quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Valentões da Internet e os ídolos com pés-de-barro


As pessoas só conseguem entender o cyberbullying depois do estrago feito. É impressionante, no entanto, a adesão de pessoas de bem, como antes havia em ataques de bullying nas escolas, às agressões do valentão contra sua vítima.

Sim, porque, quando começam as campanhas de linchamento moral, pessoas de bem, iludidas com o "jeito divertido" dos valentões, fazem coro para suas humilhações graves. Acreditando se tratar tão comente de uma "brincadeira saudável", muitas pessoas direitas acabam dando cartaz para o valentão, rindo com ele e pegando carona nas suas piadinhas violentas.

Atos de bullying ou cyberbullying são geralmente cometidos por pequenos grupos de encrenqueiros. Mas eles se inserem muitas vezes em contextos nos quais eles têm algum prestígio social e são protegidos por pessoas influentes. Houve denúncias, na Internet, em que até a busologia do Rio de Janeiro teve casos de cyberbullying, com direito a blogue de ofensas e à exploração ofensiva do estado civil de alguns deles, humilhados apenas por estarem solteiros.

Na sociedade brasileira, o apoio aos valentões, que começa na escola, é uma radiografia de como as pessoas encaram aqueles que são dotados de algum status quo: dinheiro, força, prestígio social, suposto senso de humor mais atraente (irreverência), etc. É a partir desses atributos de suposta superioridade social que as pessoas consentiram na ascensão ao poder do desastroso governo de Michel Temer e sua equipe de corruptos.

As pessoas acabam levando gato por lebre. Na escola, é aquele bonitão ou fortão que parece ter um senso de humor hilário e muito divertido, mas que promove sessões públicas de humilhação, não raro com certas doses de violência, ainda que psicológica. Nas Internet, há a produção de blogues ofensivos em que o valentão reproduz, para fins depreciativos, qualquer conteúdo relacionado e privativo de sua vítima.

A partir daí, a sociedade brasileira cria uma linhagem a qual é capaz de endeusar pessoas dotadas de algum status que podem prejudicar multidões ou cometer erros graves. Em nome da permanência dos ídolos de diploma, fama, dinheiro e poder, usa-se o eufemismo de definir prejuízos como "sacrifícios necessários" e erros graves, desses de arrancar os cabelos, como "defeitos leves e sem importância".

Muitos de nós se apegam, de maneira muito arriscada, a esse status quo. Multiplicam-se os erros graves e as confusões preocupantes do governo Temer, deixando o Brasil numa posição altamente vulnerável e bastante perigosa (leia-se "perigosa" no sentido de catástrofe), e as pessoas felizes, sorrindo e rindo em suas vidas, achando que nada de grave vai acontecer.

Mal comparando, é como se o Titanic estivesse caminhando para uma colisão fatal com um iceberg e as pessoas ainda naquele clima de festa e euforia, contando piadas, rindo, olhando o céu azul tão bonito, imprudentes numa felicidade ao mesmo tempo masoquista e imprudente.

As pessoas se apegam a ídolos religiosos, como se não bastasse todo tipo de apego que mantém os mesmos plutocratas de baixa confiabilidade no pedestal, de Luciano Huck a Jaime Lerner, passando por Sérgio Moro. No "espiritismo", isso é muito grave, porque os deturpadores do legado kardeciano conseguem com muita facilidade contornar críticas e crises, mesmo cometendo erros vergonhosos que deveriam trazer constrangimento e não complacência.

Imagine um Império Romano em que o povo pobre ou oprimido, inclusive o escravo, sempre venha com algum argumento para justificar o poder e o prestígio de seus tiranos. Imagine na Idade Média, as argumentações feitas para consentir com o poder dos sacerdotes, mesmo quando eles promovem banhos de sangue contra os hereges.

O pior apego dos brasileiros nasce da adoração ao valentão "divertido" que promove rituais de humilhação em praça pública. As pessoas estão cada vez mais traídas por sua ingenuidade e precisam rever urgentemente seus valores e seus ídolos, tendo o compromisso de retirar dos pedestais seus ídolos com pés-de-barro. mesmo que seja sob o preço caro de abrir mão de emoções tão belas e agradáveis.

Paciência. Quando nos decepcionamos com alguém, antes alvo da adoração mais apaixonada, entramos em choque conosco mesmos. Quantos reagiam de maneira ríspida quando alguém revelava que o objeto da paixão daqueles era, na verdade, uma pessoa de qualidades e atitudes tão sombrias? Quantos preferiam ser traídas pelo traidor, tão apegadas à paixão que sentem por este?

Do âmbito rasteiro dos valentões da Internet ao âmbito sofisticado dos ídolos religiosos, principalmente os "médiuns espíritas" dotados de culto à personalidade - sim, estamos falando de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco - , há um apego muito doentio aos ídolos que compõem o imaginário de adoração e respeitabilidade que garante um Brasil viciado em velhos paradigmas, velhas fórmulas, velhos preceitos e padrões de "sucesso" e "êxito" que perderam valor.

A resistência ferrenha diante de tantas desilusões, teimosia que é confundida com perseverança, fé que esconde a credulidade mais servil e suicida, faz com que os ídolos de pés-de-barros, dotados de muito dinheiro, diploma, fama, poder político, midiático, empresarial, tecnocrático e jurídico e até religioso tentem a todo custo passar por cima de escândalos e incidentes a lhes prejudicarem.

E isso mostra o quanto as fantasias e teimosias são muito menos doentias na infância, quando os "heróis" da criançada podem se revelar fictícios ou inúteis, que as crianças, depois de algum tempo, aceitam e resignam com o fim de suas ilusões.

Na vida adulta, porém, as teimosias se tornam tão ferrenhas que, de um lado, produzem valentões, de outro, plutocratas que chegam a pôr a justiça social em sério risco para fazer prevalecer seus interesses e crenças. No primeiro caso, sobretudo, até porque o bullying e o cyberbullying são práticas feitas por aqueles que demonstram ser os "cães-de-guarda" de um sistema de valores retrógrados e reacionários, que atacam quem representa alguma ameaça a esse sistema.

A menor contestação aos supostos méritos de Chico Xavier e Divaldo Franco - que já se mostram exemplos de preocupante aberração pelo fato de serem supostos médiuns dotados do mais explícito culto à personalidade - já mexe com os nervos de seus seguidores, que passam a se esquecer das "boas energias" que dizem ter para se converterem em verdadeiros valentões ou portadores de outras paranoias.

É hora das pessoas deixarem de lado seus ídolos com pés-de-barro, não ter complacência alguma sequer com palavras bonitas ilustradas por cenários de flores ou de céus azuis de brancas nuvens. As pessoas que assim pensam estão sendo colocadas no ridículo, por mais que usem as mais engenhosas justificativas para defender suas ilusões, nem que seja para dizer que é a "única alegria" que têm. "Alegria" que, cedo ou tarde, se revelará numa dolorosa tristeza, ou talvez um trauma.

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