sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Criança Esperança e a banalização da ideia de caridade


No último fim de semana, o projeto Criança Esperança, da Rede Globo de Televisão, promovido em parceria com a UNESCO - entidade da Organização das Nações Unidas dedicada à Cultura e à Educação - , completou 30 anos de existência, celebrado de forma triunfante com um resultado que, do contrário que se alardeia, nunca foi além do medíocre.

Comemora-se demais por poucos feitos. A solidariedade e a filantropia, banalizadas por ações como montar escolas e fazer doações de roupas e outros objetos ou oferecer sopas para a população carente, até chegam a acontecer e beneficiar pessoas, mas o resultado é muitíssimo aquém do que deveria ser.

Nota-se, hoje, que a violência e o ódio crescem e isso se observa em diversos aspectos. As manifestações anti-PT chegam a atribuir ao partido o monopólio de uma corrupção que corre até no sangue dos próprios direitistas. A criminalidade age cada vez mais à luz do dia, deixando para trás os tempos em que ela agia mais nos fins de semana, feriados e períodos noturnos.

O Brasil vive uma grave crise econômica, política e institucional, o que indica que os projetos filantrópicos, na melhor das hipóteses, não passam de iniciativas pontuais, das quais, mediante uma observação mais cautelosa, são muito mais raros do que se imagina.

Afinal, boa parte dos projetos que se autoproclamam "caridosos", na verdade, escondem processos perversos de controle ideológico e proselitismo religioso, e destes, infelizmente, estão entidades "espíritas", que sempre ensinam a linha religiosista popularizada pelo católico Francisco Cândido Xavier.

Se retirar esses projetos que usam a caridade como forma de dominação e controle social, os projetos de caridade sincera tornam-se ainda muito mais raros, tão poucos que parecem ilhas de ativismo social que disputam credibilidade com projetos traiçoeiros que se passam pela mesma causa.

A banalização da ideia e do paradigma de caridade, para ações ligadas às doações, sopas, escolas, seja de forma paliativa ou, quando muito, com menor grau de transformação social possível - a pessoa aprende a ler, escrever, fazer contas, trabalhar e ser bonzinho com os outros, mas não a enxergar o mundo de forma criativa e questionadora - , é um grande problema para o Brasil.

Pois se passaram 30 anos do "poderoso projeto" da Rede Globo e, de lá, do Brasil da chamada Nova República, passando por Era Collor, Era FHC, Era Lula, pelos governos de Dilma Rousseff, e o que vimos foi uma sucessão de retrocessos sociais, em que pese alguns avanços pontuais conquistados, principalmente nos últimos 12 anos.

Como fazer de conta que os projetos "filantrópicos" estão causando uma "revolução social sem precedentes", contradizendo o discurso "admitindo" que "muito se está ainda por fazer, mas conseguimos bastante", sem se decidir se realmente mudou a sociedade ou se ainda pretende mudar?

É um discurso confuso, que faz um Divaldo Franco querer ser "o maior filantropo do planeta" com uma caridade, através de sua Mansão do Caminho, que em seis décadas não conseguiu beneficiar mais de 0,08% da população de Salvador, com seus grandes bolsões de pobreza e miséria? É muita ostentação para pouca caridade.

Um aspecto a se questionar é até que ponto são válidas as doações? Se doar cestas básicas e roupas para a população carente, assim que essas doações terminarem, a pobreza volta. Cria-se um ciclo vicioso de termos que dar alguma coisa sem resolver realmente o problema, quando o melhor é "ensinar a pescar" do que "dar o peixe".

Além disso, existe a questão de que valor é aplicado na caridade? O risco de extravios, seja de objetos ou de quantias financeiras, é notório, Até que ponto uma instituição pode aplicar o que arrecadou para ajudar os pobres? Não seria ela capaz também de desviar as roupas doadas para os brechós e gerar renda por fora? Ou usar o dinheiro doado para beneficiar fortunas de seus líderes e colaboradores?

A própria Rede Globo de Televisão foi denunciada por sonegação fiscal, não bastasse outros males que a corporação midiática realizou em sua trajetória, muitas vezes prejudicial à sociedade brasileira, supostamente beneficiada, em parte, pelo Criança Esperança.

Por tantos aspectos acima mostrados, ficamos perguntando: para que servem esses paradigmas de caridade que não vão além de medidas paliativas, ou de projetos de relativa integração social que não vão muito longe do que trazer pequenos benefícios para a população, sem comprometer as estruturas dominantes que promovem desigualdades e injustiças?

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