sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Trolagem revela falta de discernimento de internautas
A Justiça já revelou que são 70 os suspeitos de terem publicado ofensas à atriz Taís Araújo, no final do mês passado, no perfil dela no Facebook. Eles estão sob investigação e até comunidades em que eles participaram ou outros veículos de mídias sociais também estão no alvo dos investigadores.
O incidente expôs um problema muito antigo, que é o vandalismo digital, potencialmente reacionário, que é a atitude, individual ou grupal, de internautas reagirem contra valores e questionamentos que se opõem ao seu sistema de crenças e valores.
Em muitos aspectos, as campanhas que consistem sobretudo em processos "organizados" de difamação de determinados internautas expressa um profundo reacionarismo conservador, na medida em que os ofensores soam como "cães-de-guarda" do status quo, reagindo contra quem contesta modismos e iniciativas defendidas pelo poder do mercado, da mídia, da política, do entretenimento.
Dois sentidos norteiam esses desordeiros digitais. Um é a preocupação com a defesa do "estabelecido", principalmente em relação a coisas que parecem "novidades", como a gíria "balada" (símbolo da influência da grande mídia na manipulação do público juvenil) e a pintura padronizada nas empresas de ônibus do Rio de Janeiro, fora outras coisas.
Outro sentido é a falta de discernimento que eles têm, iludidos com a crença da impunidade e da segurança do anonimato, que os faz não apenas agir com imprudência, movidos pelos próprios impulsos, como também por pura burrice e falta de noção das consequências que seus atos podem causar.
Por exemplo, os ataques racistas acontecem sem que seus responsáveis tenham qualquer noção das punições que atos racistas (crime inafiancável) e injúrias raciais (que preveem punições mais brandas, como oito anos de detenção) preveem de acordo com a lei.
Outro caso é quando internautas fazem gozações contra homens que ficam solteiros por muito tempo, um ato de grande burrice, porque ficar solteiro é a coisa mais fácil do mundo e, geralmente, namorada de quem humilha os outros não costuma ter "sangue de barata" para aceitar que seu companheiro perca tempo com tanta futilidade. Se ela o vir agindo assim, ela termina a relação e o "zoeiro" fica tão "encalhado" quanto sua vítima.
A arrogância sem limites e a ilusão de que o troleiro pode reagir a qualquer adversidade com gozações e ironias, seja nas mídias sociais, seja através de blogues ofensivos, o faz se sentir certo de que, para cada contrariedade que enfrentar, basta ele usar seu senso de humor grosseiro e suas declarações para tentar fazer os outros crerem que ele está a prova de qualquer encrenca.
Geralmente eles têm um apreço cego ao status quo. Aliás, vários desses desordeiros digitais estão a serviço de governos, órgãos de imprensa, redações jornalísticas, fãs-clubes, emissoras de rádio etc. Estão a serviço de "peixes grandes". Não é coincidência que um jornalista como Reinaldo Azevedo, da Veja, escreva como se fosse um troll. Ele só difere por não se disfarçar de "cidadão comum", já que o contexto lhe permite usar sua identidade real.
Só que eles vivem num mundo em que eles são tiranos fanfarrões, sádicos humoristas que fazem ofensas gratuitas, pessoas que parecem inatingíveis, invulneráveis. E se acham com o apoio solidário de muita gente, pois acreditam que as vítimas é que são impopulares, protegidas por uns poucos infelizes, como acontecia nas humilhações do bullying nas escolas.
Nos ambientes escolares, valentões se valiam da relativa popularidade que exerciam nas turmas para humilhar de pessoas que não correspondiam aos padrões sociais dominantes. As ocorrências, durante muito tempo, eram impunemente vistas e até apoiadas, mesmo por pessoas aparentemente de bem, que acreditavam que o valentão só queria "brincar um pouco".
A coisa mudou quando as humilhações escolares passaram a mostrar, nos EUA, um cenário sombrio de chacinas e suicídios, que renderam até mesmo produções como o documentário Tiros em Columbine (Bowling for Columbine), feito em 2002 pelo cineasta Michael Moore. Foi a partir de tais episódios que surgiu o termo bullying, sem termo equivalente em português do Brasil.
A partir daí, as humilhações infanto-juvenis e similares deixaram de serem vistas como brincadeiras descontraídas, e começaram a mostrar os preconceitos existentes por trás desses ataques. Defesa de valores trazidos por instituições dominantes, seja a Prefeitura do Rio de Janeiro ou a Rede Globo de Televisão, ou considerados "bem sucedidos" pelo mercado e pela indústria do entretenimento, são exemplos típicos.
Dessa forma, os troleiros são os ditadores em potencial. Hoje eles humilham internautas que não se conformam com as arbitrariedades do "estabelecido". Amanhã, os troleiros serão empresários que farão demissão em massa ou governantes que reprimirão passeatas de trabalhadores com bombas de gás lacrimogêneo, para não dizer com tiros de fuzil.
Daí ser importante verificarmos e combatermos as humilhações existentes na Internet, como no caso dos ataques racistas contra Taís Araújo ou a criação de um blogue ofensivo contra Lola Aronovich, como forma de prevenir um futuro pior.
Se deixarmos a parcela dessa juventude desordeira se ascender no poder, acreditando no seu "humor irreverente", teremos nos altos escalões da sociedade e do poder pessoas bem piores do que Eduardo Cunha, a imporem decisões à revelia da lei, da ética e, sobretudo, do respeito ao outro.
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