domingo, 1 de fevereiro de 2015

Chico Xavier, o anti-ativista


Palavras dóceis inebriam e seduzem pessoas despreparadas. São as frases mais dóceis, dotadas de argumentos que parecem melífluos, que constituem as piores armadilhas. Num país despreparado como o Brasil, poucas pessoas percebem o veneno que está por trás de palavras dóceis.

Seguindo o ditado "quem não tem cão, caça com gato", Francisco Cândido Xavier virou dublê de filósofo num país sem filósofos, pelo menos no nível daqueles cujas ideias e obras atravessam décadas, de tamanho nível lógico. Mesmo uma Grécia em frangalhos têm como legado forte o pensamento de nomes como Platão e Sócrates.

E no Brasil? "Filósofo" é Chico Xavier? A tese, confortável e deslumbrante, não tem o menor sentido lógico. Só mesmo o sentimentalismo piegas de seus seguidores pode insistir com tamanha ideia. Afinal, prestando atenção nas frases de Chico Xavier, elas nem parecem ter tanta importância assim.

Para começar, uma análise cuidadosa do pensamento de Chico Xavier nos leva a concluir que ele era o oposto de ativista social. Tido como "progressista" sem motivo lógico, Chico na verdade era bastante conservador e por vezes até reacionário.

Uma prova do reacionarismo de Chico Xavier está em frases que ele mesmo disse ao vivo, para milhares de pessoas, em 28 de julho de 1971, no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, cujo conteúdo está disponível na Internet.

"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje)), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".

A argumentação acima, dita por um Chico Xavier que acreditava que a ditadura militar estava preparando o "reino de amor" da humanidade futura - isso às custas de cadáveres mortos e desaparecidos - , é algo digno dos mais brutais argumentos daqueles que se opuseram rancorosamente contra João Goulart e ainda apoiavam os generais na fase mais dura, sob o AI-5.

Ele era contra a mobilização social. Com a declaração acima, ele reprovava as ações de sem teto, os trabalhadores rurais e os operários, justamente os mais necessitados e prejudicados pelos abusos do poder político e econômico. Chico, nesta declaração, adotava explicitamente preconceitos ideológicos que, atualmente, movimentam pessoas do nível de um Jair Bolsonaro.

Nada menos progressista. E, além disso, se prestarmos atenção às diversas frases de Chico Xavier, perceberemos que sua maior bandeira era a do conformismo, da reforma íntima, da aceitação do sofrimento. Caridade, só aquela paliativa já defendida pela Igreja Católica.

E essa atitude reacionária condiz muito com frases dóceis que Chico Xavier traz pedindo que se substitua o ativismo social pelo silêncio da prece, como esta frase "meiga" que traz em si um sério e preocupante grau de conservadorismo:

"Se o momento é de crise, não te perturbes, segue... Serve e ora esperando que suceda o melhor. Queixas, gritos e mágoas são golpes em ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz".

A bandeira ideológica de Chico Xavier desaconselhava as pessoas a mudar a sociedade e lutar contra injustiças. Em vez do protesto, do questionamento e do raciocínio crítico, devia-se orar, amar, se alegrar nas amarguras da vida e orar em silêncio na esperança que o tempo "evapore" as situações mais difíceis.

Com isso, Chico fazia o que as forças de repressão e os setores moralistas da sociedade tanto queriam fazer e não podiam, dissolvendo passeatas, cancelando pesquisas e paralisando estudos, porque a regra é orar em silêncio, aceitar as dificuldades e apenas fazer a tal "reforma íntima", eufemismo para conformismo.

Para Chico, não se muda a sociedade para destruir injustiças e corrigir aberrações. Em vez disso, limita-se a "mudar" o indivíduo, a "auto-mudança" que é a reforma emocional em aceitar os absurdos da vida, limitar-se a encarar as coisas com fé, virar uma pessoa obediente aos arbítrios e até às aberrações da vida e aceitar o que o "sistema" impõe para a pessoa encarar.

A caridade e a transformação social só se limitam às ações paliativas, ou a mudanças aceitas ou apoiadas pelo "sistema", dentro dos limites estabelecidos pelo status quo. Para a ideologia chiquista, não se deve desafiar o status quo, deve-se cruzar os braços e acreditar que aqueles que abusam e cometem injustiças terão seus privilégios "perdidos" não se sabe quando.

Chico, defendendo tais ideias, fez um grande serviço ao "sistema", criando um clima de conformismo baseado na catártica e sedutora emotividade que faz com que seus seguidores, de maneira "bovina", reproduzam suas "lindas frases" nas mídias sociais.

Temeroso, Chico definia o debate e a polêmica como "escandalosos", o questionamento como "injusto", a mobilização como "ameaça". Como uma antítese do ativista social, Chico recomendava tão somente o "silêncio da prece" e a subserviência "caridosa" como meios para "superar" (sic) as dificuldades.

Diversas desculpas são feitas para "justificar" a "beleza" e a "sabedoria" das frases de Xavier. Muitas surreais, que veem ativismo onde não existe, outras que tentam explicar a razão pela emotividade. Em todo caso, são pessoas apegadas ao supérfluo das palavras chiquistas, que nada dizem a respeito do progresso da humanidade.

Prestando bem atenção, Chico Xavier foi um anti-ativista. Ele sempre foi uma figura bastante conservadora e moralista. Ele apenas teve a habilidade de trabalhar suas ideias retrógradas através de frases doces e carinhosas, que deixam seus seguidores tranquilos e felizes, mas que nada dizem quando se refere ao verdadeiro progresso do Brasil e do mundo.

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