quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Até que ponto os "espíritas" fazem lobby no mercado literário brasileiro?


O mercado literário brasileiro, nos últimos anos, é marcado pela mediocridade e por uma certa resistência a obras comprometidas com o conhecimento. É verdade que algumas coisas melhoraram em relação a 2015, quando o mercado viveu sua pior fase, mas mesmo assim a finalidade anestesiante ainda predomina na maioria das obras mais vendidas.

Em 2015, sabe-se, prevaleceu todo tipo de escapismo literário. Havia os habituais livros de auto-ajuda, que mais servem para ajudar os autores a faturarem mais. Além deles, romances de jovens estudantes transformados em vampiros. A reboque, vieram diários de youtubers, dotados do mais puro superficialismo, romances de jogos eletrônicos de Minecraft e até livros para colorir, risivelmente incluídos na categoria de "não-ficção".

Os livros para colorir, embora aparentemente bem intencionados - eles são anunciados como "literatura (sic) anti-estresse" - , eram uma aberração injustificável diante de um contexto em que jornais e revistas deixam de ter versões impressas e passam a ser publicados somente na Internet. Assim como esta mídia, os livros para colorir, ao menos, deveriam ser publicados só na Internet, deixando ao leitor a opção pessoal de imprimir ou não.

Muitos desses livros para colorir acabaram tirando o espaço de muitas obras comprometidas com o conhecimento, fazendo com que 2015 se tornasse um ano surreal da literatura, no qual a finalidade anestesiante de fuga do saber era o objetivo um tanto insólito e contraditório, pois os livros deveriam ser uma atividade que estimulasse a obtenção do saber e não o contrário.


Aí, percebemos fatos surreais como a ausência de obras literárias de grande envergadura, como as do escritor maranhense Humberto de Campos. A última vez que foi lançada a coleção de livros dele, foi em um volume único, em 2014, para celebrar os 80 anos de falecimento do escritor.

As obras do autor maranhense geralmente são disponíveis apenas em sebos e em arquivos para download na Internet. Admite-se que páginas como o portal de sebos Estante Virtual e o de livros digitais Domínio Público fazem sua parte, mas nem todas as obras de Humberto aparecem disponíveis nessas páginas.

Enquanto isso, as obras, reconhecidamente fake, atribuídas ao espírito Humberto de Campos, trazidas pelo "médium" Francisco Cândido Xavier, são livremente publicadas e disponíveis com a facilidade de um cafezinho num circuito de bares.

Essas obras, que qualquer pesquisa mais atenta e uma leitura mais apurada vai reconhecer disparates grosseiros em relação ao estilo original do autor maranhense, circulam livremente, e, não obstante, também têm versões gratuitas para download, na Internet, com a diferença de que são TODAS as obras "mediúnicas", em edições integrais.


Até que ponto a FEB e o "movimento espírita" podem influir no mercado literário brasileiro? Sabemos que a FEB exerce um lobby que inclui a Rede Globo de Televisão e outras instituições relacionadas ao conservadorismo ideológico que garante a blindagem do "espiritismo" brasileiro. Mas não há como entender como os "espíritas" podem influir tanto nesse lobby, que envolve também outras editoras, mesmo fora do âmbito "espírita".

As pessoas sentem falta de uma obra como O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, de Attila Paes Barreto, que foi lançado em 1944 e se tornou uma raridade. Nem mesmo uma versão em PDF foi disponibilizada deste livro que aponta irregularidades severas em relação à suposta mediunidade do arrivista Chico Xavier, o "Aécio Neves dos espíritas".

Enquanto isso, livros como Não Será em 2012 alimentam uma série de adaptações em documentários e, depois, em livros baseados em documentários, e documentários baseados em livros baseados em documentários e assim por diante. O referido livro, de Marlene Nobre e Geraldo Lemos Neto, já inspirou o desnecessário documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, que por sua vez foi adaptado para um livro homônimo de Juliano Pozzati e Rebecca Casagrande.

O "movimento espírita" se compromete com a atualização, nunca devidamente assumida, da herança do Catolicismo do Brasil-colônia. Embora, em tese, o "espiritismo" brasileiro é uma adaptação local da doutrina de Allan Kardec, essa ideia é falaciosa, porque, o que vemos, em seu conteúdo, é uma forma reciclada do Catolicismo jesuíta do período colonial, com as devidas adaptações de contexto.

Uma dessas adaptações, por exemplo, é a combinação do Catolicismo medieval - vigente no Catolicismo jesuíta português, introduzido no Brasil a partir da catequização dos índios - com elementos de feitiçaria e esoterismo, como se houvesse um acordo entre os católicos medievais e uma parcela de hereges.

Dessa forma, a paranormalidade adotada no "espiritismo" brasileiro pouco tem a ver com a que é sistematizada em O Livro dos Médiuns - livro que adverte sobre muitos aspectos negativos de deturpadores, depois praticados pelas obras dos "médiuns" brasileiros Chico Xavier e Divaldo Franco, entre outros - , estando mais próxima de feiticeiros, bruxas e videntes que atuavam no submundo da sociedade medieval.

Quanto ao pretenso intelectualismo, não é de hoje que a FEB e as lideranças "espíritas" adotam uma postura ilustrada e pedante. No começo do século XX, "espíritas" posavam como se fossem membros da Academia Brasileira de Letras, como se a FEB fosse um arremedo desta instituição. 

Não é surpresa, portanto, que escritores que haviam sido membros da ABL, como Humberto de Campos e Olavo Bilac, ou eram patronos (autores já falecidos homenageados pelas cadeiras da academia na época de sua fundação, 1897), como Casimiro de Abreu e Castro Alves, tenham sido usurpados pelo "movimento espírita" na publicação de supostas obras psicográficas, cujo conteúdo apresenta graves irregularidades de estilo.

Essas obras, por essas irregularidades, se tornaram precursoras da literatura fake depois difundida na Internet. Não por acaso, pela sintonia vibratória de acordo com o nível obscurantista das redes sociais, como Facebook e WhatsApp, o "movimento espírita" encontra cadeira cativa nestes espaços virtuais.

A deturpação presente no "espiritismo" brasileiro, que o fez fugir do legado original de Kardec, apesar de toda bajulação a sua figura, permite essas situações surreais, em que obras fake são tidas como "verdadeiras" pela carteirada religiosa que significam.

O que se pode inferir sobre o lobby dos "espíritas" no mercado literário - que faz com que a FEB tenha instalações na Bienal do Livro, como nas fotos acima da edição de 2016 - é que o poderio do "movimento espírita", que derruba de vez a sua imagem de "humilde" e "despretensiosa", reflete as condições que travam o progresso do nosso país, entregue a essa forma reciclada de obscurantismo religioso que se sustenta sob um verniz "intelectual".

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