sexta-feira, 24 de julho de 2015
Chico Xavier, Emmanuel e homossexualismo
Lançado em 1970, o livro Vida e Sexo, da safra Emmanuel / Chico Xavier, se encontra num contexto em que o anti-médium mineiro precisava moderar um pouco no conservadorismo acentuado (mas digerível por meio de suas palavras dóceis) que marcou sua trajetória.
Era a época em que o movimento hippie, mesmo tendo se tornado um modismo desgastado nos EUA (maculado pelos episódios da violência dos Hell's Angels em Altamont e da chacina dos seguidores da seita de Charles Manson), começava a se propagar pelo mundo.
E, como no Brasil as coisas começam a ocorrer muito tarde, foi em 1970 que o movimento hippie começou a pegar de vez e, pasmem, ainda se encontravam hippies pelas ruas brasileiras no começo dos anos 1980.
E aí Chico Xavier tentava pegar carona no psicodelismo. Um exemplo é o tal "sonho" de 1969 que o fez um simulacro de profeta com pretensões de cientista, cientista político e estrategista geográfico dos mais infelizes, com graves erros sociológicos, geográficos e geológicos que anulam qualquer validade de sua "linda profecia".
Entre o "sonho" de 1969 e os ajustes na suposta psicografia de Jair Presente, em que a primeira mensagem saiu "no estilo Chico Xavier" e as demais viraram um caricato amontoado de gírias hippies com narrativa forçadamente alucinógena, houve também um posicionamento um tanto tendencioso quanto ao assunto do momento, o homossexualismo.
Nota-se, na Contracultura dos anos 1960, que diversos movimentos sociais reclamavam liberdade e direitos, como os homossexuais, os negros, os universitários, o operariado e o campesinato, só para dizer os principais. Foi, na época, um fator inédito no mundo e, por incrível que pareça, já dava seus sinais no comecinho da década, quando aparentemente não havia psicodelia nem hippies.
Com isso, o machismo de Emmanuel e o moralismo dele e de Chico Xavier tinham que maneirar. Até pelo fato de Chico ter tido um jeito considerado efeminado de falar e agir, como um caipira tipicamente provinciano e submisso que era.
Tanto no livro Vida e Sexo quanto num momento na entrevista do anti-médium mineiro no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, a postura chiquista-emmanueliana sobre o homossexualismo parece "favorável", mas não menos preconceituosa. Observem as seguintes declarações, primeiro, do livro e, depois, da entrevista no programa da Tupi. Depois, nossas considerações:
A homossexualidade, hoje chamada também transexualidade, definindo-se, no conjunto de suas caraterísticas, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos de base materialista mas é perfeitamente compreensível à luz da reencarnação.
Embora a sociedade terrena seja constituída, em sua maioria, por criaturas heterossexuais, o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiências dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos aos heterossexuais.
A vida espiritual pura e simples rege-se por afinidades eletivas essenciais; contudo, através de milênios e milênios, o Espírito passa por fileira imensa de reencarnações, ora em posição de feminilidade, ora em condições de masculinidade, o que sedimenta o fenômeno da bissexualidade, mais ou menos pronunciado, em quase todas as criaturas.
O homem que abusou das faculdades genésicas, arruinando a existência de outras pessoas com a destruição de uniões construtivas e lares diversos, é em muitos casos induzido a buscar nova posição, no renascimento físico, em corpo morfologicamente feminino, aprendendo, em regime de prisão, a reajustar os próprios sentimentos, ocorrendo o mesmo com a mulher que tenha agido de igual modo.
(FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER / EMMANUEL. VIDA E SEXO. FEB, 1970)
ALMYR GUIMARÃES Chico, tem aqui uma pergunta de dona Maria Lúcia Silva Gomes. Pergunta: "Como se explica o homossexualismo e a perturbação no comportamento sexual à luz da doutrina espírita?"
CHICO XAVIER Temos tido alguns entendimentos com Espíritos amigos e notadamente com Emmanuel a esse respeito.
O homossexualismo, tanto quanto a bissexualidade ou bissexualismo como a assexualidade são condições da alma humana. Não devem ser interpretados como fenômenos espantosos, como fenômenos atacáveis pelo ridículo da humanidade. Tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior respeito. E acreditamos que o comportamento sexual na humanidade sofrerá de futuro revisões muito grandes, porque nós vamos catalogar, do ponto de vista de ciência, todos aqueles que podem cooperar na procriação e todos aqueles que estão numa condição de esterilidade.
A criatura humana não é só chamada à fecundidade física, mas também à fecundidade espiritual. Quando geramos filhos, através da sexualidade dita normal, somos chamados também à fecundidade espiritual, transmitindo aos nossos filhos os valores do espírito de que sejamos portadores.
Não nos referimos aqui aos problemas do desequilíbrio nem aos problemas da chamada viciação nas relações humanas. Estamos nos referindo a condições da personalidade humana reencarnada, muitas vezes portadora de conflitos que dizem respeito seja à sua condição de alma em prova ou à sua condição de criatura em tarefa específica.
De modo que o assunto merecerá muito estudo e poderemos voltar a ele em qualquer tempo que formos convidados Porque nós temos um problema em matéria de sexo na humanidade, que precisaríamos considerar com bastante segurança e respeito recíproco.
Se as potências do homem na visão, na audição, nos recursos imensos do cérebro nos recursos gustativos, nas mãos, na tatilidade com que as mãos executam trabalhos manuais, nos pés; se todas essas potências foram dadas ao homem para a educação, para o rendimento no bem, isto é, potências consagradas ao bem e à luz em nome de Deus, seria o sexo, em suas várias manifestações, sentenciado às trevas?
(ENTREVISTA DO PROGRAMA PINGA-FOGO, APRESENTADO POR ALMYR GUIMARÃES, TV TUPI DE SÃO PAULO, 28 DE JULHO DE 1971)
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Note-se que, apesar da postura "respeitosa", tanto Chico Xavier quanto Emmanuel não deixam de adotar um preconceito moralista, "não condenando" o homossexualismo no enunciado, mas condenando nos pormenores.
Observa-se que Chico Xavier credita a homossexualidade a uma espécie de confusão de identidade, pois essa opção se daria por causa dos "conflitos da alma" e sua avaliação sugere que a opção obedece a uma espécie de castigo reencarnacional por conta de uma sexualidade mal resolvida.
Já Emmanuel descreve que o homem torna-se homossexual como uma punição por ter arruinado relações conjugais construtivas em outra encarnação, como meio de "reajuste emocional", o mesmo ocorrendo com a mulher em semelhante condição de delito.
As duas frases, no entanto, parecem um "assopra-e-morde", porque, embora Emmanuel e Chico Xavier afirmem que os homossexuais "nossa maior atenção e respeito, em pé de igualdade com a atenção e respeito dados aos heterossexuais", nota-se um moralismo punitivo que transforma os homossexuais em condenados.
Isso é um grande absurdo. A questão sexual é apenas uma questão de escolha, e não de punição ou reajuste. É certo que muitas pessoas tornam-se homossexuais porque se desiludem com a vida heterossexual, mas isso não quer dizer que a condição de homossexualidade seja uma punição. Em muitos casos, pode ser apenas uma busca inusitada por prazer ou por uma nova paixão.
Portanto, o que se pode inferir é que Chico e Emmanuel só não puderam expressar homofobia porque, naqueles tempos em que o hoje conhecido movimento LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e trangêneros) estava a todo vapor nos EUA e Europa, os dois não poderiam se manter em valores considerados obsoletos.
Além do mais, esta postura, tendenciosa, "em respeito" aos homossexuais, iria também confrontar com a igualmente tendenciosa postura "fielmente espírita", já que Allan Kardec afirmava que o espírito não tem sexo e as encarnações podem variar quanto ao gênero. O moralismo chiquista apenas mudou os anéis para preservar os dedos sem trazer coisa alguma de moderno ou transformador.
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