segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Mudança nos ônibus da Zona Sul carioca indica risco de "limpeza social"


Mobilidade urbana usada como pretexto de "limpeza social"? Pois esse é o modo de governar do PMDB carioca, famoso por suas medidas autoritárias que vão contra as leis e o interesse público, e que em boa parte é responsável por uma série de retrocessos que fazem a decadência vertiginosa do Rio de Janeiro, ameaçando até mesmo o progresso do país.

Isso porque o Rio de Janeiro, ao lado de São Paulo - cuja decadência é promovida pelo PSDB e pelas heranças do malufismo - , é visto como centro de referência de valores e práticas a prevalecerem em todo o Brasil, culturalmente tidos como "modelos" a serem seguidos em diversos âmbitos das atividades humanas.

Pois na semana passada, foi anunciado um plano de reformulação de linhas da Zona Sul carioca que irá eliminar a ligação direta da Zona Norte com a Zona Sul. Se ela já era imperfeita e precária - não havia a ligação direta, por ônibus, de Cascadura e Madureira até Copacabana e Ipanema - , se tornará ainda mais complicada com as baldeações previstas visando o uso do Bilhete Único.

Decidida arbitrariamente pelo tecnocrata Alexandre Sansão, ex-secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro e hoje subsecretário de Planejamento, a mudança eliminará 33 linhas, retirará centenas de ônibus de circulação e substituirá por linhas "troncais" de BRT, que pela limitada quantidade não serão capazes de comportar toda a demanda das linhas desativadas.

A redução de linhas irá sobrecarregar o terminal da Central, para onde se destinarão as linhas de percurso reduzido. Cinco "troncais" se destinarão a cobrir as linhas desativadas diversas, com destino para o Centro, Alvorada e Recreio dos Bandeirantes.

Com a mudança, os passageiros que transitarem entre os subúrbios da Zona Norte ou de áreas como Cidade de Deus e Rio das Pedras terão que fazer baldeação para pegar outros ônibus, enfrentando o desconforto da superlotação. A pretexto de racionalizar o trânsito, a medida visa dificultar o acesso das populações pobres às praias da Zona Sul, algo visto de forma repulsiva pelos moradores desta.

EXTINÇÃO DA LINHA 442 LINS / URCA ABRIU PRECEDENTE PARA A RESTRIÇÃO DE ACESSO À ZONA SUL POR ÔNIBUS PELA POPULAÇÃO POBRE. FOTO DE DONALD HUDSON, TIRADA EM 1982.

O discurso de "racionalidade" adotado por Alexandre Sansão e pelas elites - que envolvem acadêmicos do COPPE, programa de pós-graduação em Engenharia da UFRJ, associações de moradores da Zona Sul e sindicatos patronais de ônibus - esconde um gritante processo de apartheid social, além das mudanças serem nocivas para a sociedade como um todo.

Afinal, a redução drástica dos ônibus irá transferir demandas gigantescas de passageiros para as linhas "troncais", reduzindo as linhas da Zona Norte em "alimentadoras" para o Centro. Isso criará uma superlotação nos trajetos novos, além de trazer desconforto, porque dificilmente o passageiro que viajará sentado no primeiro ônibus terá o mesmo conforto no segundo.

Além disso, o que chama a atenção é que a validade do Bilhete Único, que permite pegar dois ônibus pagando uma só passagem, tem validade de duas horas. Com trânsito tranquilo, o percurso do Leblon para o Centro dura cerca de duas horas, o cartão eletrônico já perde a validade no ponto final, o que obriga o pagamento de outra tarifa. Com os congestionamentos frequentes, a situação piora.

Isso já é observado no corredor Fundão-Madureira-Alvorada, quando linhas como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira e 952 Penha / Praça Seca, foram extintas e substituídas por "alimentadoras" que só reproduzem parcialmente os percursos originais.

SUPERLOTADO, BRT TRANSCARIOCA NÃO COBRE TODA A DEMANDA DAS LINHAS DESATIVADAS.

Com essa mudança, os BRTs passaram a circular superlotados, a ponto de serem apelidados de "latas de sardinha" pela população, já que não conseguem atender a toda a demanda acumulada pelas linhas desativadas que passavam pelos arredores de Madureira, Alvorada e Cidade Universitária.

A medida, que será implantada a partir de outubro, por etapas, irá desestimular o deslocamento das populações pobres que vivem na Zona Norte, em Cidade de Deus ou em Rio das Pedras para a Zona Sul, com as baldeações que, inevitavelmente, resultarão em ônibus superlotados.

O higienismo, aparentemente, não evita a presença da população pobre vinda da própria Zona Sul (como Rocinha e Pavão-Pavãozinho), que possivelmente será "resolvida" com outras medidas "racionais", mas o afastamento da população da Zona Norte das praias da Zona Sul é uma perspectiva que as elites mal conseguem esconder.

ESSE É O MOVIMENTO MAIS "FRACO" QUE TERÁ O NOVO SISTEMA DE LINHAS PARA A ZONA SUL CARIOCA, NO TERMINAL DA CENTRAL DO BRASIL.

ELITISMO É REALIDADE

Embora muitos tentem desmentir o caráter segregatório das mudanças de linhas de ônibus, o preconceito elitista é uma realidade que, eventualmente, se manifesta por atitudes movidas pelas populações de classe média alta e ricos que tentam "limpar" a Zona Sul do que pejorativamente definem como "a ralé".

No final de década de 1980, a associação de moradores da Urca entrou com uma ação para extinguir a tradicional e bastante funcional linha 442 Lins / Urca, alegando que os ônibus traziam de bairros como Méier, Engenho Novo e o próprio Lins, pessoas "incômodas" para se banharem na praia do bairro famoso pelo mundialmente conhecido Pão de Açúcar.

Há poucos meses, a jornalista e socialite Hildegard Angel que, apesar de ter se tornado esquerdista, ainda não se despojou de seus preconceitos de elite, reclamou que os ônibus da Zona Norte levavam marginais para as praias da Zona Sul e chegou a escrever um texto na Internet pedindo a cobrança de ingressos nas praias da região. O texto foi retirado depois da repercussão negativa.

Agora é a reclamação de que "tem ônibus demais" que move as elites da Zona Sul a apoiar a reformulação de linhas do subsecretário Sansão, famoso por medidas antipopulares como a pintura padronizada nas empresas de ônibus e a dupla função do motorista-cobrador. Pela sua atuação, Alexandre Sansão é visto por muitos como o "Eduardo Cunha da mobilidade urbana".

Só que a reclamação não corresponde aos trajetos realmente sobrepostos das linhas que vão da Zona Sul para o Centro, estranhamente tolerados e até apoiados pelas elites. A queixa era apenas um pretexto para que fossem extintas linhas com ligação direta para a Zona Norte, contra as quais as elites da Zona Sul acusam de promover a "invasão das periferias".

Em entrevista ao jornal Extra, a presidente da Associação de Moradores de Ipanema, Maria Amélia Loureiro, tentou desconversar dizendo que as linhas de ônibus a serem desativadas já passam por lugares "onde há metrô", enquanto o professor do COPPE/UFRJ, Paulo Cezar Martins Ribeiro, tomou como desculpa o mito de que "poucos (?!) passageiros" pegavam os trajetos inteiros.

O próprio Alexandre Sansão disse que "a maioria dos passageiros" não precisaria pegar transbordo, o que é uma visão completamente equivocada, se observarmos a realidade das ruas. Tecnocratas não andam de ônibus e Sansão, a exemplo de Martins Ribeiro, pensam a mobilidade urbana no isolamento de seus gabinetes e pela "realidade" dos seus computadores.

OUTRA AMOSTRA DA FUTURA REALIDADE: ESTAÇÃO DO METRÔ DE BOTAFOGO DÁ IDEIA DE QUE ATÉ O METRÔ FICARÁ SUPERLOTADO COM A MUDANÇA NOS ÔNIBUS.

Outro aspecto a se levar em conta é que, não bastasse a superlotação que terá o Terminal da Central do Brasil, com a redução dos trajetos Zona Norte-Zona Sul para o Centro, que transformará os pontos em ambientes tumultuados - algo já visto nos terminais da Alvorada e Madureira - , as estações de metrô também ficarão superlotadas.

O caos que as elites tentam diminuir nas ruas da Zona Sul, com o projeto de mudança de linhas de ônibus a ser feita em outubro, será transferido para as novas linhas. Os metrôs sairão tão superlotados quanto os trens vindos da Baixada Fluminense. Além disso, plano higienista não é garantia de segurança, até porque os ladrões não se incomodam em fazer baldeação.

Muito pelo contrário. Transtornos que deveriam ser combatidos, como os assaltos nas linhas 474 Jacaré / Jardim de Alah e 484 Olaria / Copacabana, serão mantidos em trajetos "comportados" das linhas "troncais" do Centro para a Zona Sul. Recentemente, um ônibus da 484 foi sequestrado por bandidos que faziam arrastão dentro dos ônibus e nos pontos em que eles desembarcavam.

A superlotação aumentará os furtos e os assédios sexuais. Por outro lado, o desconforto dos BRTs com lotação máxima inutilizará o frescor do ar condicionado, com tanta gente suada dentro de um recinto fechado, como esses ônibus de janelas lacradas.

Portanto, o novo projeto de Alexandre Sansão será catastrófico para os cariocas. As fotos e os relatos acima mostram casos verídicos que podem se repetir de forma mais constante e piorada. E se as elites da Zona Sul querem prejudicar as populações dos subúrbios, quem levará a pior serão os cidadãos de bem, que se complicarão no acesso entre as duas zonas, prejudicando a ida e vinda ao trabalho.

Já quanto aos desordeiros e ladrões, eles continuarão indo para a Zona Sul fazendo arrastões, porque eles não temem a baldeação nem os ônibus superlotados. O que eles querem é roubar e praticar desordem, e podem até mesmo viajarem de graça, porque nada lhes faz temer. A dificuldade do acesso do povo da Zona Norte à Zona Sul não evitará sequer os arrastões nas praias, independente de haver favelas como a Rocinha e o Pavão-Pavãozinho.

A "limpeza social" só serve para prejudicar quem realmente é de bem nas comunidades pobres. Para quem vem dos subúrbios para prejudicar os outros, tanto faz se tudo fica na mesma ou fica na pior, porque eles não se sentem prejudicados com isso. A insegurança continua, ou pode até piorar.

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