sábado, 26 de novembro de 2016

É fácil o "espírita" dizer para o outro abrir mão do que quer. E o próprio "espírita"?


O "movimento espírita", nas suas pregações moralistas, demonstra seu vínculo com a Teologia do Sofrimento, o "caminho da felicidade" traçado pela longa jornada de desgraças acumuladas. É você ter que se dar mal na vida para chegar perto do "Alto", nem que seja desperdiçando encarnações e sacrificando a própria individualidade e seus talentos.

O "espiritismo" brasileiro acaba restringindo a noção de caridade. Só se pode ajudar três tipos de pessoas: os sofredores mais extremos, para evitar o ônus social do prejuízo mais grave, os arrivistas, que querem levar vantagem na marra, e os algozes, que estão no poder de forma abusiva e injusta.

É por isso que o caminho das desilusões chega a ser surreal. O problema não está nas desilusões, mas da forma como o "espírita" prega, que faz do desiludido não uma pessoa que aprende a lição amarga dessas ocorrências, mas de um escravo das ilusões alheias. O desiludido, em vez de criar novas perspectivas, é convidado até a voltar às velhas ilusões, apesar do sofrimento por elas dado.

O "espírita" parece um envaidecido moral. Ele se julga na posse da verdade, da palavra final, do melhor argumento, apenas porque se considera "ligado a Deus" e próximo do que ele acredita ser Jesus (que, sabemos, iria reprovar severamente o "espiritismo" que existe no Brasil). Por isso, para ele, tanto faz o moralismo que ele serve aos outros ser extremamente severo e cruel.

Nada como pregar a desgraça alheia usando belas palavras. É como se jogasse pimenta nos olhos dos outros e caprichasse no tempero. Mas o "espírita", malabarista da palavra, sempre usa desvios discursivos para dissimular a própria Teologia do Sofrimento, de maneira que ele não seja visto como alguém que faça apologia da desgraça alheia.

No primeiro momento, ele diz para a pessoa aceitar o sofrimento sem queixumes. Diante do primeiro questionamento, muda seu discurso, dizendo que o sofrimento não é sofrimento e sim um aprendizado. Questionado outra vez, ele diz para as pessoas abrirem mão dos desejos, que no seu juízo de valor são classificados como "inúteis". No outro questionamento, ele diz que há outros meios de obter felicidade etc. Assim fica difícil o "espírita" ficar com a palavra final e a posse da verdade.

Seu moralismo é bastante severo, mesmo com palavras dóceis, dadas em tom paternal. É muito fácil o "espírita", no seu conforto, diante do computador ou na bancada de sua palestra, protegido no seu prestígio religioso, pedir para as pessoas aceitarem o sofrimento, abrirem mão de seus projetos de vida e até da individualidade.

O "espírita" goza das mais perfeitas regalias. Ele pode até fazer falsidade ideológica, se recolhendo numa sala fechada, criando uma mensagem da própria mente, e inventar que foi um morto de sua escolha que escreveu. Uma mensagem de mershandising religioso, diga-se de passagem. O "espírita" sai quase sempre bem sucedido, e até os familiares que ele engana tornam-se fáceis de conquistar confiança plena, por causa da grife religiosa do "centro" em que trabalha.

Fica muito fácil fazer juízo de valor, moralismo retrógrado e tudo. A partir do exemplo de Francisco Cândido Xavier, ser "espírita" no Brasil garante a mais perfeita impunidade. Chico Xavier nunca passou de um pastichador de obras literárias e escrevinhador de cartas religiosas, além de católico ortodoxo e moralista ultraconservador, mas foi consagrado erroneamente como "progressista" e a ele atribuídas as maiores qualidades humanas, no fundo inexistentes, como o ativismo e a sabedoria.

E o "espírita", o que acha de sua situação? Fala-se tanto, na ideologia moralista, que o problema sempre está no "eu" e não no "outro". Mas o "espírita", como todo moralista religioso que é, deve se lembrar que, no seu discurso, ele é o "eu". Ele não pode mascarar seu discurso com falsa impessoalidade, porque ele é o que justamente será cobrado pelas cobranças que faz dos outros, muito mal disfarçadas pelo balé de palavras lindas e bondosas.

O "espírita" fala que o sofredor não está na Terra por turismo. E o "espírita", no seu turismo? Excursiona por várias cidades brasileiras, e em muitos casos ao redor do mundo, colecionando medalhas, condecorações, ganhando rios de dinheiro - que jura se destinarem "à caridade" e à "saudável sobrevivência biológica do 'espírita'" - e fazendo palestras para gente rica e esnobe.

O "espírita" fala que o sofredor tem que abrir mão de desejos, de necessidades, até de sua individualidade e seus talentos. Em certos casos, chega a dizer: "que mal tem um professor se vai passar o resto de seus dias como flanelinha de rua?". O "espírita" ignora que muitos planos de vida abortados pelo sofrimento insolúvel não foram feitos no capricho das fantasias infantis nem nos devaneios da luxúria e da fortuna, mas a custa de desilusões ou problemas mais antigos.

Fica fácil o "espírita" dizer a alguém com talento: "é isso que você realmente quer fazer?". Ou ao pobre rapaz que encontrou uma mulher de sua afinidade (não se diz paixão, mas afinidade de ideias, temperamentos etc) "quem imagina se essa mulher não é fonte de luxúrias extremas e perigosas?".

É muito fácil manejar as palavras, transformando perigos em benefícios e vice-versa. O "espírita" podia muito bem se referir à mulher-fruta e ex-mulher de perigoso miliciano como a "moça ideal" para rapazes modestos namorarem: "e quem não sabe que a pobre mulher que exibe seus glúteos aos olhos da plateia não faz isso para sustentar sua mãe e seus irmãos?".

No caso do ex-marido ameaçar o rapaz, o "espírita", meio "amigo da onça", pode dizer: "nada que o perdão e o diálogo não resolvam". O duro é promover o diálogo entre a palavra de um aflito assustado e o cano do revólver daquele que o ameaça. Mas para os "espíritas" a vida material não tem valor, uma visão materialista por crer ser inútil interferir na matéria bruta, e se o pobre rapaz morrer será "um anjo no caminho, ainda que longo, para o Céu".

E o "espírita", que vive os gozos mundanos da consagração religiosa, de uma ilusão materialmente construída de uma pretensa superioridade moral, através do respaldo de multidões seduzidas pelo espetáculo das palavras bonitas, o que dizer da necessidade de abrir mão dos desejos, muito mais ambiciosos do que ele próprio pode imaginar?

Ele tem um desejo mais abstrato e leviano que os que julga dos sofredores. O "espírita" que organiza seu balé de palavras quer o "Céu", se não de maneira apressada, mas pelo caminho menos longo possível. Ele se preocupa em multiplicar seus textos ilustrando-os com paisagens floridas, crianças sorridentes e pessoas olhando para o alto sorridentes e de braços abertos.

Ele se apressa em multiplicar os textos, se esforçando em ficar sempre com a razão nos argumentos. Procura sempre remodelar sua palavra, inicialmente dada num moralismo mais cru, tentando cozinhar com discursos benevolentes feitos para neutralizar o questionamento alheio e permitir que o próprio "espírita" fique com a posse da verdade, de forma a fazer crer que a desgraça que ele pregava era na verdade uma "pequena gincana" para obtenção "fácil" de "bênçãos futuras".

E o "espírita"? Ele não parou para pensar no conteúdo que ele prega? Que o "espiritismo" brasileiro foi construído pelos postulados de Jean-Baptiste Roustaing e depois mascarados por traduções deturpadas dos livros de Allan Kardec? Que o "espiritismo" brasileiro não passa de uma repaginação do velho Catolicismo medieval do Brasil-colônia trazido por jesuítas, no qual a novidade trazida por Kardec não passa de uma fachada novidadeira para algo velho e mofado?

E quanto aos desejos? Há garantia que o "espírita", no retorno à "pátria espiritual", gozará de tão esperada plenitude, se não ingressando imediatamente ao "banquete dos puros", mas ao menos reduzindo o trajeto para o Céu, sob a desculpa, carregada de falsa modéstia, de que "ainda tem muito o que fazer pelo próximo"?

Será que o "espírita" quer mesmo ir ao Céu? E o que ele realmente sabe do mundo espiritual? Kardec disse que era impossível, no tempo dele, supor o que seria o mundo espiritual. E, hoje, com o legado kardeciano empastelado por um roustanguismo mal fantasiado de "kardecismo autêntico", a atividade mediúnica empacou no faz-de-conta misturado com propagandismo religioso e o mundo espiritual se limitou à ficção em tons fabulosos do Nosso Lar.

E o que o "espírita" entende por sofrimento? Ele não imagina que planos de vida não são feitos por fantasias de infância? Que talentos e habilidades que foram comprometidos por infortúnios não foram desenvolvidos do nada, mas muitas vezes por antigos sofrimentos e impedimentos?

Para o "espírita", tanto faz que o sofredor seja um brinquedo das adversidades. No seu juízo de valor, o "espírita" cria um malabarismo de palavras para dizer ao sofredor se reinventar, deixar de ser o que é, afinal, o "espírita" adora pregar o mito do "auto-combate", a falácia do "inimigo de si mesmo".

E o "espírita"? Até quando ele é duramente questionado, ele não está na arena dos leões. Dentro do conforto do seu quarto, ele se vê desqualificado apenas por argumentos e não ameaças. Mesmo assim, ele investe no vitimismo na tentativa desesperada de recuperar a posse da palavra final.

O "espírita" não imaginou se caso viajar para Lyon, entrando num congresso da verdadeira Doutrina Espírita, ele possa ser desqualificado por alguém que o acusasse de ser "católico enrustido" e o mandasse viajar para o Vaticano. Ou será que os kardecianos aceitariam o papo mole dos "espíritas" brasileiros acharem saudável a "catolicização" sob a desculpa da "afinidade com os ensinamentos cristãos"

Hoje vemos os tempos em as pessoas com maior status quo estão cometendo mais erros, vários deles gravíssimos, preocupantes e vergonhosos. Embora tenhamos o cenário em que as forças dominantes retomaram o poder e buscam manter privilégios, nota-se seu esgotamento e seu perecimento acelerado, o que mostra que nem o prestígio religioso protege as pessoas. O tempo mostrará o quanto o lado de cima da pirâmide social sofre um rápido estado de decomposição.

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