quinta-feira, 16 de julho de 2015

O Catolicismo progressista de Papa Francisco e os "espíritas"


Mesmo dentro dos seus limites ideológicos, o Catolicismo parece andar um pouco para a frente, em detrimento ao "movimento espírita" que, supostamente tido como "vanguarda" dos movimentos espiritualistas, naufraga num conservadorismo que sempre foi altíssimo, mas hoje sucumbe às últimas consequências.

A impressão que se tem é que a Igreja Católica começava a se livrar dos "bens medievais" e iria mandar tudo para o lixo, até que dissidentes que se "simpatizavam" com a Doutrina Espírita aproveitaram a "velha mobília" se lembrando da influência religiosa vigente no Segundo Império, época do surgimento da Federação "Espírita" Brasileira.

Enquanto o Catolicismo se despia aos poucos de suas vestes medievais e, no Brasil, se expressava a partir de figuras originalmente conservadoras, mas paulatinamente progressistas, como Alceu Amoroso Lima e Dom Hélder Câmara, o "espiritismo" fazia o caminho contrário.

O "movimento espírita" retrocedeu, indo do pouco que assimilou da doutrina de Allan Kardec - pouco mesmo, apenas vagos enunciados da reencarnação e vida espiritual - , para valores herdados do Catolicismo vigente dos tempos de Dom Pedro II, de origem portuguesa e valores ainda medievais, como se observava na mentalidade inquisitória que resistiu até meados do século XIX.

Embora o Catolicismo esteja longe de atingir a plenitude da coerência e do realismo de ideias, nota-se que, através de tentativas realizadas no século XX e reforçadas agora pela figura do Papa Francisco, progressos significativos haviam sido feitos no seu âmbito.

O Concílio II, do Vaticano, permitiu o lançamento da Teologia da Libertação e de uma facção católica socialista, representada por Leonardo Boff e Frei Betto, que foram vítimas do regime militar. Embora nem todos os católicos seguiram essa tendência e houve quem a repudiasse, como se observa na Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, mudanças não deixaram de ocorrer.

É válido lembrar que a referida marcha, que se iniciou em São Paulo, incluiu vários movimentos religiosos. O historiador Jorge Ferreira, que escreveu a biografia de João Goulart, escreveu o seguinte no livro 1964 - O golpe que derrubou um presidente, juntamente com Ângela de Castro Gomes:

"O que marcou a caminhada foram os grupos religiosos e, claro, as mulheres. Embora a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil não apoiasse oficialmente as Marchas, nada impedia que padres e bispos, por sua própria convicção pessoal, participassem do evento. Mas estiveram presentes também fiéis das igrejas protestantes, rabinos, espíritas kardecistas (sic) e umbandistas".

"Kardecista" é um eufemismo lançado pelo "movimento espírita" para definir seus representantes e seguidores. O termo praticamente nada tem a ver com Allan Kardec, mas com o religiosismo conservador popularizado por Francisco Cândido Xavier.

Esse religiosismo, juntamente com o desconhecimento dos processos mediúnicos e dos estudos sobre a vida espiritual, que fazia os "espíritas" improvisarem um "mundo espiritual" digno de contos-de-fadas e uma prática mediúnica cercada de fraudes que ocultavam a incompetência de supostos médiuns, fez o "espiritismo" se tornar cada vez mais retrógrado.

Pior: nem mesmo a conversão de alguns "médiuns" privilegiados, como Chico Xavier e Divaldo Franco, em dublês de "filósofos" num país sem grandes filósofos - no sentido de pensadores que ultrapassam séculos, como Sócrates, Platão, Rousseau e Hegel - , conseguiu amenizar o problema.

Muito pelo contrário, a conversão de supostos médiuns mais populares em pretensos filósofos só agrava a situação da incompetência mediúnica, em que eles tentam compensar sua existente, mas fraquíssima e limitadíssima mediunidade com arremedos de sabedoria dotados dos mais diversos clichês de falsa humildade e ideias prolixas e pedantes.

Vendo esse quadro, a histeria dos "espíritas" em se autoproclamarem "fiéis a Allan Kardec" soa como uma hipocrisia oportunista, enquanto a cada tempo se afundam numa mesmice doutrinária e num conservadorismo cada vez mais sombrio e choroso, presos nos velhos clichês religiosos que cada vez mais deixam de fazer sentido numa sociedade em transformação.

Os "espíritas" só têm sorte porque o Brasil está tomado de um provincianismo doentio, no qual o exemplo mais aberrante é o Rio de Janeiro, cujo atraso se reflete sobretudo pelo arbítrio político e pela insegurança que as desastrosas operações policiais só pioram fazendo inocentes serem mortos por balas perdidas.

Daí que, nas mídias sociais, Chico Xavier ainda é "rei" com suas mensagens "dóceis" publicadas quase que por automação, mesmo quando elas afirmam como é "lindo" o sofrimento por causa da "garantia" das "recompensas futuras", que guia o masoquismo astral dos chiquistas.

No entanto, o mundo gira e vemos outro Chico, o Papa Francisco, mostrar uma postura progressista que Chico Xavier nunca teve. E olha que o pontífice, no passado, apoiou a ditadura argentina, mas depois teve coragem de rever posições e adota posturas que questionam o capitalismo e defendem causas como a ecologia, o feminismo e outras, de forma inusitada para sua religião.

Mesmo o ateísmo começa a ser respeitado pelos católicos, e o homossexualismo - que Chico Xavier e Emmanuel só "respeitam" para não conflitar com teses conhecidas sobre reencarnação de homens e mulheres - também começa a ser tratado pelo Catolicismo com um respeito que era antes inimaginável.

Um exemplo ilustrativo da postura progressista do Papa Francisco (nascido Jorge Mário Bergoglio) é quando ele visitou a Bolívia e recebeu, do presidente socialista Evo Morales, ligado ao movimento bolivariano fundado pelo venezuelano Hugo Chavez, uma imagem de Jesus pregado num martelo com os pés sobre uma foice.

Católicos chegaram a dizer que o pontífice ficou "ofendido" com o presente, o que fez os chamados "urubus" da grande imprensa brasileira voarem sobre essa "carniça" ideológica. Mas Francisco entendeu que o presente foi uma "arte de protesto", desenhada pelo padre jesuíta Luís Espinal, assassinado por tropas golpistas ligadas ao general Luís Garcia Meza, atualmente preso.

Em entrevista no avião, o papa esclareceu que ficou grato com o presente que recebeu do presidente boliviano e entende o seu sentido de protesto, dando outro exemplo de um Jesus crucificado em um bombardeiro, como manifesto contra as ações belicistas do Imperialismo. Eis um trecho em que Francisco responde a uma repórter que estava entre os vários que o entrevistaram na ocasião.

Aura Vistas Miguel – Santidade, o que sentiu quando viu aquela foice e martelo com Cristo em cima, oferecido pelo presidente Morales? E onde acabou esse objeto?

É curioso, eu não conhecia isso e nem sabia que o padre Espinal era escultor e poeta até. Soube disso nestes dias. Quando o vi, para mim, foi uma surpresa. Segundo, pode-se qualificar como o gênero da arte de protesto.
Por exemplo, em Buenos Aires, há alguns anos, foi exibida uma mostra de um escultor bom, criativo, argentino, que agora está morto. Era arte de protesto, e eu recordo um Cristo crucificado em um bombardeiro que caía. Era uma crítica ao cristianismo aliado com o imperialismo, que bombardeia.
Então, primeiro, eu não sabia; segundo, eu o qualificaria como arte de protesto, que, em alguns casos, pode ser ofensivo. Em alguns casos. E terceiro, este caso concreto: o padre Espinal foi morto no ano de 1980. Era um tempo em que a teologia da libertação tinha muitos ramos. Um desses ramos propunha a análise marxista da realidade. O padre Espinal pertencia a isso. Eu sabia disso, sim, porque, nesses anos, eu era reitor na faculdade de teologia e se falava muito disso, os diversos ramos e os representantes.
No mesmo ano, o geral da Companhia de Jesus [Pe. Pedro Arrupe] mandou uma carta para toda a Companhia sobre a análise marxista da realidade na teologia. Um pouco freando isso e dizendo: isso não está bem, são coisas diferentes, não é justo, não está certo. E, quatro anos depois, em 1984, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou o primeiro documento, pequeninho, uma primeira declaração sobre a teologia da libertação que critica isso. Depois, veio o segundo, que abriu as perspectivas mais cristãs (estou simplificando, hein). Ou seja, façamos a hermenêutica naquela época.
Espinal era um entusiasta dessa análise da realidade marxista e também da teologia usando o marxismo. Daí veio essa obra. As poesias de Espinal também era desse gênero de protesto, mas era a sua vida, era o seu pensamento, era um homem especial, com tanta genialidade humana e que lutava. Ele tinha boa fé. Fazendo uma hermenêutica desse tipo, eu entendo essa obra. Para mim, não foi uma ofensa, mas eu tive que fazer essa hermenêutica, e digo isso a vocês para que não haja opiniões equivocadas.

Onde ficou a cruz?

Eu a trago comigo. O presidente Morales quis me dar duas condecorações, a mais importante da Bolívia e a outra é a ordem do padre Espinal, uma nova ordem. Jamais aceitei uma honorificência, não sei, não me sinto bem. Mas ele fez isso com tanto vontade, com boa vontade e com o prazer de me dar um prazer, e eu pensei que isso vem do povo da Bolívia e rezei para saber o que fazer com isso. Se eu as levo ao Vaticano, vão parar no Museu, vão acabar aí, e ninguém jamais vai vê-las. Então, pensei em deixá-las à Nossa Senhora de Copacabana, a mãe da Bolívia, que vão para o santuário, ficarão no santuário. Ao contrário, o Cristo, eu trago comigo.

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