quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

"Espiritismo" brasileiro só não aproveitou a face mais cruel do Catolicismo medieval


A base fundamental do "espiritismo" brasileiro não está no cientificismo de Allan Kardec, mas no Catolicismo brasileiro vigente no Segundo Império, fortemente influenciado pelo Catolicismo português, que de sua parte ainda mantinha caraterísticas medievais.

Embora seja muito forte e arraigado o mito de que o "espiritismo" brasileiro rompeu com o Catolicismo e se opõe energicamente à fase da Santa Inquisição, é bom tomar cautela e interpretar as coisas com mais prudência.

O "espiritismo" brasileiro apenas rompeu com aspectos considerados "mais pesados" do Catolicismo medieval, naquilo que havia de mais cruel ou antiquado. Afinal, o "movimento espírita" não iria investir em queimas de hereges, sobretudo em praça pública.

Que o moralismo do "espiritismo" brasileiro é bastante severo, isso é verdade. Só para citar um exemplo, o "movimento espírita" trata o suicídio como se fosse um "crime hediondo", enquanto minimiza a gravidade do homicídio sob a desculpa de "cumprimento das leis de reajustes espirituais".

No entanto, algumas mudanças pontuais precisavam ser feitas, e o "espiritismo" brasileiro precisou eliminar a antiga intolerância do Catolicismo inquisitorial, Em vez de combater outras crenças e ignorar por absoluto valores científicos, o "espiritismo" brasileiro prefere cooptá-los.

Seu discurso supõe que sua doutrina acolhe o pensamento científico e a diversidade religiosa. No entanto, o pensamento científico é apreciado de forma distante e sem conhecimento de causa, e a diversidade religiosa como um pretexto para unir várias crenças numa só, criando não só uma fusão, mas uma confusão.

A partir dessa aparente assimilação de crenças, o "espiritismo" brasileiro descarateriza-se como doutrina que, em tese, se inspirava no pensamento de Allan Kardec. Isso porque o próprio processo de diversidade é menosprezado, pois o "espiritismo" não se preocupa em manter as caraterísticas doutrinárias do Espiritismo original, mas ser uma "colcha de retalhos" de outras crenças.

Assim, essa "colcha de retalhos", em que prioriza a influência do Catolicismo, absorve também alguns ritos protestantes, judaicos, umbandistas e até mesmo ocultismo. Sob o pretexto de respeitar essas crenças, o "espiritismo" brasileiro as tenta absorvê-las, realizando o projeto de Jean-Baptiste Roustaing de criar uma "religião única" para os próximos tempos.

No que diz à ciência, o "espiritismo" brasileiro supostamente aprecia o conhecimento científico, mas acaba subvalorizando suas atividades, já que a apreciação é superficial e pedante, praticamente restrita a menções de caráter leigo, ou seja, sem muita especialização científica.

Mas mesmo os cientistas especializados que se envolvem nas palestras e contribuem em periódicos "espíritas", uns sérios e outros nem tanto, acabam sendo prejudicados de uma forma ou de outra pela supremacia do religiosismo.

Os mais sérios não podem ir muito adiante nas suas análises e pesquisas, e mesmo conhecimentos ligados ao Magnetismo e à TransComunicação Instrumental são restritos a especialistas e alguns estudiosos mais dedicados, não sendo acessíveis ao grande público, como se não bastasse a já discutível e duvidosa atividade mediúnica, cheia de irregularidades.

Já os que não são muito sérios, mesmo aqueles que são professores, físicos e demais acadêmicos ou cientistas fora da atividade "espírita", comprometem a transmissão do conhecimento científico dentro dos limites que não divirjam da "fé espírita" nem mesmo os do religiosismo caraterístico desta doutrina.

Apesar de todo esse ecletismo, ou melhor, por causa dele, o "espiritismo" brasileiro se afastou de sua própria estrutura doutrinária, delineada por Allan Kardec, e se tornou um sistema de crenças confuso, contraditório, irregular e em muitos aspectos antiquado, desmerecendo o status de vanguarda das crenças espiritualistas existentes no Brasil.

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