quarta-feira, 11 de maio de 2016

Governo Michel Temer: República Velha rediviva?


Diante da campanha pelo impachment de Dilma Rousseff, cujo processo aprovado na Câmara dos Deputados foi barrado pela imprevista decisão do presidente interino, Waldir Maranhão (PP-MA), criou uma confusão política sem solução, até o momento da edição deste texto.

Há tempos anuncia-se o fim do governo de Dilma Rousseff, no seu segundo mandato como presidenta da República. Diante de uma crise econômica que, na verdade, é um reflexo da crise do mundo capitalista, Dilma, seu antecessor Lula e o Partido dos Trabalhadores tornaram-se bodes expiatórios de uma série de crises que culminou na campanha do impeachment.

O desejado novo titular, Michel Temer, vice de Dilma nos dois mandatos, revelou-se um político conservador, não bastasse ele ser um patriarca à moda antiga, um marido de uma mulher 43 anos mais jovem com uma relação conjugal típica do século XIX.

Como político do PMDB, o advogado paulista Temer também reflete o perfil asséptico do partido, na verdade o único remanescente da ditadura militar - é o antigo MDB, apenas com a letra P, de "partido", acrescida à sigla - , cujo projeto político não era muito definido, oscilando entre um populismo paliativo e um liberalismo austero.

A ascensão de Temer, antes um "decorativo" vice-presidente cujos eventuais momentos como presidente em exercício se deu desde o governo Fernando Henrique Cardoso, na condição de presidente da Câmara dos Deputados, se dá dentro de uma retomada conservadora da sociedade brasileira, que já tinha frágeis conquistas no âmbito progressista.

Era um Brasil que, culturalmente, lutava para manter paradigmas da ditadura militar, como o comercialismo da música brega e do sensacionalismo midiático "popular", através de pastiches de ritmos regionais brasileiros - o "sertanejo", por exemplo, parodia a música caipira - , musas siliconadas e apresentadores de programas policialescos de TV.

Esse mercantilismo populista era empurrado para a aceitação forçada de ativistas de esquerda, sob influência de intelectuais originalmente vinculados ao PSDB, como o jornalista paulistano nascido no Paraná, Pedro Alexandre Sanches - curiosamente, conterrâneo do juiz midiático Sérgio Moro - , travando os debates sobre cultura popular e obrigando o povo pobre a se submeter a paradigmas de pobreza, ignorância e inferioridade social, como morar em favelas e praticar a prostituição.

Embora travestida de "progressista", essa campanha em favor da bregalização cultural - feita com a ajuda de monografias e documentários - defendia uma imagem caricatural do povo pobre, "idealizada" por interesses mercadológicos e até político-ideológicos, usando o entretenimento popularesco para desmobilizar as classes populares sob a desculpa de que a diversão "já é um ativismo" em si, devido ao "mau gosto" e à "provocatividade".

Esse cenário cultural era um complemento ao poderio midiático que, mesmo ameaçado - a Rede Globo, por exemplo, perde audiência e a Veja tem um histórico recente de milhares de exemplares encalhados, influindo na crise empresarial do Grupo Abril, que desfez de boa parte de seu espólio - , aumentou seu poder de influência através de uma campanha difamatória contra Dilma, Lula e o PT.

Havia também o vandalismo na Internet através dos chamados "troleiros", espécie de "cães de guarda" de valores e fenômenos vigentes na mídia, na política e no mercado, que humilhavam pessoas que discordavam desses paradigmas. Juntamente ao zelo por valores retrogrados, os troleiros também defendiam valores racistas e machistas, causando problemas até em gente famosa.

Suas práticas, como divulgar mensagens ofensivas em série, com diferentes pessoas despejando mensagens num mesmo horário combinado, eram conhecidas como cyberbullying, e seus responsáveis acabaram chamando a atenção da polícia, por conta do teor violento dessas postagens. Alguns, mais atrevidos, chegavam mesmo a criar blogues ofensivos contra as vítimas.

A ação dos troleiros - cuja ascensão, ainda no primeiro mandato de Lula, era dissimulada por um falso esquerdismo feito para conquistar a simpatia de jovens mais avançados - impulsionou as passeatas anti-Dilma, que se multiplicaram no país, criando personagens insólitos como Batman do Leblon (que misturava o traje do herói estadunidense com um cocar de índio brasileiro) e mascotes como o Pato da FIESP.

Combinando a ação de troleiros, intelectuais pró-bregalização e jornalistas reacionários, criou-se então um contexto para enfraquecer o governo Dilma Rousseff e afastar o PT do cenário político nacional. através de um processo de inquéritos confuso e precipitado, a Operação Lava-Jato, que revelou o sucesso midiático do jovem juiz Sérgio Moro.

Diante disso, uma histeria anti-PT cresceu e usou como pretexto a crise econômica - na verdade, reflexo de um cenário mundial, combinado com os gastos excessivos do empresariado para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016 e o confisco do dinheiro pelas elites - para pedir a queda de Dilma.

Com isso, entra em cena o governo de Michel Temer e há muito é anunciado seu programa de governo, com propostas que supostamente não afetarão as conquistas sociais, mas irão impor "muitos sacrifícios", o que significa, por exemplo, um declínio da política salarial e das relações de trabalho, em que os interesses patronais terão maior prioridade sobre o dos trabalhadores.

Investimentos na Educação e na Saúde também podem ser reduzidos, não fosse o suficiente tais setores serem sempre os que menos recebem recursos públicos. Privatizações poderão atingir instituições públicas estruturais, num contexto em que o setor de telefonia, carro-chefe das privatizações dos governos de FHC, demonstram serviço bastante deficitário, ameaçando restringir as conexões de Internet.

Fala-se que o governo de Michel Temer adotará pautas apoiadas pelo político carioca Eduardo Cunha, que perdeu a função de presidente da Câmara dos Deputados e teve suspenso seu mandato de deputado federal pelo hoje decadente Estado do Rio de Janeiro, por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Aspectos da terceirização do mercado de trabalho - que promete aumentar empregos com a diminuição de salários, eliminação de encargos e fim das punições e de custos contra os abusos patronais - serão adotados por Temer, mesmo com o afastamento da influência de Cunha, aceito pelo establishment como um agressivo opositor de Dilma Rousseff, mas descartado diante do risco do então presidente da Câmara perder o controle e ir longe demais com sua prepotência política.

Fala-se em retrocesso em relação a muitas conquistas trabalhistas. A Consolidação das Leis de Trabalho, lançada em 1943 por Getúlio Vargas, será prejudicada em muitos pontos. Conquistas progressistas sofrerão recuo. Preços poderão aumentar drasticamente, prejudicando o abastecimento de famílias e indivíduos em geral. A classe média corre o risco de se pauperizar.

Muitos perguntam se o governo de Michel Temer será a República Velha rediviva. A farra política dos decadentes Estados do Rio de Janeiro e São Paulo poderá reproduzir a "política do café-com-leite" de 100 anos atrás. O paulista Temer e o prepotente e neocoronelista PMDB carioca, não mais representado por Cunha, mas dando um jeito para exercer alguma influência forte, mesmo indireta.

O que se sabe é que a crise do governo Dilma Rousseff não acabará. Pode acabar o governo, mas a crise continua, até pelo golpe político que foi feito sob o simulacro da legalidade e da ação do Judiciário.

A farra pelo fim do comando do PT no Governo Federal dará lugar a uma ressaca sócio-política que inevitavelmente criará decepções futuras e deixará a sociedade conservadora à mercê de novos impasses. Até porque a reconquista do poder lhe significará novas cobranças e responsabilidades.

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