quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Rio de Janeiro e a tentativa de isolar os subúrbios e "limpar" a Zona Sul

AS ELITES DA ZONA SUL PARECEM QUERER RETROCEDER AO TEMPO.

A "novidade" da extinção dos trajetos diretos da Zona Norte para a Zona Sul, o pior do já nocivo pacote de esquartejamento de percursos de linhas de ônibus no Rio de Janeiro, pode representar um desestímulo para as populações dos subúrbios irem a esses bairros, simbolizando um gradual processo de "limpeza social" nessas áreas.

Embora tente se desmentir esse processo de apartheid social, já que a desculpa é eliminar a "sobreposição de itinerários" (?!), evitar os ônibus rodarem vazios (?!?!) e aumentar a velocidade do trânsito nas ruas (?!?!?!), a intenção é dificultar o acesso do povo pobre por ônibus, diminuindo os carros em circulação e forçando a superlotação de BRTs.

Como dizer que é "sobreposição de itinerários" linhas com percurso exclusivo como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira e 952 Penha / Praça Seca, como foi feito no caso do terminal de Madureira? Os ônibus rodam sempre vazios quando chegam ao ponto final? E que aumento de velocidade se espera em ruas congestionadas de carros?

Essas desculpas, que o autoritário subsecretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, o "Eduardo Cunha da mobilidade urbana" (não, não estamos aqui citando o admirável busólogo com esse nome, profundo conhecedor do ramo, mas o prepotente presidente da Câmara dos Deputados), insiste em afirmar, esconde o lado cruel da coisa.

É só observar quem é que realmente aplaude essa ideia. Representantes de moradores ricos, de patrões, de empresários de ônibus, de tecnocratas isolados em seus gabinetes diante de seus computadores que produzem a "cidadania de computação digital".

POLICIAIS REPRIMEM MORADORES POBRES E NEGROS, DETIDOS EM VIATURA DA PM. OS JOVENS VINHAM DA ZONA NORTE PARA CURTIREM AS PRAIAS DA ZONA SUL. FOTO DE THIAGO FREITAS, DO JORNAL EXTRA.

As populações da Zona Sul estão saudosas dos tempos dos antigos balneários de Copacabana de cem anos atrás, em que o acesso era exclusivo apenas de gente abastada. Querem forçar esse saudosismo quando os tempos são outros e as elites não conseguem esconder seus preconceitos cruéis.

No último dia 24, de manhã, policiais detiveram um grupo de adolescentes vindos da Zona Norte - um deles afirmou que vinha do Jacaré, atendido pela linha 474 - , só porque estavam indo a caminho das praias da Zona Sul carioca. O assunto é verídico, reportado pela imprensa, e revela o que está por trás dos planos "racionais" e "positivos" do subsecretário Sansão e do prefeito Eduardo Paes.

Os adolescentes detidos não eram ladrões. Só um deles não era negro. Aliás, a maioria dos pobres que vai para as praias da Zona Sul é de bem, gente trabalhadora que valoriza as praias cariocas, está lá para se divertirem. O problema é que isso perturba o sossego das elites, que querem um reduto só para elas.

Ver que o plano de linhas de ônibus a ser imposto em outubro seja uma esperança gradual para "limpar" a Zona Sul anima as elites. Embora o subsecretário Sansão, só para "não assustar", destinar algumas linhas para a estação de Siqueira Campos, ainda em Copacabana, a finalidade elitista se expressa pela redução dos percursos de linhas para a Candelária.

Nada impede, no entanto, que a médio prazo mesmo as linhas para Siqueira Campos sejam reduzidas numa outra etapa do plano, num processo ainda mais progressivo de "limpeza" para dificultar o acesso do povo pobre à Zona Sul. Só o fato da maioria das linhas reduzir seu percurso para a Candelária afetará negativamente para a população.

Da mesma forma, a redução de alguns trajetos para Mourisco e Largo do Machado representará um caminho muito longo para as populações das periferias irem até as praias da Zona Sul, se contentando em ir para as praias de Botafogo e Flamengo, consideradas poluídas e impróprias para banho.

Por outro lado, mesmo essas praias, "livres" da "ralé" que ficará no fim de linha da Candelária ou da Central, Em dezembro, mais linhas serão encurtadas e a ideia é dificultar o acesso das periferias à Zona Sul, e até lá mesmo as praias de Botafogo e Flamengo serão transformadas gradualmente em redutos de classe média, deixando o corredor Leme-Leblon para os ricos.

A realidade é muito diferente dos discursos "simpáticos" de Sansão. Os terminais de ônibus do Centro já são superlotados mesmo com as linhas que serão extintas ou esquartejadas. Ficarão mais lotados com as mudanças de outubro e dezembro.

Com as Olimpíadas, a coisa será pior até para turistas, por mais ricos que sejam, e isso mesmo quando o projeto de Alexandre Sansão "limpar" as praias da Zona Sul tirando a dita "ralé" de suas areias. Isso porque a minoria de bandidos que vive nos subúrbios não temerá baldeações nem percursos reduzidos. Eles roubam e acham que têm recursos para enfrentar tudo.

Quem se dará mal são os trabalhadores, as pessoas de bem, que terão que reembolsar mais dinheiro, porque, com percursos longos e trânsito congestionado, o Bilhete Único perderá a validade já no fim do percurso do primeiro ônibus. Eles é que se virem acordando cedo para não sofrerem atrasos no emprego e nas instituições de ensino.

Alexandre Sansão bolou as mudanças nos ônibus às vésperas das Olimpíadas, para apresentar as praias da Zona Sul "limpinhas" para os turistas. Claro que quem quer prejudicar não vai abrir o jogo, vai usar as melhores desculpas para os piores atos. É como diz o ditado popular, "de boas intenções, o inferno (ou o umbral, para os "espíritas") está cheio".

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