados ao jovem caipira, simpático e gentil, posteriormente somadas à figura paternal do "bom velhinho", a sua figura de médium passou a desvirtuar o sentido que se tem do termo "médium", conforme a Teoria da Comunicação.

No sentido semântico, "médium" quer dizer "intermediário", o "meio" de um processo comunicativo. O médium seria aquele que se servia de canal para a comunicação de espíritos do além (normalmente emissores, mas às vezes receptores) e as pessoas na Terra (normalmente receptores, mas eventuais emissores).

ANTI-MÉDIUM

Não foi isso que aconteceu no Brasil. O médium quebrou essa estrutura comunicativa, quando se tornou o centro das atenções. Em vez de ser o "canal" - o "recurso" comunicativo - , ele passou a ser o emissor de mensagens, já que virou um consultor sentimental.

Mas o grande problema é quando as irregularidades do processo mediúnico fazem com que os espíritos do além, que deveriam ser os emissores / receptores da mensagem, passam a ser o "canal" quando servem mais para alimentar o prestígio e a suposta confiabilidade do dito médium.

Em muitos casos, os espíritos do além não dão sequer as caras. A partir do próprio exemplo, que somos obrigados a admitir como péssimo, de Chico Xavier, que produziu pastiches literários com a ajuda de editores da FEB e consultores literários associados, através de Parnaso de Além-Túmulo, já a partir de 1932, as "almas do outro mundo" passaram a ser meros nomes mencionados.

Neste sentido, nem os espíritos do além participam do processo comunicativo. Eles foram embora, envergonhados de ver seus nomes associados àquilo que eles seriam incapazes de escrever. Nem todo mundo se dispõe ao papel constrangedor de se limitar ao propagandismo religioso.

O já definido anti-médium - porque deixou de assumir o papel intermediário (médium) e se tornou o centro das atenções, pois até quando familiares buscam mensagens de entes queridos o "médium" torna-se prioridade, acima até mesmo da "turma do além" - , não obstante, passou a criar mensagens da sua própria imaginação e apenas usa os nomes dos mortos para os créditos de "autoria".

Ele virou uma espécie de ghost writer às avessas. O escritor-fantasma, ou o pintor-fantasma ou a voz-fantasma não são os das almas do outro mundo, mas do suposto médium que deveria ser o "canal", o "intermediário", mas passa a ser o próprio emissor de mensagens ditas "espirituais".

E Chico Xavier corrompeu a mediunidade, com suas irregularidades, cuja constatação nem de longe tem a ver com calúnias ou "injusta perseguição a um homem de bem" (como alardeiam seus partidários), mas por observações cuidadosamente comparativas entre as supostas mensagens espirituais e o que os supostos autores haviam produzido em vida.

Só mesmo sendo ingênuos para ignorarmos a disparidade de estilos e aspectos pessoais observados em obras supostamente atribuídas a espíritos de Humberto de Campos, Auta de Souza, Olavo Bilac e outros, reduzidos a patéticos propagandistas religiosos, a igualmente falar os mesmos propósitos e mensagens de Chico Xavier, em prejuízo da individualidade deles.

ESCOLA RUIM

Isso criou uma escola ruim de médiuns sem qualquer preparo. Se o mau exemplo já vem de um Chico Xavier parodiando estilos poéticos (não sozinho, mas com ajuda de outrem), depois de um Divaldo Franco com seus pastiches e até falsetes e com José Medrado pintando pastiches de quadros de pintores famosos (e conflitando com Divaldo na irregular "psicofonia" de Bezerra de Menezes), tidos como conceituados, imagine então o que ocorre em divisões inferiores.

Hoje a coisa ficou tão bagunçada, que a mediunidade passou a ser um passatempo comparável ao das mesas girantes da França, que numa primeira intância revelaram fenômenos espirituais interessantes, mas depois, no auge da popularidade, geraram práticas fraudulentas.

E, o que é pior, a mediunidade "autêntica", como se considera no Brasil, aprecia mensagens fraudulentas, apenas pela "semelhança" que guardam aos estilos e personalidades que os mortos expressaram em vida. Famílias são enganadas, com gritos e choros de comoção, quando só verificam alguns aspectos pessoais dos entes queridos, sem perceber as diferenças.

É claro que, num Brasil ainda escravo da fé cega religiosa, mensagens fraudulentas sejam vistas como "autênticas" porque apresentam semelhanças parciais - algumas tidas como "sutis" - em que os supostos falecidos venham com saudações "infantis" tipo "Querida mamãe" e alguma mensagem "fraternal" junto. Belos sentimentos camuflando a fraude.

Isso porque não são as semelhanças que apontam fraudes. São as diferenças, por pequenas que sejam, que, destoando de tudo que se relaciona à personalidade de um falecido, derrubam as semelhanças mais sutis, quanto mais aquelas consideradas genéricas.

Há até, nos bastidores, a regra de que um médium que não conseguisse se concentrar para receber um espírito do outro mundo - e nem mesmo um zombeteiro, uma alma bagunceira, que se passa pelo "amigo do além" - é, na falta dessa capacidade mediúnica, criar uma mensagem da própria mente que seja carregada de "apelos de amor e fraternidade".

É um padrão que conforta a todos e deixa as mães dormirem tranquilas, mesmo quando a narrativa é sempre padronizada, da alma infeliz que sofreu logo após a morte, que depois foi socorrida numa colônia espiritual e aprendeu os ensinamentos de "amor e fraternidade" cristãs e que traz essas "lições" para os entes na Terra.

No entanto, "palavras de amor" são apenas palavras, e toda essa catarse sentimental é perigosa, e faz com que muito da "verdadeira mediunidade" praticada no Brasil seja tão somente uma fraude "bem intencionada", o que praticamente desmoraliza essa prática e a faz seriamente corrompida.

Por isso, a atividade mediúnica no Brasil se tornou gravemente prejudicada. Um sério prejuízo se deu porque, aos olhos da Terra, muitos acreditaram que o mundo espiritual era uma gigantesca igreja e foram dormir tranquilos, sem saber que muito do que se atribui às "vozes do além" se originou tão somente da imaginação fértil dos ditos médiuns, a partir do exemplo de Chico Xavier.

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