quarta-feira, 16 de novembro de 2016
Brasil virou a ditadura das desculpas
Sabe-se que no Brasil as forças sociais mais retrógradas, dos mais diversos tipos, retomaram o poder, tanto pela capacidade de articulação e sustentação quanto pela capacidade de usar desculpas nobres para atitudes mesquinhas.
Isso não indica que as forças retrógradas estão sintonizadas com os novos tempos ou que elas dispõem de uma visão objetiva que é necessariamente garantida por diplomas, dinheiro, fama, poder ou um simples acúmulo de anos de vida. Pelo contrário. É nessas pessoas que o perecimento social e moral se torna ainda mais aberrante, e o que lhes salva são as desculpas habilidosas dadas.
Se vê desculpa pronta para tudo. Até nas redes sociais, os midiotas costumam ter uma justificativa pronta para as piores aberrações. Em muitos casos, porque "não é lá aquela maravilha, mas é melhor do que nada", "melhor isso do que aquilo" ou "até que está bom demais, pensando bem".
Todos querem bancar os "intelectuais" e "filósofos" para atender suas vaidades e ignorâncias pessoais. E na sociedade que recuperou o poder à força, nos últimos meses, tentando fazer o Brasil voltar para trás - o governo do presidente Michel Temer lembra o do general Ernesto Geisel só que caminhando para trás, em direção a Médici e ao começo do AI-5 - , apela para todo tipo de justificativa para sustentar as piores coisas com as melhores argumentações.
O Brasil está caótico, decadente, mofado, e as forças retrógradas diversas, que incluem de racistas a obscurantistas religiosos, tentam manter a supremacia que nunca foi eliminada completamente. Viviam num mundo paralelo que agora querem impor até mesmo à própria realidade, se preciso atropelando a ética, a lógica, as leis, a justiça social e a todo tipo de coerência.
Mais do que em outros tempos, que permitiam voos mais conservadores, hoje as elites perderam o medo de "chutar o pau da barraca". Uma imprensa que mente, um Judiciário que manipula as leis em causa própria, uma religião como o "espiritismo", que já faz apologia ao sofrimento humano e apela para os sofredores se conformarem com as próprias desgraças, e até pais de família que já não querem que os filhos vençam na vida, mas que apenas enfrentem sacrifícios.
Isso virou uma coisa surreal, e até a ex-presidenta Dilma Rousseff viveu um drama típico de um livro de Franz Kafka. Assim como, em O Processo, Josef K era processado sem crime, Dilma foi processada e perdeu o poder sem ter cometido crime algum, seu "crime" não passou de acusações levianas e sem provas tomadas como "verdade absoluta" mediante paixões políticas nem sempre claramente assumidas.
O balé das palavras bem organizadas faz com que ignorantes se autoproclamem "inteligentes", mentirosos digam "falar a verdade", corruptos de direita (que nunca são devidamente punidos) se julgarem "honestos", pessoas rasgarem as leis dizendo que as "respeitam", pais de família usarem o acúmulo de anos para dizer que "estão sempre certos" e religiosos ficarem sempre com a última palavra quando são acusados de mistificação.
Isso para não dizer sobre latifundiários que matam agricultores sob a desculpa da "defesa da propriedade" (em muitos casos, fazendas improdutivas que só servem como fortuna simbólica) ou machistas que matam suas esposas só porque elas pediram divórcio alegando a famosa "legítima defesa da honra".
Esse mundo está em sério perecimento mas as pessoas não querem que ele apodreça. É como um cadáver em estado de decomposição que as pessoas lutam para manter vivo. E isso só não parece inquietar as pessoas porque a retomada ao poder lhes dá uma aparente serenidade sustentada por velhas reputações de status quo, das mais diversas, sustentadas por uma bela retórica.
O que se observa é que nesta ditadura das desculpas as pessoas sempre usam alegações das mais nobres para defender causas, ideias ou práticas de valor duvidoso ou que não são tão benéficas quanto se parece. Pessoas que usam a idade, o dinheiro, a fama, a etnia, o diploma, o prestígio religioso, para se protegerem do risco de nem sempre estarem com a razão, de perder a posse da verdade a que se achavam predestinados.
É claro que, no discurso dos que se acham "donos da verdade", ninguém confessa abertamente tal condição. Mas o modo com que tentam argumentar revela a preocupação, sim, de ficar sempre com a verdade, por mais que tente desmentir tamanha pretensão.
Falam da "experiência de vida", da "formação acadêmica", da "tradição familiar", dos "votos dos eleitores", do "sucesso merecido" e até do "vínculo com Deus", numa luta desesperada para fazer prevalecer seus pontos de vista, por mais antiquados que sejam.
O problema é que hoje o Brasil, num rumo imprevisível para todo mundo, as pessoas com maior status quo é que estão vendo seu "mundo" ruir e, apenas por um breve período, conseguem segurar a queda de valores ultrapassados com a recente retomada do poder, em que ideias retrógradas retomam a vigência até pelo aparente apoio juvenil.
Mas, como um armário do alto da parede que está ruindo e cujo conteúdo cai pelo natural efeito da gravidade, a plutocracia brasileira perderá o controle de sua decadência, quando a aliança da grana e dos artifícios jurídicos sustentada por uma boa retórica for insuficiente para fazer prevalecer a validade de ideias, procedimentos e valores que se revelarão claramente ultrapassados.
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