HUMBERTO DE CAMPOS, RENATO RUSSO, LEILA LOPES E EÇA DE QUEIROZ - Exemplos de falecidos que foram apropriados por supostos médiuns.
Graças ao exemplo irregular de Francisco Cândido Xavier, o "espiritismo" brasileiro virou uma grande teia de irregularidades e erros, muitos deles gravíssimos, embora desatar o nó desse rol de erros não seja uma tarefa fácil.
Afinal, o "espiritismo" feito no Brasil ainda goza de uma reputação de "crença íntegra", "doutrina superior" ou mesmo do "mais avançado movimento espiritualista" que muitos veem como a "vanguarda" da religiosidade humana mundial.
Mesmo seus piores dirigentes são vistos por seus seguidores como "pessoas puras" e mesmo as mais ridículas fraudes mediúnicas são aceitas como se fossem "mediunidade autêntica", dependendo do status que o dito médium goza na sociedade.
Tantas e tantas famílias são enganadas sem saber, quando desperdiçam lágrimas de comoção ao lerem mensagens pseudo-espirituais atribuídas a seus entes queridos, que não passam de religiosismo barato e panfletário, propaganda religiosa exagerada, em mensagens parecidas independente da pessoa.
Quantas mães foram enganadas quando, tomadas pela saudade extrema, recebem de farsantes mensagens atribuídas aos espíritos de seus entes queridos que dizem praticamente a mesma coisa: "sofri, fui socorrido e reencontrei a luz, por isso, vamos nos unir na fraternidade em Cristo", podendo o falecido ter sido um junkie, um beato, um ateu, um guerrilheio comunista ou um arruaceiro.
As "mensagens fraternais" viraram um recurso, até mesmo um padrão, para que supostos médiuns que tenham dificuldade de concentração criem mensagens com a própria imaginação, camuflando a fraude com o suposto atenuante das "palavras de amor" e dos "recados de positividade".
CLIMA DE EMOTIVIDADE
Alguns desses supostos médiuns chegam mesmo a usar da criatividade, "temperando" as mensagens com aspectos aparentemente "obscuros" ou "sutis" das personalidades falecidas evocadas, criando assim "caraterísticas pessoais" que se aproximem, em tese, do que os falecidos haviam sido em vida.
Mas isso não garante veracidade, pois não são as semelhanças que garantem autenticidade, se uma única contradição pode derrubá-la, ao ir contra a natureza pessoal de cada falecido. E é aí que as "mensagens fraternais" e as "palavras de amor" entram em ação.
Esse recurso discursivo é sempre utilizado em mensagens supostamente mediúnicas para seduzir os parentes de cada falecido, que, tomados de um clima de intensa emotividade, aceitam até mesmo quando as mensagens começam com um dócil mas banal "querida mamãezinha".
A emotividade, muitas vezes, não questiona, e a saudade é tanta que a primeira mensagem que leva o nome do falecido, por mais falsa que seja, comove as famílias, principalmente se elas capricharem no apelo afetivo e por algumas semelhanças superficiais com o que cada falecido foi em vida.
Recentemente, casos como os das vítimas do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em janeiro de 2013, e o do jovem engenheiro Jair Presente (1949-1974), supunham apresentar informações "desconhecidas" dos médiuns e dados "impossíveis" de serem transmitidos por meras consultas espirituais de seus familiares.
EXEMPLO DE FRAUDE MEDIÚNICA - Inexplicável garrancho na assinatura atribuída ao espírito de Stéfani Posser Simeoni, uma das vítimas da tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), e a reconstituição de como foi feito e "corrigido" tal erro.
No entanto, as mensagens acabam apresentando sempre alguma irregularidade, sem falar de que há dúvidas se as informações "sutis" podem ou não ter sido transmitidas de uma forma ou de outra, seja por espíritos farsantes ou por conversas informais que os supostos médiuns ou membros de "centros espíritas" se "esquecem" de terem sido feitas com algum familiar ou amigo do falecido.
Um exemplo disso é a irregularidade entre um Jair Presente "religioso demais" da primeira mensagem "mediúnica" divulgada por Chico Xavier, em março de 1974 (um mês após o falecimento do jovem) e outra mensagem,"perturbada" e com uma linguagem forçadamente coloquial (lembrando a de um caricato hippie drogado), em agosto do mesmo ano, conforme citamos aqui.
Outro exemplo é o injustificável garrancho na assinatura atribuída ao espírito da jovem Stéfani Posser Simeoni, uma das vítimas do incêndio da Boate Kiss. Um "Sp" inicialmente escrito em vez do "St" do prenome da jovem indica fraude cometida pelo suposto médium de Uberaba, talvez um colaborador de Carlos A. Bacceli (ou Baccelli), antigo figurão da FEB e amigo de Chico Xavier.
Imaginamos alegações de nervosismo ou ansiedade do espírito da jovem morta, para tamanho deslize na assinatura, e reconstituímos os passos da assinatura de cada nome e verificamos que essas alegações não condizem, porque Stéfani nunca iria assinar "Sp" no lugar de "St", por mais "nervosa" que estivesse para divulgar a mensagem na condição de espírito desencarnado.
Por outro lado, também não faz sentido que Stéfani, cuja mensagem foi atribuída por seus familiares como "tranquila" e "confortadora", estivesse nervosa para transmiti-la, da mesma forma que o suposto médium também não poderia estar nervoso num momento em que se atribuem, em tese, as mais elevadas vibrações. Daí a constatação de fraude, decepcionante para muitos, porém realista.
CHICO XAVIER FOI O PRIMEIRO "DONO DOS MORTOS"
A onda dos "donos dos mortos", supostos médiuns que acabam se apropriando de figuras falecidas - atualmente temos o caso de Renato Russo, apropriado por Wilton Oliver, da atriz Leila Lopes, pelo "independente" (não declaradamente "espírita") Jardel Gonçalves, de Cazuza, pelo outro "independente", Robson Pinheiro.
Mas houve também o caso de Eça de Queiroz, autor português apropriado pela já falecida "médium" Wanda Canutti, que havia sido usado, em narrativa que claramente contraria a movimentação de enredo e a linguagem requintada do autor de O Primo Basílio, tentava descrever a suposta vida espiritual do ex-presidente brasileiro Getúlio Vargas.
O maior caso de apropriação de espíritos falecidos foi, sem dúvida alguma, o de Chico Xavier. Ele tinha um certo fetiche por mortos falecidos. Ele foi o primeiro "dono dos mortos" que se tem conhecimento, e ele criou uma "galeria" de vários deles, na bibliografia que levou o seu nome.
Com certeza, a primeira dessas obsessões foi o escritor Humberto de Campos, que tornou-se a maior vítima das apropriações de Xavier, que não largou o "pé-rispírito" do poeta maranhense mesmo quando, depois de complicado processo judicial, teve que mudar o nome para "Irmão X" para "evitar maiores dissabores", numa suposta mensagem espiritual escrita a quatro mãos por Chico e Wantuil.
A complicada batalha judicial só beneficiou Xavier depois que os juízes, apoiados nas leis e crenças da época (1944), não entenderam a necessidade de se verificar a veracidade de autorias supostamente espirituais, pois as regras de direitos autorais só correspondiam ao que era produzido em vida, e não no além-túmulo.
Mas o litígio movido pelos herdeiros de Humberto de Campos causou tanta dor-de-cabeça nos dirigentes da FEB e no próprio Chico Xavier que, quando o sobrinho Amauri Xavier Pena foi denunciar as irregularidades, o que recolocaria o tio nos tribunais, a FEB resolveu "sumir" com o rapaz, depois de uma campanha claramente difamatória contra o jovem denunciante.
Depois do caso Humberto e também da apropriação de outros poetas devido ao livro Parnaso de Além-Túmulo, dos quais se destacam os nomes de Augusto dos Anjos e Auta de Souza e um irreconhecível e ufanista ao extremo Olavo Bilac, Chico foi bem-sucedido quando se apropriou do carisma da jovem mineira Irma de Castro, a Meimei (1922-1946).
Doente dos rins, através de um mal conhecido como nefrite, Irma de Castro havia casado pouco tempo antes com o esportista Arnaldo Rocha e ganhou o apelido Meimei - "amor puro", em chinês - por conta do livro Momento em Pequim, do pensador chinês Lyn Yutang. Pouco depois, ela faleceu, deixando Arnaldo viúvo e triste.
Aconselhado pelo irmão Orlando, Arnaldo, fiel e apaixonado pela falecida esposa, foi procurar Chico Xavier, que já havia sido consultado por Orlando, e que estava num "centro espírita" de Belo Horizonte. Chico viu uma boa oportunidade de aliviar os escândalos causados pelo caso Humberto de Campos.
Por sorte, Arnaldo teve boa-fé em aceitar a apropriação de Chico sobre a jovem. O marido de Meimei era um marido dedicado, saudoso, e sua emotividade de homem sensível fez com que ele acreditasse até mesmo quando Chico e Wantuil, criadores da fictícia cidade de Nosso Lar, inventaram que Meimei teria sido Blandina, moradora desse lugar.
Com Meimei, Chico Xavier se aproveitou da boa-fé de Arnaldo e passou a escrever livros atribuídos à jovem, levando ao exagero a religiosidade da moça em obras que evocam o catolicismo redivivo mas enrustido da FEB. Arnaldo passou a crer tanto em Chico, sem saber das armadilhas feitas, que acreditou até mesmo na suposta materialização de Emmanuel, em 1954.
Chico transformou Humberto de Campos e Meimei em meros propagandistas religiosos, sendo, no caso de Humberto, uma aberrante contradição entre os livros atribuídos ao suposto espírito, dotados de um religiosismo melancólico e firme, e o que o escritor maranhense escreveu em vida, dotado de uma erudição levemente coloquial e um humor brincalhão e às vezes ferino.
Só Emmanuel, ou seja, o padre Manuel da Nóbrega, não se enquadrou nessa apropriação porque, com base nas pesquisas de conteúdo e outras informações, era o jesuíta que se apossou de Chico Xavier para conduzi-lo a uma "catolicização" mais eficaz do "espiritismo" febiano, produzindo "exemplos" a serem seguidos por movimentos "espiritualistas" tidos ou não como "espíritas".
Daí a suposta mediunidade de mensagens criadas pelos ditos médiuns que são atribuídas falsamente aos espíritos dos mortos e que apresentam apenas um mero propagandismo religioso de caráter panfletário. Com todas as irregularidades observadas em supostas psicografias, psicopictografias, psicofonias e materializações.
Com o carisma de Chico Xavier e posteriormente de Divaldo Franco e outros, a mediunidade feita no Brasil sucumbiu a um processo irregular e pouco confiável, do qual os supostos médiuns, recusando-se a se limitar à função intermediária que o termo "médium" indica, tornaram-se os "donos dos mortos".
Assim, enquanto os supostos "médiuns" viram astros e, em vários casos, dublês de "pensadores", eles, que deveriam ser apenas os canais de divulgação de mensagens do além, deixam de ser os fornecedores de recados dos mortos para eles mesmos produzirem esses recados e apenas usarem os nomes dos mortos para iludirem os familiares.
Sob o ponto de vista da vida terrena, as atitudes dos supostos médiuns são apenas "controversas", não cabendo questionar com firmeza sua veracidade. Tomados de paixões materiais, muitos atribuem total confiabilidade aos "médiuns", seduzidos por suas "palavras de amor e de sabedoria", e contestá-los ainda é visto como "perseguição moral aos homens de bem" ou "pretensão de julgar a natureza espiritual pelos olhos da Terra".
Mas, sob o ponto de vista do mundo espiritual, os espíritos do além são lesados, porque não são eles que realmente se comunicam para nós, mas pessoas na Terra que usam seus nomes para fazerem propaganda religiosa. Proibidos de se manifestarem, eles se afastam e são eles mesmos que não veem a confiabilidade dos "médiuns da Terra".
Portanto, a "pretensão de julgar pelos olhos da Terra" não está por aqueles que, pelo argumento lógico, questionam as irregularidades das práticas "mediúnicas", mas sim por parte daqueles que tentam, através da mistificação, legitimar as coisas pelo pretexto da "fé" e dos "olhos do coração" que escondem contradições e erros gravíssimos nas mensagens ditas espirituais.
Dessa maneira, são os "donos dos mortos" que tentam enganar os vivos com suas atividades irregulares e se aproveitarem da emotividade alheia para exercerem o poder e o status que, embora pretensamente espiritualista, não deixa de ser um privilégio puramente material
O prestígio dos supostos médiuns é tido como eternamente imune, como se fosse, mesmo sujeito à contestação severa na Terra, se julga inabalável no além-túmulo. No entanto, esse pestígio "espiritualista" se desfaz com a morte, feito um castelo de areia sob o menor toque da água.
E aí vem a pior das desilusões, quando os "médiuns da Terra", confiantes de que serão, no além-túmulo, "espíritos puros" a manter o prestígio terreno, se tornam míseras almas decepcionadas com o baixo cartaz na vida espiritual.
É possível imaginar o violento choque que Chico Xavier teve depois de 2002, quando o adorado "semi-deus" da Terra reduziu-se, no além, a um mísero usurpador da memória dos mortos.
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