segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O perigoso ufanismo de Chico Xavier

ILUSTRAÇÃO PIEGAS EVOCA A PATRIOTADA DO ANTI-MÉDIUM MINEIRO.

Ufanismos são muito perigosos. Evocar a supremacia de uma pátria, levando-se em conta que países são construções materiais resultantes de critérios sócio-políticos específicos, é muito perigoso. Pode ser na Alemanha, nos Estados Unidos da América ou até mesmo no Brasil.

O problema é que os seguidores de Chico Xavier são entorpecidos pelo fanatismo dócil obtido pelas "palavras de amor". Tudo é "lindo", até mesmo a ideia de que o Brasil será o "coração do mundo", a nação mais poderosa do planeta e o "reino de luz" que irá guiar a humanidade planetária nos tempos futuros.

Isso é conversa para boi dormir, talvez o gado bovino que muitos acreditam existirem em Nosso Lar, nos lindos pastoreios de paisagens frondosas onde os passarinhos cantam melodiosamente e onde os rios correm com águas límpidas e transparentes.

Nada impede que fantasias ligadas a tudo o que é maravilhoso e belo possam gerar ideologias fanáticas, perigosas, cruéis e nocivas, já que, de um lado, existe um processo de construção de uma nação hegemônica, e, de outro, a destruição de tudo quanto é obstáculo para a conquista dessa posição hegemônica.

Em outra oportunidade, vamos explicar como se dá esse processo, em que o "lado mais lindo" está no projeto de nação ou de povo hegemônico, enquanto os "vilões" do outro lado representam o "lado mais sórdido", que deve ser eliminado.

Os "melhores julgamentos" se encontram no "eu", enquanto ao "outro" se reservam os piores estigmas, associado a qualidades supostamente negativas que justificam até mesmo atrocidades que podem ser cometidas porque "eu é que tenho o melhor projeto para o planeta" e "o outro precisa ser eliminado porque representa aquilo que não serve para meu projeto".

O SENTIDO DA PATRIOTADA DE CHICO XAVIER

Francisco Cândido Xavier era um homem de muitas manias. Católico fervoroso mas excêntrico, tinha manias que irritavam os católicos ortodoxos. Por algum arranjo de situações oportunistas diversas, Chico passou a ser o "líder do espiritismo" às custas da adoração mórbida de mortos prematuros e da interpretação preciosista de sonhos banais.

Uma de suas manias é querer que o Brasil fosse a nação hegemônica do planeta Terra. A nação mais poderosa do planeta, um novo império político e teocrático, que supostamente irá aglutinar diferentes culturas e povos em "perfeita harmonia". Aglutinar? Não seria cooptar e dominar pela inculturação jesuíta?

Isso é um desejo pessoal de Chico que se afinou com as pretensões ufanistas que as elites dominantes têm em relação ao país. Um desejo que encaixou no sentimentalismo fácil e frágil de muitas pessoas, achando que um mero destaque geopolítico possa representar melhorias de vida e muita felicidade.

Já no livro Parnaso de Além-Túmulo, Chico Xavier, usando o nome de Olavo Bilac para um poema que, sob o título "Brasil", destoa completamente do estilo original do autor, já mencionava o "coração do mundo e a pátria do evangelho" que intitularia um livro que Chico lançaria, anos depois, sob o nome de Humberto de Campos.

Chico tinha essa obsessão. Queria que o Brasil fosse líder do círculo das nações. Um ufanismo exagerado que não é só dele, mas de muita gente, e que é uma "patriotada" que deveria ser tão ridícula (e é mesmo) quando a do locutor de TV Galvão Bueno, mas, pelo status de "bom velhinho" e de pretenso sábio de Chico, foi elevado a "causa nobre e indiscutível".

Por isso o anti-médium mineiro, ao longo de sua carreira, insistiu com essa missão em vários momentos. Seduzia as pessoas com suas "palavras de amor" enquanto divulgava o projeto totalitário de nação hegemônica para o Brasil, se promovendo às custas da boa-fé esperançosa de muitos de seus seguidores e simpatizantes.

E, de repente, veio "aquele sonho" de 1969, após a chegada de uma tripulação de astronautas estadunidenses ao solo lunar, e criou-se a "esperança" de que o Brasil, então mergulhado nas trevas do AI-5, seria o "reino de amor e fraternidade" a conduzir o planeta nos tempos futuros.

Um Brasil ainda problemático, que mal consegue resolver seus próprios transtornos, debilidades e injustiças, de uma cultura frágil, uma mídia retrograda e do qual figuras nefastas como o deputado federal Jair Bolsonaro gozam de grande reputação, e que já reabilitou politicamente o corrupto Paulo Maluf, é que irá comandar a comunidade das nações e ditar o futuro da humanidade na Terra.

Tudo é lindo e maravilhoso no discurso, que qualquer questionamento gera indignação e tristeza. Mas, na teoria, projetos como o Império Romano, guiado a princípio por um politeísmo copiado da Grécia Antiga e depois elaborando uma teocracia hoje conhecida como Igreja Católica, e da Alemanha nazista, também eram anunciados como "lindos projetos de grandes nações".

Na prática, porém, os "projetos lindos" precisam ser concretizados com o expurgo de "forças incômodas", e aí é que está o perigo. Quem serão os "inimigos" do "coração do mundo"? Falar é fácil, e muitos dirão que esse "inimigo" não existe. Mas quem garante que suas paixões não irão se voltar contra alguma força contrária, seja qual for, e sobre ela cometer atrocidades?

O tempo é imprevisível e muitas práticas escapam ao doce desfile das palavras. Daí que o medo do Brasil ser uma nação hegemônica no futuro não é uma paranoia de uns descontentes, mas o temor de que algo imprevisto possa acontecer, vide os jogos de interesses nem sempre generosos que estarão por trás de seus diversos mecanismos. Daí o perigo do ufanismo de Chico Xavier.

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