sexta-feira, 4 de novembro de 2016
Globo pode fazer parceria com "movimento espírita" para enfrentar Crivella e Record
A senha foi dada semanas atrás. Se valendo do carisma e da alta visibilidade da atriz Camila Pitanga, estrela da controversa novela Velho Chico, ela foi indicada por alguém da emissora para agradecer à sobrevida a um acidente que matou seu colega de cena, Domingos Montagner, viajando para um distante "centro espírita" em Goiás.
Em tese, a ideia era recorrer ao "médium" João de Deus - aquele que não teve coragem de fazer autocirurgia para retirada de um câncer (talvez ele precisasse de umas aulas com o espírito do dr. Leonid Rogozov) - apenas para Camila agradecer o fato de estar viva.
No entanto, não se acredita que ela tenha feito promessas a qualquer ente "espírita" e, além disso, ela é ateia e ideologicamente de esquerda. O "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, é rico proprietário de terras e é blindado pela mídia direitista, tendo sido capa da revista Veja, conhecida por suas posturas extremamente reacionárias.
O próprio "movimento espírita" sempre se alinhou para a direita, vide o exemplo de Francisco Cândido Xavier. A atitude de Chico Xavier sempre foi explícita, por conta de suas ideias moralistas, calcadas na medieval Teologia do Sofrimento católica, e, além disso, defendeu a ditadura militar e esculhambou, diante de uma grande plateia e milhares de telespectadores, movimentos organizados por pessoas humildes como operários e camponeses.
Recentemente, o mais festejado "médium" do movimento, Robson Pinheiro, iniciou uma série de livros supostamente psicografados que tentam dar uma "base espiritual" aos preconceitos que o astro da literatura "espírita" tem em relação ao PT e aos movimentos esquerdistas, atribuindo a mentira de um suposto gangsterismo político, reforçando mentiras descaradas que, no Brasil, são lançadas pelas páginas emporcalhadas da revista Veja.
Livros como O Partido - Projeto Criminoso de Poder e A Quadrilha - Foro de São Paulo (Foro de São Paulo é nome de um congresso de partidos esquerdistas latino-americanos ocorrido em 1990 e realizado pelo Partido dos Trabalhadores) revelam que, não bastassem as lorotas que se bombardeiam contra Lula e Dilma Rousseff, ainda se atribui a eles e a líderes como Nestor e Cristina Kirchner, Evo Morales, Hugo Chavez e Nicolas Maduro (Nestor e Hugo já estão no além) malignas influências espirituais.
Só que Robson Pinheiro deu um tiro no pé quando atribuiu às manifestações anti-Dilma suposta intuição de espíritos superiores. Tais manifestações têm como organizadores grupos como Revoltados On Line. O "espiritismo" diz abominar a revolta humana.
Além disso, as "iluminadas" manifestações eram feitas por gente que demonstrava profundo ódio político e exibia até suásticas nazistas, defendia o golpe militar contra Dilma e alguns manifestantes chegavam a cometer grosserias como baixar as bermudas e exibir os traseiros. Duas senhoras foram vistas descansando com um cartaz escrito "Por que não mataram todos em 1964?".
POR QUE "ESPIRITISMO" E NÃO CATOLICISMO?
Com a vitória de Marcelo Crivella, "bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, para a Prefeitura do Rio de Janeiro, município que foi o berço da Rede Globo de Televisão, a empresa da família Marinho terá que ter muita cautela na hora de fazer oposição ao novo prefeito.
Isso porque a Globo não pode se opor a Crivella como se opõe, por exemplo, a Lula e Dilma Rousseff. A menor tentativa pode representar uma reação enérgica da Rede Record, que rebaterá na forma de reportagens escandalosas contra a Rede Globo.
O crescimento da Record e da Igreja Universal no Rio de Janeiro pode significar um dilema difícil para a Globo. Além disso, a ascensão da religião evangélica terá que fazer com que a Globo tenha que fazer concorrência sem parecer escancarada na competição.
Daí que o Catolicismo poderá até ser usado pela Globo, mas apenas eventualmente. Nota-se que a Globo anda usando mais o "movimento espírita" do que a Igreja Católica para sua dramaturgia religiosa, até pela roupagem aparentemente modesta e descompromissada que os "espíritas" apresentam, além do fato do "espiritismo" brasileiro ter praticamente o mesmo conteúdo doutrinário do Catolicismo, em muitos casos sendo mais católico do que os católicos propriamente ditos.
De 2010 para cá, dos filmes religiosos co-produzidos pela Globo Filmes, apenas Maria Mãe do Filho de Deus, de Moacyr Góes, se destacou. Os demais são "espíritas", dois deles ligados a Chico Xavier, como Chico Xavier - O Filme e As Mães de Chico Xavier, além de ...A Vida Continua e Nosso Lar, baseados em livros atribuídos ao "espírito André Luiz".
As Organizações Globo há muito desfizeram as antigas impressões sobre Chico Xavier, a primeira como um exótico paranormal - quando uma edição de O Globo de 1935 mostrava o "médium" olhando de frente, trazendo um semblante assustadoramente trevoso - e a segunda como um herege (Chico Xavier era um católico de ideias ortodoxas, mas, como paranormal, tinha algumas práticas heterodoxas), e viram como um bom propagandista religioso conservador.
Desta forma, depois que os Diários Associados se desfizeram de boa parte de seu espólio - a TV Tupi foi extinta e a revista O Cruzeiro entregue a outros editores, que criaram uma linha editorial distante dos tempos áureos - , o "movimento espírita", que iniciava sua fase dúbia (bajular Allan Kardec mas praticar igrejismo), teve que apelar para a Globo para uma nova blindagem a Chico Xavier.
E aí a Globo e a FEB foram favorecidos pelo mito de Madre Teresa de Calcutá, construído por um documentário britânico, Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), que o jornalista católico Malcolm Muggeridge fez em 1969, criando os paradigmas do que o público médio conhece como "exemplo máximo de caridade e amor ao próximo".
Tudo o que o documentário fez sobre Madre Teresa (na verdade acusada de maus tratos contra supostos assistidos) foi copiado para relançar o mito de "grande filantropo" de Chico Xavier: um marketing religioso era desenvolvido às custas de clichês de uma caridade que mais fascinava do que realmente ajudava o próximo. Uma caridade paliativa, que em verdade ajudava muito pouco.
Isso ocorreu no final da década de 1970 e havia a crise da ditadura militar, causada pelo fracasso do "milagre brasileiro". A mídia precisava domesticar a população, evitando mobilizações intensas, e a Globo viu em Chico Xavier a pessoa certa para esse processo de manipulação de corações e mentes.
Por outro lado, a ascensão de R. R. Soares e Edir Macedo, que aos poucos arrendavam horários para seus cultos eletrônicos, poderia fazê-los novos imperadores midiáticos, neutralizando o poder da Globo, que usou Chico Xavier (e todos os elementos ideológicos importados de Muggeridge) na tentativa de barrar o crescimento dos "pastores eletrônicos".
E olha que foi só em 1990 que a Rede Record foi adquirida por Edir Macedo (tio de Crivella) e o "movimento espírita" já fazia seu jogo duplo, de fingir apreciação "autêntica" do legado de Kardec enquanto mostrava um conteúdo escancaradamente catolicizado, através de Chico Xavier e Divaldo Franco, este também blindado pela Rede Globo, que o considerou "maior filantropo do país" sem ajudar sequer 0,1% da população brasileira.
A opção do "espiritismo" e não do Catolicismo se dá pela Globo para evitar que a Record aponte proselitismo religioso na "máquina global", já que os "espíritas" trazem consigo um verniz de modéstia e descompromisso que dissimulam bem o apelo religioso. Através do "espiritismo", a Globo é religiosa sem parecer explicitamente como tal.
Com a ascensão de Crivella, da Igreja Universal e da Record, a Globo poderá mexer os pauzinhos e apelar ainda mais para o "espiritismo", criando novelas ou fazendo com que seus contratados visitem "centros espíritas", como forma de propaganda tanto para a doutrina quanto para a empresa dos Marinho.
E isso não pode ser entendido como a disputa da "bondade espírita" contra o "mal neopentecostal", mas uma mera disputa religiosa sem maniqueísmos, mas com intenso e traiçoeiro jogo de interesses dos dois lados.
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