terça-feira, 28 de novembro de 2017
Data-limite para os "espíritas", na verdade, foi outra
PROMESSA DE CHICO XAVIER E DIVALDO FRANCO DE "APRENDER KARDEC" NUNCA FOI CUMPRIDA.
A verdadeira data-limite para o "movimento espírita" cumprir a promessa de recuperar os postulados espíritas originais, fazendo com que os "místicos" passassem a entender o conteúdo apreciado pelos "científicos" e promovendo um equilíbrio entre Fé e Conhecimento, já aconteceu.
Não é a "data-limite" do sonho de Francisco Cândido Xavier depois da expedição de astronautas estadunidenses à Lua em 1969, da qual se fala de um prazo de cinquenta anos para a Terra buscar o caminho da paz.
Até porque esse sonho, que só foi revelado em 1986, é dotado de graves erros de abordagem histórica, geológica e sociológica. E ainda "previu" o crescimento da Petrobras, que até ocorreu, mas graças ao presidente Michel Temer (e seu indicado para a estatal, o tucano Pedro Parente) chegará em 2019 em frangalhos. Se chegar e se as multinacionais do petróleo deixarem.
Fala-se da data-limite dada aos deturpadores de aprenderem as lições racionais do Espiritismo e aprenderem, sobretudo, que não há salvação para a caridade se ela vive ao arrepio da ética e do bom senso. Todas as promessas dadas pelo "movimento espírita" de "aprender melhor Kardec" não foram devidamente cumpridas.
Expor a teoria espírita original até se expôs. Fazer elogios a figuras como José Herculano Pires e Deolindo Amorim, também. Falou-se em fatos e personalidades científicas. Falou-se em Erasto e no Controle Universal do Ensino dos Espíritos. Foram evocados intelectuais dos mais renomados. Conceitos de Física, Biologia e Psicologia, ainda que de maneira um tanto pedante, foram inseridos no "espiritismo" feito no Brasil.
Mas nada disso impediu que o velho igrejismo de matriz roustanguista fosse feito, e, o que é pior, feito com muito mais entusiasmo do que nos tempos em que o sobrenome Roustaing era mais valorizado que o de Kardec. Até porque a "vaticanização" do Espiritismo feita pelos brasileiros tornou-se ainda mais entusiasmada do que nos primórdios da FEB.
RELIGIÃO DE PAPALVOS
A promessa se deu diante de vários fatores. Com a era Wantuil se encerrando, já que o então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, há muito tempo na instituição, anunciou sua aposentadoria, já em 1969, por estar bastante doente. Ele faleceu cinco anos depois. Wantuil foi o descobridor do "médium" Chico Xavier e era quase o seu "empresário", a maneira dos empresários dos astros pop.
Nessa época, começou a estourar a crise na cúpula. Os herdeiros de Wantuil na equipe dirigente da FEB não eram bem vistos pelos demais membros. A FEB era acusada de centralizadora, prejudicando as ações das federações regionais, com exceção da FEESP, a federação paulista, que parecia ter mais privilégios até mesmo que as federações dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara, que não eram mais do que gabinetes da FEB.
Um dos dirigentes, Luciano dos Anjos, foi hostilizado por haver denunciado - surpreendentemente, com razão - o plágio literário feito por Divaldo Franco sobre as obras já duvidosas de Chico Xavier. Os plágios foram publicados no livro de Luciano, A Anti-História das Análises Co-Piadas, e a denúncia causou escândalo e quase provocou a inimizade dos dois "médiuns".
A denúncia ocorreu em 1962 mas ela se refletiu em 1969-1970. Além disso, surgiu a denúncia de que o lucro das vendas dos livros de Chico Xavier era destinado à fortuna dos dirigentes da FEB, um acordo que havia sido acertado secretamente por Wantuil e Chico, apesar da hipótese oficial de que o lucro era "para a caridade".
O escândalo estourou e o esperto Xavier tirou o corpo fora. Diante dessa revelação, o "médium" alegou ter "se sentido muito triste" com este fato, e então deixou de ter seus livros publicados pela FEB, recorrendo a outras editoras. Mas essa decisão se deu porque Xavier se dava bem com Wantuil, mas não se dava com os herdeiros do poder de seu mentor material. Sobretudo Luciano dos Anjos.
Houve também a publicação de uma reportagem da revista O Cruzeiro, mais de 25 anos depois de David Nasser e Jean Manzon terem escrito sobre Xavier. A reportagem revelou que a suposta médium Otília Diogo era uma farsante, tendo sido encontrado o material usado para os rituais de falsa materialização dos falecidos Irmã Josefa e dr. Alberto Veloso, antigo médico da Marinha do Brasil.
Oficialmente, Chico Xavier foi tido como "enganado" pela farsante. Passou ileso até das acusações de ter sido cúmplice e chegou-se a dizer que "cúmplice não é culpado", mas fotos dos bastidores do evento ilusionista mostram o "médium" bastante atento e desenvolto diante dos presentes, e existem registros dele observando os detalhes da armação de Otília, como se já estivesse sabendo e apoiando a fraude.
O escândalo levou ao auge o conflito entre os "místicos", que desviavam o legado kardeciano para as influências católicas, e os "científicos", que queriam a pureza doutrinária do Espiritismo original. Houve ainda a denúncia de que a FEESP iria produzir traduções ainda mais deturpadas e desfiguradas da obra kardeciana, agravando ainda mais a crise.
O escândalo foi denunciado na imprensa e no rádio pelo jornalista e tradutor José Herculano Pires - o tradutor mais fiel da obra kardeciana - , que definiu o "movimento espírita" como "seita de papalvos", e a situação se complicou.
A PROMESSA
A solução diante desse impasse foi que o "movimento espírita" se dividiu, com a cúpula da FEB ligada ao antigo grupo de Wantuil isolada. Mesmo os "místicos" ligados às federações regionais passaram a usar uma estatégia para tentar agradar os "científicos": abandonaram de vez o nome de J. B. Roustaing e passaram a eleger, tendenciosamente, Allan Kardec como seu "mestre maior".
A partir daí vieram as promessas de "não só entender Kardec, mas vivê-lo", entre tantas promessas de recuperação das bases doutrinárias. Criou-se então uma tese de que os "médiuns" Chico e Divaldo foram acusados de "catolicizar o Espiritismo" por "acidente" e "entusiasmo demais com a origem católica", não sendo considerados culpados pela deturpação doutrinária.
A tese não tem a menor coerência, porque os trabalhos de Chico e Divaldo eram longos e de repercussão muito grande para serem considerados "deturpadores sem culpa". E a promessa de "entender melhor" a Doutrina Espírita original foi uma promessa que apenas foi cumprida na aparência, e ainda assim parcialmente.
Esse "cumprimento" se deu apenas no aparato das exposições doutrinárias aparentemente corretas, mesmo quando se usam os livros kardecianos traduzidos pela FEB e IDE, que substituíram "doutrina de Jesus" por "doutrina do Salvador" e "Deus" por "Pai", respectivamente. Mesmo assim, até os alertas de Erasto e o C. U. E. E. eram evocados e, para os "científicos" como Herculano Pires, se dirigiam apenas elogios.
Esse simulacro era feito para garantir o que, aos olhos dos leigos, parecia uma doutrina perfeita. Mas por trás da embalagem "limpa" do "espiritismo" brasileiro, havia muita sujeira. O falso equilíbrio entre "científicos" e "místicos" escondia o privilégio que eles tinham, transformando os primeiros em "reféns" de um igrejismo que colocava a Ciência e a lógica a seus pés.
Essa fase denominamos de "fase dúbia", porque o igrejismo de raiz roustanguista era mantido mesmo quando Roustaing era renegado. E o aparato "científico" que passou a ter o "espiritismo" brasileiro não disfarçou o igrejismo que chegava com muito mais apetite através de romances "espíritas" e de estórias de cunho religioso supostamente ligadas à esperança e superação humanas.
Com isso, vemos que hoje até o próprio Kardec tornou-se refém dos deturpadores. E, agora, as contradições se tornam cada vez mais evidentes, e a gota d'água se deu quando Divaldo ofereceu o Você e a Paz para o lançamento oficial de um estranho composto alimentar promovido pelo prefeito de São Paulo, João Dória Jr..
O evento derrubou a reputação de "melhor discípulo de Kardec" que Divaldo carregava com um aparato mais verossímil possível. O "médium" não teve a firmeza que o pedagogo francês teria em rejeitar o estranho alimento e exigir, com firmeza, exames técnicos e documentos que comprovassem que a "farinata" não era prejudicial.
Divaldo cometeu inúmeros (e gravíssimos) deslizes e comprovou o fracasso da "fase dúbia", a ponto hoje da situação dos "espíritas" se encontrar num grande impasse. A crise só foi minimizada porque o episódio da "farinata" foi superado com a suspensão do produto e Divaldo ter sido beneficiado pelo silêncio da imprensa.
Mas o escândalo que foi abafado é só um precedente diante de tantos outros que virão, mostrando o quanto a contradição que marcou o "espiritismo" brasileiro, misturando deturpação e bases doutrinárias originais, traz problemas para o Espiritismo autêntico. O limite de cumprimento da promessa de "aprender Kardec" se esgotou e não há como prometer de novo o que se deixou de cumprir.
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