quinta-feira, 30 de julho de 2015

Brasil banaliza e deturpa conceito de "filósofo"


O que é ser filósofo? É simplesmente alguém que busca a verdade? Não exatamente. Além disso, se o conceito de verdade é hoje impreciso e vivemos a época em que a supremacia das mentiras e meias-verdades faz com que o sentido de verdade seja corrompido, a filosofia também passa a ter seu sentido deturpado da mesma maneira, mas num contexto mais específico.

O mundo tem lá suas deturpações do conceito de filósofo, mas é no Brasil que seu conceito torna-se mais distorcido, levando-se em conta de que o país não tem um hábito regular e saudável de leitura, com o apego da população em bobagens literárias que estão em altas posições em boa parte das listas de livros mais vendidos no mercado brasileiro.

E quem não lê não consegue se informar o que realmente é um filósofo, algo muito mais além do sentido simplório de uma pessoa que busca a verdade. E buscar a verdade torna-se um processo muito mais complexo do que se pode imaginar.

A História da Filosofia não se faz com frases curtas de aparente sabedoria, nem com receituários místicos para uma vida melhor. Ela se faz quando questões diversas impulsionam algumas pessoas a elaborar um sistema de argumentos e raciocínios complexos que se manifesta numa determinada quantidade de livros.

Não é para qualquer um. Difícil haver pessoas que se disponham em analisar, de forma profunda e cautelosa, questões das mais diversas sobre a Humanidade, com livros que possam atravessar séculos pela sua validade lógica. Não é apenas uma questão de querer ser "bonzinho" e dar "lições positivas", mas abrir um debate lançando questões das mais complicadas e até conflituosas.

Existem correntes bastante divergentes porque, no decorrer dos séculos, sistemas de raciocínio filosófico eram sucessivamente questionados por outros que vieram. A evolução da sociedade permitiu que a filosofia passasse por essa multiplicidade de abordagens, como forma de tentar analisar e desvendar o complexo mundo do conhecimento.

Mas isso era esperado, porque desvendar as questões da Humanidade não era uma coisa fácil. E ser filósofo era abraçar de forma sistemática um roteiro de análises e estudos não muito fácil de fazer e difícil de ler pelos brasileiros que acham que ser "filósofo" é algo como um "bonzinho qualquer nota" e só se interessam em ler livros sobre cachorros com nome ou sobrenome de músicos famosos.

ATITUDE LAMENTÁVEL

O que preocupa é a unânime burrice de muitos internautas em definir como "filosofia" uma coleta de frases curtinhas que, independente de terem alguma lógica ou não, servem de pílulas de "sabedoria" para disfarçar a mediocridade, para não dizer indigência, intelectual das pessoas.

A preguiça de ler livros bem mais substanciais, muito mal compensada pela leitura eventual de livros best sellers não raro de qualidade literária duvidosa, faz com que esse hábito um tanto rasteiro de ficar colhendo apenas pequenas frases ou parágrafos substituísse a leitura de livros.

Não que não se pode pegar frases curtas que sintetizam um pensamento. O ato de colhê-las não é ruim em si, e pode ser bastante instrutivo. Mas depender disso para evitar a leitura de livros é algo perigoso, sobretudo quando pessoas sem um hábito regular e salutar de leitura sucumbem a falsa sabedoria dos oportunistas.

É humilhante ver que muitos consideram Chico Xavier e Divaldo Franco "filósofos". É humilhante, vergonhoso e deplorável. E muito, muito triste. E principalmente quando se leva em conta que o Brasil não conta de um filósofo cujo pensamento pudesse atravessar séculos, como os pensadores do "velho mundo".

Afinal, os dois se deixaram valer de um Brasil de frágil hábito de leitura para usarem arremedos de sabedoria para iludir as pessoas. As frases adocicadas de Chico Xavier, auto-ajuda de baixa categoria que tenta se nivelar (e mal) aos pensamentos orientais, são um exemplo festivamente aceito e difundido pelas pessoas de boa-fé que publicam fotos e arquivos nas mídias sociais.

Divaldo Franco, então, nem se fala. Com aquela vestimenta de pretenso professor, com aquela suposta elegância de fala e gestos, com sua verborragia sobrecarregada de referências e dados, ele tanta, através da oratória, o que seu amigo Chico Xavier tentou com seus textos, se passando por "filósofos" num país sem grandes filósofos.

Isso é extremamente ridículo. Afinal, sabemos que o "pensamento" difundido pelos dois não passa de auto-ajuda, de moralismo barato, de verborragia duvidosa, textos prolixos e ideias equivocadas e conflituantes, sem o mínimo compromisso de investir no ramo do Conhecimento, mas apenas expressando religiosismo da pior espécie.

As ideias de ambos os anti-médiuns não passam de reles receituários moralistas que mais se voltam ao conformismo do que à mobilização, e que em muitos casos causariam vergonha aos mais valiosos ativistas que lutaram pelas conquistas humanas.

Mistificadores baratos, modernos fariseus, artífices da manipulação da retórica, com seus desfiles de palavras bonitas que expressam ideias confusas e sem muita coerência, os dois anti-médiuns nem de longe podem ser considerados filósofos, porque é justamente a verdade que eles não querem procurar, pois "conhecimento" para eles é embalagem, e não conteúdo.

Afinal, os melhores filósofos podem até escrever muito, mas procuram ser bastante claros em suas abordagens, buscando uma explicação de suas análises e pontos de vista, ainda que tenham falhas geralmente denunciadas por correntes sucessoras.

Chico e Divaldo, no entanto, são confusos, prolixos e contraditórios em seus pontos de vista, de forma tão aberrante que a última coisa que se pode admitir deles - se é que existe alguma necessidade de admitir - é um mínimo esforço de desenvolver um sistema de conhecimentos com um mínimo de coerência e clareza de ideias.

Outro aspecto a se levar em conta é que a filosofia, sendo uma Ciência e motivada pelo processo racional de lançar ideias, tem seu significado deturpado por causa da emotividade. É a emoção subjetivista que atribui fulano e sicrano como "filósofos", mesmo quando eles contrariam severamente todo o sistema de busca do conhecimento que carateriza a Filosofia.

Os brasileiros sempre se deslumbram com as boas embalagens, mesmo quando elas escondem armadilhas traiçoeiras e serpentes venenosas. "Filosofia", para eles, é muito mais uma questão de forma do que de conteúdo, de expressão de estereótipos de sabedoria e simplicidade que mais confundem do que esclarecem as pessoas. Emoção demais perverte a lógica da razão humana.

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