quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Parque Madureira e as questões acerca de generosidade

DESENHO DA PRAIA DE ROCHA MIRANDA, NO PARQUE MADUREIRA, DIVULGADO PELA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO.

O que é a generosidade humana? Ela vai apenas na aparência? Não se pode atrapalhar por trás de uma aparente ajuda? Não existem vantagens pessoais em jogo? A ostentação da caridade, ou a sua ocultação, também não envolvem jogos de interesses?

Sabemos, no caso de Francisco Cândido Xavier, que boa parte dos brasileiros não sabe o que é realmente caridade e ajuda em favor do próximo. A restrição da caridade a paradigmas religiosos promove mais acomodação e traz poucos benefícios, porque a ajuda ao próximo é sempre feita sem ameaçar todo um sistema de privilégios e desigualdades existentes.

Um caso didático sobre como a generosidade pode ser duvidosa é a construção de uma praia artificial no Parque Madureira. Chamada de Praia de Rocha Miranda, o "piscinão" - que conta com três "chuveirões" denominados "cachoeiras artificiais" - , ela funciona desde o último dia 12 de outubro e, oficialmente, é tida como uma das "maiores conquistas" da população da Zona Norte carioca.

Pois um momento em que o Rio de Janeiro se transforma numa "cidade de brinquedo", em que até emissora FM de rock (a Rádio Cidade) é caricata, comandando uma "cultura de rebeldia" tão inócua quanto falsa, um gigantesco "parque urbano" para turista ver, o Parque Madureira, embora pareça válido como uma opção de lazer para os subúrbios, esconde aspectos bastante sombrios.

Afinal, recentemente houve incidentes que revelam o conflito de interesses das elites cariocas que não querem ver a Zona Sul ocupada não só por banhistas, mas por trabalhadores e estudantes vindos dos subúrbios. A redução de percursos das linhas de ônibus revela esse viés elitista, por mais que o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani (ligado ao deputado federal Eduardo Cunha), insista em desmentir.

Em que pese toda a demagogia de autoridades do PMDB carioca, sempre desmentindo intenções elitistas e práticas ilegais, já a partir do exemplo do prefeito da capital, Eduardo Paes, o que se observa é o contrário, uma realidade que desafia qualquer esforço de desmentimento, mesmo sob pretextos "técnicos" e "democráticos".

E o pano de fundo da Praia de Rocha Miranda não é dos mais generosos. Primeiro, porque a praia artificial é pequena, não tem sequer uma "orla" significativa, mas apenas um "piscinão" rodeado de areia que a Prefeitura do Rio de Janeiro não permitiu que se filmasse ou fotografasse em toda sua extensão.

Daí o aspecto estranho: as fotografias divulgadas pela imprensa são sempre parciais, e destacavam mais os "chuveirões" do que o "mar" produzido artificialmente para a população suburbana. Embora bonito, o Parque Madureira não tem a imponência natural de uma Copacabana, Ipanema ou Leblon, e nem comporta a demanda que antes pegava o 701 e 753 de Madureira para a Barra da Tijuca.

Não há um cenário comparável a Copacabana. Não há um Copacabana Palace, um hotel de nível que possa acomodar turistas que queiram conhecer o Parque Madureira. Não há uma Satisfaction Discos, e não será uma lojinha medíocre de discos de rock com o aparelho de som sintonizado na Rádio Cidade que irá resolver a situação.

Da mesma forma, se alguém quiser ter um Réveillon musical no Parque Madureira, terá que se contentar com a mediocridade musical reinante de funqueiros e "pagodeiros". Se um sambista de verdade como Paulinho da Viola, nascido e criado em Madureira, parecia um estrangeiro se apresentando no local, o que esperar de presenças pouco cogitáveis para o local, como uma apresentação de Bossa Nova ou um nome consagrado do rock?

O terreno, segundo o discurso da Prefeitura do Rio de Janeiro, parecia imponente. Mas o resultado saiu menor que as expectativas. Tudo virou um simulacro de pequena praia, que mal dá para o recreio resignado dos suburbanos. A suposta sofisticação do bairro prometida por Eduardo Paes é apenas conversa para boi dormir, para um político que não consegue urbanizar de verdade substituindo grandes favelas por bairros populares.

Pelo contrário. O que se viu foram apenas projetos elitistas visando atrair turistas espanhóis e estadunidenses. A "generosidade" ao povo dos subúrbios só ocorre quando a intenção é domesticar as classes populares e evitar nelas qualquer foco de indignação e mobilização. Vide o que o mercado, apoiado pelo poder midiático, fez com o "funk carioca".

Só que amansar o povo com paliativos não resolve a situação e a revolta dos subúrbios vem da pior maneira, com o aumento de assaltos e assassinatos à luz do dia, transformando o Rio de Janeiro, seja Zona Sul ou os subúrbios, seja a Zona Oeste urbana e suburbana, em cenários de pesadelo com a insegurança reinante.

Daí que a prainha no Parque Madureira não é a solução. Sobretudo para os pobres que mantém uma mal-disfarçada indignação em não poderem ir mais para Copacabana, Ipanema e Leblon (agora têm que pagar dois ônibus e sacrificar seus orçamentos para isso) e se banham no "pequeno mar" da Praia de Rocha Miranda irritados com a proibição do direito à cidade, do direito de serem cariocas.

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