quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O reacionarismo digital e a ameaça à sociedade


Desde os tempos do Orkut, o reacionarismo social se tornou um problema. Desde quando fascistas digitais se escondiam em comunidades mais populares como "Eu Odeio Acordar Cedo", a mania de humilhar os outros ultrapassou os limites.

Se há dez anos os ataques digitais, combinados por um grupo de pessoas que, num horário acertado, decidem humilhar e fazer ameaças a alguém, se limitavam a internautas anônimos ou semi-anônimos. Depois, eles passaram a ameaçar pessoas famosas e agora partem para ameaças institucionais, principalmente as entidades de ensino.

O perfil da maioria desses reacionários surpreende. Por um lado, jovens de aparência moderna, garotões com pinta de surfista, universitário ou skatista, moças com jeitão de descoladas, pessoas que gostam de noitadas, falam palavrão e que, na vida real, se reúnem em bares para beber muito e conversar e cantar alto. São pessoas "comuns", que aparecem nos eventos festivos (até no Rock In Rio, por exemplo), vestem roupas da moda e se acham "as mais modernas do mundo".

Por outro, pessoas que dizem acreditar em valores cristãos. Pessoas que falam em liberdade de fé, em caridade em Cristo, em amor ao próximo, quando tudo se encontra nos limites ideológicos promovidos pela sua religião. Eles também se misturam aos citados no parágrafo anterior para promover ataques digitais contra quem não corresponde aos pontos de vista de uns e outros.

E por que essas duas camadas opostas se juntam em ataques digitais? Pessoas que se dizem "tudo de bom", que "são da paz" e se acham "show de bola" envolvidos em campanhas de humilhação e até de ameaça de agressão física. Houve caso até de busólogo (pessoa que admira ônibus) envolvido em ataques digitais e até em visitas em cidades de suas vítimas a título de intimidação, o que indica que o ódio que ele expressava no Orkut e Facebook estava caminhando para a violência física.

Nos últimos meses, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, uma professora e um estudante receberam ameaças de morte pelas redes sociais por causa de pesquisas de gênero que estavam em andamento na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, localizada no bairro de São Lázaro, na capital baiana.

Uma professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim) e um aluno que produzia dissertação para o Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), envolvidos em trabalhos sobre estudo de gênero e negritude, o que envolve, além de negros, questões ligadas à mulher e à causa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), foram as vítimas dessas ameaças, que teriam sido enviadas por considerável envolvimento de internautas.

INTOLERÂNCIA

Esses ataques se seguem depois de, meses atrás, à filósofa estadunidense LGBT Judith Butler (casada com uma mulher) durante sua visita ao Brasil, e aos ataques feitos a uma performance de um homem nu numa exposição de arte em São Paulo e uma mostra de temas LGBT e heresia a símbolos religiosos em Porto Alegre.

Eles refletem a ascensão de grupos reacionários que, antes, haviam agido discretamente nos tempos do Orkut e até fingido se passar por "progressistas". Entre 2005 e 2007, esses reacionários chegaram a se proclamar de "centro-esquerda" e evitar atacar Lula e outros símbolos da esquerda, pois era a época do auge da popularidade do presidente brasileiro e os reacionários queriam obter apoio de internautas para uma ocasião em que eles pudessem fazer o seu proselitismo de direita.

De 2009 para cá, o reacionarismo passou a ser aberto, e, desde então, grupos passaram a ser formados, dando origem a organizações como Movimento Brasil Livre, Acorda Brasil, Revoltados On Line, Vem Pra Rua etc. Muitos passaram a defender abertamente políticos como Jair Bolsonaro, rompendo com o pseudo-esquerdismo dos tempos do "Eu Odeio Acordar Cedo".

Defendendo abertamente projetos de exclusão social, apoiando as "reformas" de Temer e projetos obscurantistas como Escola Sem Partido, essas pessoas passaram a expressar seus preconceitos sociais sem medo das consequências, animados com o golpe político que tirou a progressista Dilma Rousseff do poder, em 2016.

Esse público simboliza a onda de ódio e intolerância social que se volta contra os antigos beneficiados da fase em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no poder federal. Negros, homossexuais, trabalhadores, domésticas etc, tornaram-se alvo não só de projetos político-institucionais excludentes - como a chamada reforma trabalhista - , mas também de aberta campanha difamatória e até homicida de uma parcela de jovens que se expressam nas redes sociais.

Mesmo o busólogo (que reside numa cidade da Baixada Fluminense vizinha do subúrbio carioca) que praticou intolerância social, criando página de ofensas e visitando as cidades de suas vítimas como forma de intimidar e ameaçar violência física, revela um sentimento segregacionista e discriminatório.

O busólogo, muito conhecido no seu meio, insultava negros, pardos e nordestinos radicados no Rio. Mesmo através da defesa doentia de uma medida antipopular imposta pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a pintura padronizada nos ônibus (que prejudica os passageiros na hora de ir e vir devido à confusão de diferentes empresas sob o mesmo visual), ele era a expressão, no hobby da busologia, da intolerância social que infelizmente está em moda hoje em dia.

O reacionarismo ocorre, ironicamente, pela ilusão de liberdade sem limites dos internautas reacionários, para os quais só vale a liberdade deles, mas nunca a liberdade dos outros que diferem do seu status quo. Muitos desses reacionários nem sequer escondem seus nomes, pois eles se consideram "pessoas de coragem" e acham que estão "fazendo o certo" ao humilhar quem, segundo o juízo de valor deles, "não presta na sociedade".

E OS "ESPÍRITAS"?

É certo que os "espíritas" não aprovariam agressões desse tipo, mas sua postura em relação a grupos reacionários em geral chegou a ser de certo apoio, quando eles se envolveram nas passeatas contra Dilma Rousseff em 2016.

O periódico "Correio Espírita" chegou a definir os movimentos do "Fora Dilma" como "despertar político da juventude". Houve, entre os "espíritas", quem identificasse nos manifestantes a existência de "crianças-índigos" ou "crianças-cristais", mesmo em grupos como Revoltados On Line, cujo nome remete a "revolta", expressão definida como "negativa" pelo "movimento espírita".

Nos últimos meses, os "espíritas" se queixam de, supostamente, sofrerem intolerância religiosa, tanto na necessidade de pretensamente vincular ao sofrimento que, realmente, têm as religiões afro-brasileiras (frequentemente confundidas com "espiritismo"), quanto para interpretar de maneira tendenciosa os ataques sofridos a símbolos ou instituições "espíritas".

Há pouco tempo, um mausoléu de Francisco Cândido Xavier foi atacado por um vândalo a pedradas, em Uberaba. O responsável pelo mausoléu e "filho" adotivo de Chico Xavier, Eurípedes Higino, acredita ter sido, "sem dúvida", um "ato de intolerância religiosa".

Mas o contexto do "espiritismo" mostra que a religião não sofre intolerância, por ser uma religião de elite, do contrário que as crenças afro-brasileiras e muçulmanas, associadas a povos socialmente excluídos.

Além disso, o mausoléu de Chico Xavier foi alvo de ataques pelo fato dele ter sido uma celebridade. Até se fosse o mausoléu de Garrincha ou de Hebe Camargo, os ataques seriam rigorosamente os mesmos, vide o caso de uma estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, no Rio de Janeiro.

O "espiritismo" é uma das religiões mais toleradas do Brasil. Religião que se afastou das lições racionais de Kardec - fato comprovado no confrontamento das obras brasileiras com obras originais como O Livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos - , o "espiritismo" nunca teve a deturpação de sua matriz devidamente questionada em trabalhos de grande repercussão.

Pelo contrário, tudo que é relacionado ao "espiritismo" é aceito sem críticas. A participação de Divaldo Franco, no lançamento oficial da "farinata", duvidoso alimento que o prefeito de São Paulo, João Dória Jr., iria distribuir nas escolas e instituições religiosas (recentemente ele oficialmente desistiu da ideia), permitindo que seu nome e o logotipo do Você e a Paz fossem amplamente divulgados, como num vínculo de imagem, pelo governante, é um caso ilustrativo.

Nenhum jornalista sequer perguntou por que a "farinata" foi lançada num evento organizado por um "médium espírita". Ninguém observou o logotipo e o nome de Divaldo Franco claramente expostos durante o lançamento da "ração humana". Aquilo era vínculo de imagem, mas o "médium" saiu de fininho, diante do silêncio total da imprensa, mesmo a de esquerda.

Com isso, Divaldo Franco tem garantida a sua palestra no evento igrejista Você e a Paz prevista para dezembro, em Salvador, enquanto o homenageado da edição paulista, João Dória Jr., briga com colegas do PSDB e tem, a cada dia mais distantes, as chances de se candidatar à Presidência da República em 2018. Tolera-se até mesmo uma má decisão de um "médium espírita".

UFBA - Sobre os ataques, nas redes sociais, a pesquisadores da Universidade Federal da Bahia , a Polícia Federal está acompanhando o caso e investiga as mensagens ameaçadoras, com o objetivo de identificar as origens e os responsáveis.

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