quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

"Convulsões sociais" expõem Brasil extremamente retrógrado


Qual a relação entre o linchamento de um ambulante, até ele ser morto, por dois agressores de um travesti que o vendedor defendeu, numa estação de metrô em São Paulo, com a chacina familiar cometida por um homem rancoroso na festa de virada de ano em Campinas?

Isso é fácil de responder. Difícil é relacionar isso também com fatos que aparentemente nada têm a ver com o machismo recreativo de mulheres siliconadas que só vivem de mostrar o corpo (como Solange Gomes e Mulher Melão) e com as passeatas que pediram o "Fora Dilma" nas ruas brasileiras.

Tudo isso tem relação, e mostra um Brasil apegado a velhos tempos. a valores obsoletos, a medidas prejudiciais à população, a um reacionarismo que, pasmem, arrasta multidões que aderem a tudo que é retrógrado nas redes sociais da Internet, derrubando definitivamente o mito de que a Internet seria um processo de revolução social na sociedade brasileira. Só se for a "revolução" de 1964.

Marcado por um moralismo medieval e quase pré-histórico, que volta e meia mostra atos de barbárie até em cidades consideradas "evoluídas" como Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba - cidade com complexo de superioridade por causa dos ônibus visualmente padronizados e pela prepotência de juízes anti-PT da Lava Jato, que fazem da capital paranaense ser apelidada de "República de Curitiba" - , o Brasil teve um 2016 bastante melancólico e preocupante.

Um país ainda machista, é irônico o sentido ambíguo da lembrança dos 40 anos do assassinato da socialite Ângela Diniz pelo empresário Doca Street, ocorrido no final de 1976, e cuja repercussão influenciou uma infinidade de crimes semelhantes até os dias de hoje. Graças à "defesa da honra" de Doca, o Brasil se tornou um dos países com maior ocorrência de feminicídio no mundo.

Ao mesmo tempo em que não é divulgada informação se Doca morreu ou não - em tese, ele atingiu, em 2016, a mesma idade em que o cantor Leonard Cohen encerrou sua vida, 82 anos, mesmo com passado de cocaína e tabagismo inveterado - , as reportagens de O Globo e Folha de São Paulo narram o fato como um passado distante como se o assassino (cuja última aparição ocorreu em 2006, para divulgar um livro) fosse "tão desaparecido" quanto, por exemplo, Ulysses Guimarães.

Na sociedade machista, parece proibido expor tragédias dos machos, enquanto as mulheres são vítimas constantes de tragédias violentas. É uma sociedade em que o homem que é capaz de acuar a própria namorada num quarto e esfaqueá-la até a morte é o mesmo que, quando sofre um infarto fulminante antes dos 60 anos de idade, apela, apavorado, para Jesus impedir que ele "seja levado para o além".

Machismo, racismo, elitismo, homofobia, bullying. A catarse social em prol de pontos de vista reacionários mostra um saudosismo doentio por momentos obscuros do Brasil: um padrão de mercado de trabalho anterior a 1930, e que o Executivo e o Legislativo buscam recuperar com as reformas trabalhista e previdenciária, além do estrangulamento social do "teto dos gastos públicos".

Socialmente, as pessoas tentam, quando muito, girar o relógio para 1970 ou 1974, e não é à toa que o evento da Copa do Mundo FIFA de 2014 parecia, para muitos, uma chance de "reviver o Tri". Usinas como Belo Monte e hidrovias em construção no Mato Grosso também lembram os "imponentes" projetos "desenvolvimentistas" da Era Médici.

O rentismo dos grandes bancos e das empresas de grande porte, principalmente as multinacionais, também refletem o perigoso espírito do tempo dos dias atuais, em que uma parcela considerável de brasileiros, mesmo de classe média, aceita que nossas riquezas sejam entregues a empresas estrangeiras. Lembra 1500, perdendo o pau-brasil para o comércio nas Índias...

Estamos numa situação que é comparável ao das galinhas fazendo campanha para a raposa controlar o galinheiro ou, em alguns aspectos radicais, para que o lobo venha cuidar do alojamento das galinhas. O frango não pode ser responsável porque é "corrupto" e os radicais querem que o lobo cuide do galinheiro porque "tem austeridade". Jair Bolsonaro?

Hoje já se fala em censurar a Internet, de um lado, enquanto, de outro, ocorre a libertinagem de valentões da Internet em criar páginas de ofensas contra quem discorda do "estabelecido". Em ambos os casos, as pessoas de bem saem prejudicadas, porque não poderão criar páginas ou armazenar conteúdo que vai contra "certas normas" e também não podem controlar os abusos de quem as ofendem de maneira mais agressiva e destrutiva.

Voltando ao machismo, até a vida da mulher solteira é ridicularizada pelo poder midiático, de maneira sutil e imperceptível. A solteira é humilhada pelas páginas de entretenimento "popular", porque é vista como uma "vadia" que só curte noitadas ou fica se sensualizando por aí. É uma mulher capaz de encher bustos e glúteos de silicone e tatuar o corpo, mas é incapaz de ter referenciais culturais de boa qualidade, não tendo escrúpulos de cometer sérias gafes intelectuais.

A emancipação feminina tem que ser duplamente negociada com o machismo. Ou a mulher busca aprimoramento intelectual e cultural sob a vigilância de um marido empresário ou de algum tipo de liderança, ou ela segue a cartilha machista da hipersexualização ou da devoção do lar sem precisar viver sob a sombra sequer de um pretendente.

Daí que existem aberrações como modelos, jornalistas e apresentadoras de TV que, casadas, aparecem quase todo o tempo sozinhas. Podem estar "muito bem casadas" e ao mesmo tempo quase nunca aparecer na companha do marido, porque os "negócios" dele permitem uma "solidão" a dois e um convívio conjugal bastante restrito, limitado a eventos de extrema formalidade e o breve convívio noturno doméstico do jantar e do sono, e os passeios com os filhos.

Por outro lado, há, no âmbito do "popular", mulheres siliconadas que escondem namorados e maridos, por causa daquela regra de mercado de que "solteiro vende mais", bancando as "encalhadas" só para atrair mais seguidores na sua conta do Instagram e vender mais CDs, no caso delas serem também "cantoras" (geralmente de "funk"). Há casos de siliconadas que inventam uma dengue ou pneumonia para ver seus maridos, que vivem em locais distantes e nunca revelados.

Esse cenário que, em casos extremos, é marcado pelas convulsões sociais, surtos de conflitos humanos que, em parte, servem para proteger ou impor valores e medidas reacionários, embora haja também convulsões que atingem a própria plutocracia, até porque, como todo conflito, também os algozes não são poupados, até porque eles pagam o preço por irem "longe demais" em vários momentos.

A verdade é que, perto de 2019, o "espiritismo" brasileiro se derrotou diante de tão precipitadas predições, de que o país estaria rumando a um progresso magnífico para liderar o concerto das nações e promover a evolução humanitária. Em vez disso, só o limite dos gastos públicos imposto pelo governo Temer para duas décadas causará enormes prejuízos sociais e servirá de pano de fundo para muitas tragédias e incidentes gravíssimos resultantes de tantos e tantos retrocessos sociais.

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