quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Distanciado de Allan Kardec, "espiritismo" brasileiro prova ser religião conservadora

O ATOR CARLOS VEREZA - "ESPÍRITA" E ABERTAMENTE CONSERVADOR.

O "espiritismo" brasileiro prova, cada vez mais, ser uma religião conservadora. Antes que os internautas médios tentem fazer uma "ginástica mental" e, com sua mania de argumentar com papo "cabeça" suas convicções pessoais, dizer que "isso não tem a ver", é bom prestar atenção aos fatos.

O "espiritismo" brasileiro sempre foi conservador, desde que preferiu, de forma mais aberta, o igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing ao cientificismo de Allan Kardec. Depois, porém, os "espíritas" passaram a desenvolver uma série de dissimulações, no sentido de que, mesmo praticando seu roustanguismo, deem a falsa impressão de que "aprenderam e passaram a respeitar Kardec".

Esse conservadorismo, no entanto, tornou-se mais explícito a partir de 1964, quando os "espíritas" participaram da Marcha da Família, em São Paulo, que pediu o golpe militar. Mesmo assim, prestando atenção nos maiores astros do "movimento espírita", os "médiuns" Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, nota-se que ambos sempre foram pessoas extremamente conservadoras.

Chico Xavier era um caipira que, influenciado pelo ambiente social de Pedro Leopoldo, uma cidade que havia sido localidade rural na primeira metade do século XX, então um modesto distrito de Santa Luzia. Num contexto da República Velha, Xavier era um saudoso do Segundo Império. Sua educação era ultraconservadora e ele assimilou com prazer esses valores.

Xavier sempre foi conservador. Era até de direita, para infelicidade dos esquerdistas que, levados pela aparente humildade do "médium", foram apoiá-lo sem qualquer estranheza. Xavier era anti-kardeciano convicto, porque Kardec sempre defendeu o debate e o questionamento, e o "médium" (que alguns idiotas se atreveram a crer que foi "reencarnação do pedagogo francês") sempre recomendava o contrário, dizendo que o silêncio era "a voz que melhor soava aos ouvidos de Deus".

Daí não ser incoerência nem absurdo que Chico Xavier tenha defendido a ditadura militar, e logo em sua fase mais repressiva. E isso abertamente, num programa de TV de grande audiência, o Pinga Fogo, em 1971, com gravação reproduzida no YouTube, visto por milhões e milhões de pessoas.

Em 1971, parte da direita que apoiou o golpe militar estava na oposição. O maior entusiasta do golpe, o jornalista e ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, havia passado para a oposição, a ponto de fazer as pazes com seu desafeto Juscelino Kubitschek - numa lição de perdão de fazer os "espíritas" ficarem de queixo caído - e, juntos, tentar um movimento de redemocratização que só foi extinto por imposição dos generais.

Isso mostra o quanto Chico Xavier sempre foi uma figura abertamente conservadora, esculhambando, no Pinga Fogo, os movimentos operário e camponês, que são comandados por pessoas humildes. Isso tudo choca as pessoas que, movidos pelas paixões religiosas e pela fascinação obsessiva, construíram uma imagem idealizada dos "médiuns" como se fossem fadas-madrinhas de contos infantis.

Divaldo Franco também não difere muito. Mais verborrágico e dissimulado que Xavier, Franco também sempre foi conservador. Vestido à maneira dos velhos professores dos anos 1930-1940, Divaldo adota uma oratória rebuscada como se fosse um tribuno da República Velha, com ares professorais que remetem aos tempos de saber hierarquizado no qual professor e aluno eram separados pelo status quo que atribuía certo ar de superioridade ao docente.

Evidentemente, mesmo os aparentemente progressistas estranham isso. "Ué, mas o professor não é superior ao aluno, por ter mais experiência de vida e saber do que este?", pergunta um desavisado. É, mas desde as experiências trazidas por Paulo Freire, essa hierarquização havia sido quebrada, desde os anos 1960, quando o saber passou a ser democratizado e socialmente compartilhado, trazendo a realidade social para as salas de aula.

É essa quebra de hierarquia do saber que a Escola Sem Partido quer combater. Embora seja um projeto de evangélicos, identificamos na pedagogia do "espiritismo" brasileiro, em instituições como a Mansão do Caminho e a Cidade da Luz, elementos da Escola Sem Partido. Há até uma piada de que a sigla desse projeto remete às três primeiras letras de "espiritismo", o que parece, no contexto brasileiro, ter tudo a ver.

Nos últimos tempos, os "espíritas" passaram a se identificar, pasmem, com figuras decadentes e impopulares da vida política nacional, mas alinhadas com um projeto ideológico conservador. A adesão de Divaldo Franco a João Dória Jr., a ponto de oferecer o Você e a Paz para o lançamento de um estranho complexo alimentar, e a de João Teixeira de Faria, o João de Deus, a Michel Temer (político com aprovação de apenas 3% dos brasileiros), é ilustrativa.


Agora é a vez do ator Carlos Vereza, "espírita" convicto, intérprete do dr. Adolfo Bezerra de Menezes no cinema, mas também feroz crítico das esquerdas, membro do Instituto Millenium e apoiador da Operação Lava Jato. Provável suspeito de levar Camila Pitanga para o "bom caminho do Espiritismo", junto ao "coronel" João de Deus, Vereza recentemente visitou o presidente Temer para lhe prestar apoio, num encontro realizado anteontem, em Brasília.

Nesse encontro, Vereza pedia a Temer políticas de combate à "ideologia de gênero", ou seja, as mudanças sociais que estimulam as relações homoafetivas (casais do mesmo sexo). "Estão mudando toda a biologia", "estão erotizando e traumatizando nossas crianças", disse Vereza, afirmando sua postura homofóbica, por ironia, poucos dias após outro ator da Rede Globo, Luiz Fernando Guimarães (do seriado Os Normais) revelar que está casado com outro homem.

O "espiritismo" tem uma postura dúbia em relação ao homossexualismo, sem definir claramente contra ou a favor, hesitando entre conceitos de "livre-arbítrio" e o moralismo social conservador. Mas Chico Xavier deixou vazar sua homofobia, no final dos anos 1960, quando atribuiu o homossexualismo à "confusão mental de pessoas encarnadas".

Outra bandeira dos "espíritas" associada a pautas conservadoras é a reprovação radical do aborto, do qual não admitem sequer a hipótese de estupro, já que, defensores da Teologia do Sofrimento, preferem que a vítima e o estuprador se "entendam" num "acordo fraterno".

Em compensação, os "espíritas" defendem também a criminalização da vítima (a tese dos "reajustes morais") e consideram o homicídio "menos grave" que o suicídio, pois, enquanto consideram o suicídio um "crime hediondo", o homicídio é quase sempre "culposo", supostamente movido por "antigas dívidas" entre executor e vítima. Essa pauta revela o quanto o "espiritismo" também tem seu lado punitivista.

Muitos irão argumentar que os "espíritas" dariam a mesma consideração até a João Pedro Stédile, líder do MST, se uma vez o encontrassem. Engano. Seria o mesmo que dizer que o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, ou as páginas amarelas da revista Veja, do Grupo Abril, estivessem solidárias a esquerdistas só porque abriram espaço para entrevistá-los.

Uma coisa é a consideração diplomática, uma espécie de cordialidade formal. Outra coisa é a cumplicidade, a afeição, a preferência afetiva, e nisso os "espíritas" revelam predileção explícita aos conservadores, e, como se não bastasse, a políticos decadentes, em crise de reputação, algo tão explícito que não se pode comparar a baixa reputação de Temer e Dória a Jesus de Nazaré condenado na cruz, porque Jesus era uma figura progressista.

Pior é que os "espíritas" aderem ao governo Michel Temer - que apoiavam desde sua ascensão - de forma ainda mais escancarada justamente quando ele lança as medidas retrógradas, como as "reformas" que causam a degradação do mercado de trabalho.

Isso lembra o caso de Chico Xavier apoiando a ditadura militar na sua fase mais repressiva, cometendo o descaramento de pedir para "orarmos pelos generais" (e, por conseguinte, para os coronéis, como Brilhante Ustra e Sérgio Fleury, e para instituições "de muita luz" como o DOI-CODI), que estariam criando um "reino de amor" do Brasil futuro.

Que "reino de amor" é esse que se desenvolve sob o banho do sangue de inocentes é algo que não dá para explicar. Também não dá para apelar para a "ginástica mental" dos "filósofos de Facebook" a fazer teorias persistentes para suas convicções. O "espiritismo" brasileiro mostra seu caráter conservador, uma realidade que as paixões religiosas e a fascinação obsessiva tentam a todo custo esconderem das pessoas.

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