terça-feira, 21 de novembro de 2017

Charles Manson e o moralismo dos assassinos ilustres


Tirar a vida dos outros levantando bandeiras moralistas, como um certo ódio a movimentos de vanguarda e de esquerda ou a defesa do machismo dá a certos assassinos de classes abastadas uma postura glamourizada, da qual passam a formar até estranhos fãs-clubes.

O falecimento do fracassado músico e ator Charles Manson - que havia feito testes para entrar na banda de rock Monkees e tentou se entrosar com músicos e produtores ligados aos Beach Boys e Byrds - , aos 83 anos, num hospital de Bakersfield, na Califórnia, aos 83 anos.

Ele era líder de uma seita macabra chamada Família Manson, que pretendia liquidar várias celebridades associadas à "decadência da sociedade". O projeto sanguinário começou quando Manson não era valorizado como músico aspirante pelo produtro Terry Melcher, conhecido por trabalhar com os Byrds. Melcher era filho da atriz Doris Day.

Manson então se declarou machista, racista e manifestava seu profundo ódio sobretudo ao movimento hippie e aos famosos que estiveram em evidência nos anos 1960. Ele planejava matar Melcher e Day, mas não conseguiu. E Manson usava canções dos Beatles, como "Helker Skelter", para justificar seus crimes. Por ironia, o perturbado Mark Chapman matou o ex-beatle John Lennon por motivos similares aos que inspiraram a atuação da Família Manson.

A chacina se deu em 09 de agosto de 1969. Membros da Família Manson saíam armados para disparar fogo contra vários alvos, entre eles a atriz Sharon Tate, então conhecida pelo filme O Vale das Bonecas, de 1967, e esposa do cineasta Roman Polanski. Em outra ironia, Charles Manson nasceu em 12 de novembro de 1934, exatos 35 anos antes de Guilherme de Pádua, ex-ator que havia assassinado a atriz Daniella Perez, em 28 de dezembro de 1992.

Vários membros foram presos e receberam prisão perpétua. Charles Manson, digamos, se livrou de três mortes. Uma, porque a pena de morte foi trocada pela prisão perpétua, por causa da revogação de uma lei local. Outra, é que a prisão perpétua o fez viver até 83 anos completos. A terceira, foi a sobrevivência de uma doença grave em janeiro, a mesma que, no entanto, o matou ontem.

Manson, se estivesse fora das grades há um tempo, digamos, em 1976, se valessem as normas brasileiras - que não preveem prisão perpétua, mas 30 anos de prisão, com liberdade condicional por bom comportamento depois de cumprido um sexto da pena - , teria morrido há tempos, pelo seu estilo de vida desregrado (consumia cocaína e era metido em confusões), e estima-se que, se Manson vivesse fora das grades desde então, teria morrido provavelmente entre 1994 e 2002, talvez antes.

Manson é o segundo dos principais membros da Família Manson a morrer. Em 24 de setembro de 2009, Susan Atkins, também envolvida no assassinato de Sharon Tate, faleceu aos 61 anos de câncer. A maioria dos membros da Família Manson está viva, mas alguns poucos também morreram e outros viveram no ostracismo, sem informações conhecidas de paradeiro.

A morte de Manson é a primeira grande morte, sem ocorrência de assassinato ou suicídio, amplamente divulgada de alguém que cometeu um crime. O psicopata também foi beneficiado, num contexto surreal dos EUA, por ter sido um "anti-herói", apoiado pela sociedade ultraconservadora (capaz de apoiar grupos como Klu Klux Klan), contra o movimento hippie e o psicodelismo.

Além disso, Manson chegou a ser considerado "cult" numa fase de "diarreia cultural" do grunge, quando nomes como G. G. Allin e Genitortures puxavam uma estranha onda de escatologia e morbidez comportamentais. Um evento de rock chegou a ser feito para comemorar os 60 anos de Manson, idolatrado como se fosse um psicopata fictício de filmes-B. O Guns N'Roses chegou a gravar uma música do psicopata, "Look at Your Game, Girl".

E NO BRASIL?

Há três assassinos de grande repercussão, famosos e idosos, com históricos de graves doenças. Dois feminicidas e um fazendeiro, associados a bandeiras moralistas que variam da "defesa da honra machista", da "defesa da família conjugal" e do "direito à propriedade de terra", esta uma desculpa para fazendeiros fuzilarem até missionárias que lutem contra o abuso de posses de terra de ricos latifundiários, um problema "clássico" do nosso coronelismo.

O feminicida Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, de importante família aristocrática, a Street, tem um histórico de intenso tabagismo com uso de cocaína no passado. Matou a esposa, a socialite e ex-modelo Ângela Diniz por ciúme doentio, em Búzios, no dia 30 de dezembro de 1976. Nascido no mesmo ano de Manson, Street apareceu pela última vez, aparentemente saudável, em agosto de 2006, divulgando seu livro Mea Culpa, no qual tentava explicar seu crime pelo ponto de vista pessoal.

Mas há rumores, nunca oficialmente divulgados, de que Doca Street estaria sofrendo um câncer há 30 anos. Geralmente machistas não assumem adoecer de câncer e, com um intenso histórico tabagista que preocupava amigos, conforme reportagem de Manchete em janeiro de 1977, é possível que, hoje, o câncer esteja em estágio bastante avançado, para não dizer terminal.

O assassinato de Ângela e a soltura de Doca da prisão, por conta de seu advogado Evandro Lins e Silva (que, numa exceção à sua trajetória progressista, foi defender um machista rico) em 1981, inspirou uma grande série de atos semelhantes, criando uma onda de feminicídios conjugais que até hoje acontecem com surpreendente frequência.

Ironicamente, Doca matou Ângela em Búzios, distrito de Cabo Frio e vizinha de Casimiro de Abreu, terra natal do homônimo poeta ultrarromântico, movimento associado a homens solitários com o perfil oposto ao do empresário paulista que assassinou a mulher. Quando a imprensa noticiou os 40 anos do assassinato, no final de 2016, aparentemente não foi noticiado o atual paradeiro de Doca, depois das entrevistas que ele deu em 2006.

Outro feminicida, Antônio Marcos de Pimenta Neves, hoje com 80 anos, era chefe de redação de O Estado de São Paulo quando assassinou, por ciúme doentio, a colega Sandra Gomide, então com 33 anos em 20 de agosto de 2000. Pimenta Neves tentou suicídio ingerindo uma overdose acidental de remédios.

Segundo o portal IG, Pimenta Neves, nos últimos anos, ficou parcialmente cego por sintomas de diabetes e sofre de câncer na próstata. Há rumores de que ele também estaria sofrendo um processo de falência múltipla dos órgãos por efeito da overdose que havia cometido em 2000.

O fazendeiro Darly Alves é conhecido por ter sido o mandante do assassinato do líder ambientalista Chico Mendes, em 15 de dezembro de 1988, executado por seu filho Darcy Alves. Ambos estão entregues à impunidade. Darly é conhecido pelas constantes internações por causa de problemas sérios de úlcera.

As mortes de homicidas dessa espécie assustam a sociedade conservadora, por certas razões. Uma, pelo fato deles serem vistos como "justiceiros" moralistas diante de certas transformações sociais que as elites consideram incômodas, como a emancipação da mulher, a causa LGBT e a ascensão dos movimentos de trabalhadores rurais. Outro, é pelo medo de que, mortos, eles fossem assombrar a sociedade em virtude da interrupção da vida carnal.

Há até mesmo lendas de feminicidas que, ao morrerem, ficam "presos" às casas onde cometeram crimes. São apenas lendas. Na verdade, segundo a natureza do espírito desencarnado, assassinos, quando morrem, tendem a reencarnar o mais rápido possível, na ânsia de afastar a marca sombria de suas encarnações anteriores.

Diante das pressões sociais em que passam a viver, homicidas em geral tendem a viver de 60% a 80% a expectativa de vida de pessoas comuns. Sendo o homicídio o egoísmo humano levado às últimas consequências, o próprio executor sofre as pressões emocionais e sociais que acabam contribuindo, direta ou indiretamente, para o agravamento de doenças e ocorrência de acidentes trágicos.

Como diz a música "Hey Joe" (cuja original, interpretada por Jimi Hendrix Experience, remete a um recado a um feminicida), na versão do grupo brasileiro O Rappa: "também morre quem atira".

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