quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Chico Xavier pegou carona em caso criminal que seria resolvido sem ele

MAURÍCIO GARCEZ HENRIQUE, MORTO POR DISPARO ACIDENTAL FEITO POR AMIGO.

Um episódio que comprova o quanto o "médium" Francisco Cândido Xavier beneficiou e foi beneficiado pelo sensacionalismo jornalístico que o transformou num "super-médium" e num dublê de filantropo e pensador, associando a ele uma suposta solução de um crime que mostrava indícios de que seria resolvido sem sua colaboração.

O fato foi esse. Em 08 de maio de 1976, Maurício Garcez Henrique estava na casa do amigo José Divino Nunes, no bairro de Campinas, em Goiânia. Enquanto conversavam na sala, Maurício pegou o revólver da mala do pai de José Divino e descarregou a arma, tirando as balas e, de brincadeira, fingiu apontar a arma ao amigo que logo disse para largar o objeto.

José tomou o revólver de Maurício, que foi para a cozinha buscar cigarros. Enquanto isso, José ligava o aparelho de som e girava o dial para mudar a estação de rádio. De repente, o revólver fez um disparo, Maurício soltou um grito e José foi logo socorrê-lo, estando este gravemente ferido. Maurício morreu depois.

O caso foi registrado na 6ª Vara Criminal de Goiânia e, a princípio, José Divino foi acusado de homicídio doloso, quando há intenção de matar, mas de acordo com depoimento de José e de seus familiares, o que ocorreu foi homicídio culposo, feito sem intenção de tirar a vida de outrem. Ainda assim, o caso permaneceu um mistério nunca oficialmente resolvido.

Mas eis que, dois dias depois, "super" Chico Xavier aparece sob a promessa "heroica" de resolver a situação. No dia 27 de maio de 1978, ele dá início a uma série de supostas psicografias atribuídas ao espírito de Maurício das quais a primeira carta está reproduzida a seguir, reproduzindo sempre aquele estilo igrejeiro e piegas das "cartas mediúnicas", que seguem o mesmo pensamento e começam com saudações como "querida mamãe" ou "querida mamãe, papai, Fulana minha irmã etc". Vejamos:

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Querida Mamãe, meu querido pai, querida Maria José e querida Nádia.

Estou em oração, pedindo para nós a benção de Deus. Não posso escrever muito; venho até aqui, com meu avô Henrique, só para lhes pedir resignação e coragem.

Peço-lhes não recordar a minha volta para cá, criando pensamentos tristes. O José Divino e nem ninguém teve culpa em meu caso. Brincávamos a respeito da possibilidade de se ferir alguém, pela imagem no espelho; sem que o momento fosse para qualquer movimento meu, o tiro me alcançou, sem que a culpa fosse do amigo, ou minha mesmo. O resultado foi aquele. Hospitalização de emergência, para deixar o corpo longe de casa.

Se alguém deve pedir perdão, sou eu, porque não devia ter admitido brincar, ao invés de estudar.
Mas meu avô e outros amigos me socorreram e fui levado para Anápolis, para ser tratado por uma enfermeira que dirige uma escola de fé e amor ao próximo, que nos diz ser a irmã Terezona, amiga das crianças.

Soube que ela conhece meu avô e nossa família, sendo agora uma benfeitora, que preciso agradecer e mencionar.

Quanto ao mais, rogo à Nádia e à Maria José, minhas queridas irmãs, para não reclamarem e nem se ressentirem contra ninguém. Estou vivo e com muita vontade de melhorar.

Queridos pais, tudo acontece para o nosso bem e creio que seria pior para mim se houvesse enveredado pelos becos dos tóxicos, dos quais muita pouca gente consegue voltar sem graves perdas do espírito.

Estou com saudades, mas estou encarando a situação com fé em Deus e com a certeza de um futuro melhor.

Recebam, querido papai e querida mamãe, com as nossas queridas Nádia e Maria José, e com todos os nossos, um abraço de muito carinho e respeito, do filho que lhes pede perdão pelos contratempos havidos.

Prometendo melhorar, para faze-los tão felizes quando eu puder, sou o filho e o irmão saudoso e agradecido,

Maurício Garcez Henrique.

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No livro Lealdade, organizado por Hércio Marcos Cintra Arantes e lançado originalmente em 1982 por uma pequena editora - hoje o livro é comercializado pela igrejista editora IDE - , há um histórico dos fatos e da "colaboração" de Chico Xavier para supostamente resolver o crime.

O juiz da 6ª Vara Criminal de Goiânia na época (1978-1979), Orimar de Bastos, havia acolhido a "psicografia" e, tomado de uma certa fascinação obsessiva, declarou:

"Temos que dar credibilidade à mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, anexada aos autos, onde a vítima relata o fato e isenta de culpa o acusado, discorrendo sobre as brincadeiras com o revólver e o disparo da arma. Coaduna este relato com as declarações prestadas por José Divino, quando do seu interrogatório".


O DOCUMENTO DE IDENTIDADE DE MAURÍCIO E UM FRAGMENTO DA CARTA LANÇADA POR CHICO XAVIER: ASSINATURAS BASTANTE DIFERENTES.

Mas alguns fatores estranhos devem ser observados. Orimar achou que as assinaturas eram semelhantes e que, com a coincidência do relato de José Divino e o conteúdo da carta, estava provada a inocência de José Divino, hipótese que no entanto poderia ter sido provada de outra forma, sem a necessidade da suposta mensagem mediúnica. Pelo contexto, é bem provável que Maurício perdoasse José, não precisando que a "psicografia" informasse isso.

Todavia, as assinaturas, analisadas acima, comparando o fragmento do manuscrito lançado por Chico Xavier e a assinatura presente no documento de identidade de Maurício, percebe-se que Orimar foi apressado e nem deve ter se lembrado das assinaturas. Talvez o juiz fosse muito ocupado para analisar as coisas e deve ter dado seu parecer através de uma primeira e precipitada impressão.

As caligrafias são totalmente diferentes. Não há uma hipótese que indique semelhança, e observa-se que a caligrafia da suposta psicografia tem o mesmo estilo da caligrafia pessoal do "médium". Mesmo uma boa vontade não consegue colher semelhança alguma nas duas assinaturas, em relação a Maurício, mas também não consegue desmentir a semelhança muito grande com a caligrafia pessoal de Chico Xavier.

Quanto às informações da carta, o próprio livro Lealdade fala de visitas constantes dos familiares de Maurício a Uberaba, o que poderia sugerir o fornecimento de informações através da "leitura fria". Há no Grupo Espírita da Prece, onde trabalhou Chico Xavier, uma equipe de funcionários - que o "espiritismo" chama de "tarefeiros" - treinados para analisar gestos, formas de dicção e informações dadas pelos clientes para colher dados para supostas psicografias.

Há também as consultas de fontes da imprensa, geralmente fornecidas por familiares ou mesmo por integrantes de "centros espíritas" dos locais dos incidentes. Há também objetos pessoais, como diários ou algumas cartas ou anotações diversas, relacionadas ao morto ou escritas por ele. Hoje até o perfil nas redes sociais serve para colher essas informações.

Junta-se tudo isso e cria-se um repertório para forjar uma falsa psicografia de conteúdo verossímil. A sorte, por exemplo, é se uma tia ou um primo de um morto fornecerem informações que não são de conhecimento do pai e da mãe do dito cujo, e com isso se espalha a falácia de que a "psicografia" apresentou informações que "a família do morto desconhecia absolutamente".

A "contribuição" de Chico Xavier, portanto, além de desnecessária, era duvidosa para servir de prova de inocência de José Divino. A inocência já tinha probabilidade de quase certeza, e outros meios como perícias e outras investigações poderiam chegar ao resultado, sem a "ajuda psicográfica".

Por outro lado, a atuação do "médium" se revelou uma intromissão, que favoreceu a imprensa sensacionalista e garantiu a projeção de um ídolo religioso através dessa fraude que causou a comoção pública e fez as "casas espíritas" de todo o país lotarem, diante de apelo tão fortemente emocional.

O episódio representou, mais uma vez, o espetáculo pitoresco da suposta mediunidade, feito à revelia da Ciência Espírita, criar uma falsa ideia do que seria o trabalho mediúnico, mediante conceitos que eram difundidos ao arrepio dos ensinamentos kardecianos originais. Portanto, a "psicografia" foi, na verdade, inútil, e só serviu para os propósitos acima citados.

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