terça-feira, 14 de julho de 2015

Seria Chico Xavier o Grande Irmão brasileiro?


O Brasil está vivendo a sua pior crise social. A turbulência de 1964 ainda é pouca para a crise de hoje, apesar de toda a fúria que resultou na queda política de João Goulart e das garantias recentes de que a atual presidenta, Dilma Rousseff, não deixará o poder e que não há indícios de que uma intervenção militar esteja pronta para expulsá-la do Planalto.

O problema é que, hoje, a crise é mais ampliada e diversificada. É uma crise de valores que haviam sido lançados na época do "milagre brasileiro" e que foram consolidados na década de 1990, e que agora começam a perecer dramaticamente, causando inquietação e tensão.

De um lado, valores retrógrados que estabelecem uma relação entre status quo visibilidade e prestígio sócio-econômico e midiático. De outro, a necessidade de substituir esses valores por outros que possam ser socialmente mais positivos e justos.

O machismo, o fanatismo religioso e o fanatismo do futebol, a supremacia midiática, o neoliberalismo econômico, entre tantos outros valores conservadores e de eficácia limitada e apenas atendimento parcial das necessidades humanas, andam decaindo, embora muitos desses valores estejam ainda de pé ou encontrem resistência até na violência digital dos sociopatas da Internet.

O Brasil, embora tenha tido alguns processos, retrocede por conta de elites que dominam a mídia, a indústria do entretenimento, os esportes, a mobilidade urbana, a imprensa, a política e outros setores, que estão no poder e ainda adotam métodos e paradigmas que só tinham sentido na época ditatorial do governo do general Emílio Garrastazu Médici.

O caso preocupante é o declínio das regiões Sul e Sudeste, em especial a decadência vertiginosa do Estado do Rio de Janeiro, já que as duas regiões sofrem hoje um surto de provincianismo e atraso sócio-cultural que antes era algo típico nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O Rio de Janeiro sofre o pior dos atrasos, principalmente porque é no Estado onde se concentram as personalidades ou mesmo os internautas mais agressivos e dotados de métodos autoritários de agir e intervir na política, na mobilidade urbana, no turismo, no patrimônio histórico, na cultura e na mídia, além das grosserias dos bullies nas mídias sociais da Internet.

O que preocupa é que, sendo as regiões Sul e Sudeste referenciais do que acaba valendo e prevalecendo em todo o território nacional, os retrocessos que atingem sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, considerados os grandes centros do país, podem botar o Brasil todo a perder.

A imprensa ultrarreacionária de São Paulo e o neo-coronelismo político do Rio de Janeiro - expresso no PMDB local, de Eduardo Paes, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral Filho, Luiz Fernando Pezão, Carlos Roberto Osório e outros - já causam estragos em outros Estados do país, seja inspirando o reacionarismo dos internautas, seja inspirando políticas antipopulares.

Esses retrocessos ameaçam o Brasil, embora aparentemente não haja uma inquietação popular. Há apenas consciências parciais de que algo de errado está nestas regiões, sem que todavia haja uma preocupação maior, já que a maior parte das pessoas está ocupada com coisas "mais importantes" como "curtir" bebês dublando grandes cantores internacionais no WhatsApp.

APOLOGIA AO SOFRIMENTO

Se deixarmos, o Brasil regredirá ao ponto de se tornar uma teocracia na qual a antiga tradição católica é disputada por duas forças religiosas conflitantes: a "evangélica", manifesta pelos movimentos neopentecostais, e a "espírita", manifesta por tendências vinculadas à FEB ou dissidências que ainda se baseiam no religiosismo difundido por Jean-Baptiste Roustaing.

Seja de um lado ou de outro, seja com Edir Macedo ou Chico Xavier, seja com Silas Malafaia ou Divaldo Franco, o que se vê são "dissidências" do Catolicismo que não trazem muita coisa de transformadora, aliás nada trazem.

Tanto de um lado quanto de outro haverá o projeto de teocracia. Mesmo no "despretensioso" e supostamente moderno "movimento espírita" isso acontece, já que através de Chico Xavier promove um moralismo ultraconservador servido dissolvido na água com açúcar das palavras dóceis.

O que se nota é que o moralismo "espírita", mesmo sob a roupagem de um movimento pretensamente vanguardista e futurista, enfatiza a apologia ao sofrimento humano, chegando mesmo a defender a manutenção dos infortúnios e limitações da vida, recomendando "não queixar e agradecer a Deus pela prova que enfrenta", alegando que as "recompensas" estão na "vida futura". Felicidade é pra depois.

Apesar desse conservadorismo explícito que castra as vidas das pessoas e as faz sofrer tanto, até mesmo sem necessidade - não raro, os infortúnios acontecem acima das capacidades de seu sofredor, que não raro é induzido a "enlouquecer" com o "beatismo espírita" - , Chico Xavier tornou-se uma pretensa unanimidade, adorado de forma tão exaltada quanto surreal.

Se o Brasil se tornar uma teocracia, que é o que se teme que sejam as "maravilhosas profecias" do sonho de Chico Xavier de 1969, ele poderá se tornar uma "divindade" comparável ao Grande Irmão, com um poderio dominador praticamente absoluto e totalitário.

Chico Xavier desenvolve sua idolatria através de contradições. É o "ignorante que se tornou sábio", o "caipira que se tornou profeta", o "fraco que se tornou forte e a prova de tudo", o "velho que trouxe a boa nova" e outras declarações. Mesmo sendo direitista, Chico Xavier chega a ser cortejado por setores das esquerdas que ignoram o quanto o anti-médium apoiou a ditadura militar.

A partir desse jogo de palavras - uma espécie de arremedo cretino das relações do Yin e do Yang chineses - , Chico Xavier tenta penetrar, mesmo postumamente, em espaços de apreciação que vão além dos limites conservadores do "movimento espírita" e de setores heterodoxos do Catolicismo. Até mesmo os ateus e agnósticos tentam ser cooptados e convertidos para o chiquismo.

A preocupante obsessão dos internautas, no Facebook e em outros ambientes de mídias sociais, com Chico Xavier, através de frases reproduzidas com a submissão "bovina" nos perfis de cada indivíduo, ou então compartilhamentos de mensagens publicadas de outras fontes, já sinaliza o totalitarismo que pode vir se não houver um freio a esse fanatismo chiquista.

Ele se usa de um recurso traiçoeiro e sedutor, que é o de explorar estereótipos de bondade, perfeição, humildade, beleza e outras virtudes, e vincular tudo ao mesmo Chico Xavier que plagiava autores literários e usava "leitura fria" (entrevista persuasiva que seduz o entrevistado a dar informações mais detalhadas sobre sua vida e de seus relativos) para colher dados para falsas mediunidades.

Isso é muito perigoso. Ver que as pessoas preferem que tudo dê errado em suas vidas, desde que Chico Xavier seja mantido no seu pedestal, como um semi-deus a reinar absoluto no misticismo espiritualista brasileiro, é muito assustador.

Investigando o que está por trás de Chico Xavier, é estarrecedor que ele seja a única pessoa que pode cometer graves erros e sair totalmente impune por isso. Não só a impunidade jurídica, como a impunidade social, que no Brasil em retrocessos surreais como os de hoje, atinge não só figuras "bondosas" como Chico Xavier, mas gente ainda pior.

Ver que feminicidas e fazendeiros que mandaram matar ativistas rurais já tentam obter a simpatia da opinião pública, insatisfeitos com a já aberrante liberdade legal que possuem, se livrando da prisão com tanta facilidade que voltar a serem presos é que é algo difícil de acontecer.

Eles agora tentam dar a falsa impressão de que se tornaram "pessoas bem legais" e aí vem um feminicida se passando por "bom moço" oferecendo até cafezinho para um homem de bem, que poderia estar namorando, talvez, aquela mulher que o outro havia matado.

O próprio "espiritismo" que permite aceitar essas aberrações, alegando que os algozes de hoje "um dia terão sua vez" - é a tese do "fiado espírita" - , expressa, com isso, um moralismo ultraconservador baseado num julgamento de valor medieval, elemento inteiramente mantido do legado de Jean-Baptiste Roustaing, já que o sobrenome desde virou um "palavrão" entre os "espíritas".

Com a glamourização do sofrimento, simbolizada pelas palavras bonitinhas de Chico Xavier, o Brasil poderá mergulhar ainda mais em retrocessos, fazendo com que a futura Oceânia de George Orwell, mesclada com elementos "moderados" do Mundo Novo de Aldous Huxley, crie uma sociedade escravizada e submissa, sujeita a um regime cada vez mais autoritário e antipopular.

Isso não se dá de uma só vez. Retrocessos acontecem aos poucos e os "espíritas" sempre recomendam o "silêncio das preces" para aguentar os sofrimentos "sem queixumes". Tudo piora de pouco em pouco, até ver o país num novo obscurantismo, numa nova Idade Média, a regressar depois de sucessivos conformismos populares. Pelo jeito, o Grande Irmão poderá ser brasileiro.

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