sábado, 28 de maio de 2016

A esperteza de Chico Xavier diante dos herdeiros de Humberto de Campos


Ficamos pasmos em ver o quanto determinados oportunistas conseguem obter a imunidade absoluta no Brasil, uma ilusão de impunidade plena e absoluta que se vale sobretudo pela complacência de multidões e o silêncio das leis.

É certo que Francisco Cândido Xavier tomou um violento choque ao retornar ao mundo espiritual, decepcionado com a recepção, ou melhor, com a falta de recepção que teve no além-túmulo, o que mostra o quanto as fantasias religiosas alimentam vaidades piores do que as de muitos aristocratas, que não obstante têm mais consciência de seus erros que muitos figurões sagrados do "espiritismo" brasileiro.

Mas, enquanto esteve na Terra, Chico Xavier se beneficiou de sua esperteza, ao lado da engenhosidade de seu mentor terreno, o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, e, mais tarde, da cumplicidade das Organizações Globo, que deixaram a hostilidade ao "médium" de lado e passaram a vê-lo como um instrumento de manipulação religiosa.

As pessoas não conseguem perceber que são manipuladas pela Rede Globo. Se Chico Xavier é um mito considerado "intocável" por muitas pessoas, deve-se agradecer à Rede Globo. Não há como exaltar Chico Xavier e não exaltar a Rede Globo. Por conseguinte, não dá para exaltar Divaldo Franco se mantém uma postura adversa à Rede Globo.

Foi a Globo, por exemplo, que forneceu os paradigmas de "bondade" e "caridade" que conhecemos. A Globo tem a arte de mexer no inconsciente coletivo e influir até no inconsciente de parte dos seus detratores. A gíria "balada" é um exemplo. O fanatismo pelo futebol carioca e a adoção do clube espanhol Barcelona pelos torcedores brasileiros são outros exemplos.

As pessoas se comportam como se saíssem de uma sessão de hipnose. Saem sem ter a menor impressão de que foram hipnotizadas. E Chico Xavier foi um dos maiores ilusionistas do Brasil. Ele teria sido um fã de circos, do processo de hipnose, da leitura fria e do ilusionismo mágico.

A maior mágica que o ilusionista Chico Xavier fez foi seduzir as pessoas. Numa reportagem do jornal O Globo de 1935, quando ele era apenas um paranormal e a empresa de Roberto Marinho não tinha a posterior hostilidade ao "médium", este já demonstrava um semblante assustador, olhando de frente, com um semblante bastante pesado.

O esperto mineiro já demonstrava seus dons hipnóticos. Chico Xavier comia quieto na hora de atrair apoio da sociedade, e sua gradual esperteza, "turbinada" com os truques de marketing de Wantuil, e, mais tarde, com a necessidade da Rede Globo criar um ídolo religioso para amansar o povo que estava fulo da vida com a ditadura militar, o fez ser visto como um quase Deus pelos brasileiros.

Um exemplo da esperteza de Chico Xavier tem como vítimas os herdeiros de Humberto de Campos. Chico não havia gostado dos comentários do autor maranhense sobre Parnaso de Além-Túmulo, uma resenha dividida em duas partes no qual o "reconhecimento" de Humberto da suposta veracidade psicográfica soa uma leve ironia.

Em vez de Humberto glorificar Chico Xavier pelo seu feito, o autor de O Brasil Anedótico reclamou da concorrência que seriam as obras atribuídas aos autores do além-túmulo em relação à obra produzida pelos vivos. A resenha de duas partes foi publicada em 1932.

Dois anos depois, o próprio Humberto ficou seriamente doente. Parecia envelhecido, mas tinha só 48 anos de idade. Faleceu em 1934 e foi aí que Chico Xavier começou a pensar num meio de reagir àquela resenha que ele não gostou.

Chico então inventou um sonho, cuja narrativa é completamente tola de tão simplória. Foi em 1935, em conversa com um amigo. Chico narrou um suposto sonho no qual o "médium" via uma multidão e, dela, saiu o escritor, que teria perguntado ao mineiro: "Você é o menino do Parnaso? Prazer! Sou Humberto de Campos".

É ilustrativo que Chico Xavier usava sonhos para tentar convencer as pessoas de supostas missões em sua vida. Em 1986, ele teria dito a Geraldo Lemos Neto um sonho de 1969 sobre uma suposta reunião de espíritos governantes (?!) do Sistema Solar, incluindo Jesus Cristo, preocupados com a ameaça de uma Terceira Guerra Mundial. Este sonho deu origem à suposta profecia da "data-limite".

Chico Xavier resolveu desenvolver um Humberto de Campos diferente do original. Com a ajuda de Antônio Wantuil e outros colaboradores da equipe editorial da FEB, eles escreveram as obras que levavam o nome do autor maranhense com um estilo bastante diferente do deixado em vida.

Se o Humberto de Campos que esteve entre nós tinha uma prosa fluente, culta mas acessível, com narrativa dinâmica e quase cinematográfica e um texto quase sempre descontraído, o suposto espírito tinha uma prosa muito pesada, pretensamente erudita e empolada, mas com sérios vícios de linguagem (há muitos cacófatos, por exemplo, como "que cada" e "chama Maria"), uma narrativa cansativa e um texto deprimente e melancólico.

Mesmo que o espírito Humberto tivesse se entristecido muito com a morte prematura, ele nunca escreveria do jeito que se atribui nos livros lançados por Chico Xavier. Está muito claro que Humberto não escreveu esses textos, que em muitos momentos revelam não só o estilo pessoal do "médium" (mesclado com os estilos prováveis de seus parceiros, como Wantuil), mas também defendia posturas pessoais de Chico, como a Teologia do Sofrimento.

Até hoje ninguém oficialmente veio declarar que Chico Xavier era o defensor da Teologia do Sofrimento, tal qual se faz, no exterior, sobre Madre Teresa de Calcutá. É até curioso isso, porque Chico e Madre Teresa, tão comparados um com o outro em coisas boas, não recebem essa comparação quando se trata de aspectos sombrios como este.

A disparidade de estilo tornou-se evidente. Tão evidente que veio então um processo movido pelos herdeiros de Humberto, a viúva, Dona Catarina Vergolina e os filhos, Henrique e Humberto. A irmã dos dois rapazes, Maria de Lourdes, apenas apoiou o processo, mas não se envolveu nele.

O processo colocou Chico Xavier e a FEB no banco dos réus, e foi um dos episódios que, recentemente, causam a choradeira dos "espíritas", sempre afeitos a promover o coitadismo em torno do "médium", transformado num falso Cristo a se promover às custas da oposição alheia, criando um sentimento perigoso chamado "triunfalismo", uma espécie de arrogância na qual uma pessoa se sente vitoriosa pelas derrotas que sofreu.

E aí, vemos o que deu no meio jurídico. O aspecto do direito autoral de uma obra psicográfica era um tema desconhecido dos juristas brasileiros em 1944. Neste sentido, o caso Humberto de Campos, muito noticiado na época, abriu precedente para futuras análises. Mas se a Justiça de hoje é muito falha, tomada por gente parcial como Sérgio Moro e delinquentes como Gilmar Mendes, imagine então sete décadas atrás!

ARMADILHA DAS "MENSAGENS DE AMOR"

O caso deu num empate. Até Humberto de Campos Filho admitiu isso. Mas, como se observa em certos campeonatos esportivos, em que um empate faz de um time em vantagem um vencedor, Chico Xavier saiu em vantagem. A esperteza dele, espírito traiçoeiro que em seus 92 anos de vida trabalhou sua vaidade como ídolo religioso absoluto, viu no caso de 1944 um impulso para seus interesses pessoais.

Imagine alguém que era um mero caipira, funcionário público, católico conservador com dons paranormais, figura sem a menor importância e que, naturalmente, só seria lembrada hoje como um verbete do Guia dos Curiosos ou de alguma enciclopédia de fatos pitorescos, que passou a ser visto como um quase Deus, tornando-se oficialmente uma unanimidade nacional.

Tudo isso foi ideologicamente construído. Como um enredo de novela da TV. É assustador que os brasileiros costumam raciocinar a realidade como se fosse um episódio de novela, e lágrimas são derramadas à toa com a piegas e inconsistente ideia de um "médium" supostamente perseguido, dramaticamente atacado por críticos e analistas vistos como "vilões cruéis".

Pouco importa se a lógica e a coerência estão do lado de críticos literários sérios e competentes, que com muita razão e conhecimento de causa questionam a veracidade de supostas psicografias atribuídas a autores literários. A infantilidade dos adeptos de Chico Xavier insiste em ver nessas críticas atos de perversidade e perseguição a um "homem de bem".

Aí vemos posturas desiguais em relação ao Primeiro Mundo, curiosamente "condenado" pela suposta profecia da "data-limite". O Primeiro Mundo condenaria sem hesitação pretensas psicografias desse tipo, que abertamente contrariam os estilos originais dos autores alegados. Não havia desculpa de "bondade", "mensagens de amor" ou coisa parecida que salvasse a credibilidade dessas obras.

Aqui é que prevalece uma postura condescendente. Aqui é que a ideia de lógica e coerência é atacada pelo juízo de valor dos deslumbrados da fé religiosa. A armadilha das "mensagens de amor", por mais que sustentem graves mentiras e fraudes, faz prevalecer o místico e o fantasioso sobre o real e o lógico, pouco importando se o açúcar das palavras tempere o veneno das mistificações traiçoeiras.

A MÃE DE HUMBERTO ESTAVA "NO PAPO"

E aí o que se viu, no caso de Chico Xavier? Ele já tinha "no papo" a mãe do autor maranhense, Ana de Campos Veras, que, tomada de sentimentalismo, foi seduzida pela aura de "bondade" e "afeição" pela esperteza do "médium".

Sem verificar os aspectos das supostas psicografias, até porque nem sempre familiares se tornam especialistas dos entes queridos falecidos, Ana ainda mandou uma foto do filho acrescida da seguinte mensagem: "Ao prezado sr. Francisco Xavier, dedicado intérprete espiritual do meu saudoso Humberto, ofereço com muito afeto esta fotografia como prova de amizade e gratidão".

Depois, em 1957, Chico Xavier armou uma estratégia ao saber, previamente, que Humberto de Campos Filho iria visitá-lo. Humberto, por curiosidade, já estava frequentando "centros espíritas" e, como figura de televisão, tinha amigos que aderiram ao "espiritismo" brasileiro.

Chico já estava colaborando com um "centro espírita" em Uberaba, a Comunhão Espírita Cristã, bem antes de se instalar definitivamente na cidade onde ele visitava muito há um bom tempo. Era parceiro de um jovem "médium" de lá, Waldo Vieira, desde que este era ainda muito jovem.

Há indícios de que Waldo, fã de revistas de ficção científica, tenha dado sugestões para Chico rechear Nosso Lar de feições "futuristas", até para diferir do evidente plágio do livro do inglês George Vale Owen, A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), livro aliás já publicado no Brasil pela FEB. André Luiz teria ganho traços mais definidos pela imaginação do menino-prodígio Waldo.

E aí houve todo um teatro. Humberto de Campos Filho, o sujeito que ligeira mas firmemente dizia que as obras "psicográficas" nunca teriam escrito pelo pai, foi chamado pelo "médium" que comandava a doutrinária.

Aí os dois se abraçaram chorando (sempre as lágrimas!) e Chico foi logo apresentar as atividades "filantrópicas" - a tal "revolução da sopinha", com cozinheiras preparando a "sopa dos pobres" num galpão aberto nas laterais - e, depois, apresentar um velhinho humilde que estava triste e, após receber um sussurro de Chico Xavier, passou a sorrir. Humberto Filho caiu na mesma armadilha que sua avó.

Muito simplório. E mostra o quanto Chico Xavier era esperto. Essa ocorrência de sedução de Humberto de Campos Filho, atraindo a confiança dele, ocorreu um ano antes do sobrinho de Chico denunciar as fraudes do tio e foi vítima de uma estranha campanha que resultou em tragédia.

Só no Brasil que, recentemente, condena Lula e Dilma Rousseff sem comprovação de crime e transforma os dois nas poucas pessoas que podem ser caluniadas, pode-se deixar passar em branco o caso de Amauri Xavier, vítima de calúnia e difamação de parte de quem justamente diz reprovar todo tipo de ato neste sentido.

Foi Amauri anunciar que iria denunciar todas as irregularidades do tio e outros figurões "espíritas". que depois inventaram coisas absurdas sobre ele, além de humilhações pesadas trazidas por escritores "espíritas" tomados de um aparentemente inconcebível surto de ódio e de rancor.

Amauri era acusado até de ser falsificador de dinheiro, só faltando acusá-lo de ter atirado a bomba atômica em Hiroshima e Nagazaki. E, com um vício limitado ao consumo de álcool - não havia indícios que ele consumisse entorpecentes ou remédios fortes de prescrição médica - , Amauri teria falecido aos 27 anos, idade estranha para um mero vício alcoólico, já que os alcoolistas tendem a morrer geralmente na virada dos 30 para os 40 anos. Teria sido Amauri envenenado por alguém?

Chico Xavier acabou aceitando a perda do sobrinho. Mas, neste caso, ele acabou consentindo com os algozes do rapaz. Uma grande crueldade entre muitas, nunca devidamente assumidas, do "iluminado médium". Mas também o esperto paranormal de Pedro Leopoldo, forçado a arrumar as malas para Uberaba, onde viveu o resto de seus dias, já tinha um país sob seu controle.

E a mãe e o filho de Humberto de Campos já foram conquistados "no papo". E assim Humberto de Campos foi o primeiro escritor cuja apropriação indébita de seu nome e prestígio foi não só consentida mas estimulada e aceita até hoje. Com todas as comprovações de que Humberto nunca teria escrito tais obras "espirituais".

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