quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Se existe a pós-verdade, também existe a pós-ética?

E SE ESSES QUADROS FALSOS TIVESSEM SIDO FEITOS "PELO PÃO DOS POBRES"? A POLÍCIA OS APREENDERIA?

Um dos fenômenos mais preocupantes da humanidade, nos últimos tempos, é a pós-verdade, que é a veiculação de mentiras ou meias-verdades que, dependendo da divulgação repetida e do status do emissor de cada mensagem, passam a ser consideradas "verdades indiscutíveis", a ponto de qualquer contestação, mesmo com provas lógicas e verídicas, se torna difícil de abalá-las.

A pós-verdade chamou a atenção quando consultas populares de todo tipo resultaram em vitórias inusitadas e preocupantes. O Brexit, opção de saída da Grã-Bretanha da União Europeia, venceu o Bristay (opção de permanência), surpreendendo a todos (e isso depois de um neo-fascista ter assassinado uma parlamentar favorável ao Bristay), como também a vitória do reacionário Donald Trump para a presidência dos EUA.

Tudo isso foi motivado por uma série de boatos ou meias-verdades, como alegar que a rival de Trump e opção do presidente Barack Obama para sua sucessão, a democrata Hillary Clinton, era "agente do FBI", em referência ao famoso birô de informações secretas dos Estados Unidos.

No Brasil, a pós-verdade é sustentada sobretudo pela atuação tendenciosa de setores do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, das quais se destacam o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, ambos do Paraná, que provocaram a saída da presidenta Dilma Rousseff, uma "culpada sem culpa", devido à campanha difamatória da mídia dominante e a ação corporativista do Congresso Nacional, que votou o impeachment.

A pós-verdade é motivada sobretudo pelo status quo que garante a ilusão de imunidade para certos agentes sociais, aos quais mesmo os graves defeitos permitem condescendência e impunidade. Entre eles, o Poder Judiciário, o mercado financeiro e os ídolos religiosos. E também o PSDB. No Brasil, ser "espírita" e pertencer ao PSDB garantem impunidade, só estão sujeitos a punição os "peixes pequenos".

No caso do "espiritismo", o que se vê é uma blindagem preocupante, que faz com que famosos casos de pastiches literários e fraudes de pinturas mediúnicas, permaneçam impunes e até aceitos pela sociedade, em que pese o alto grau de gravidade que tais falsificações sugerem.

A pós-verdade já investe na legitimação dessas obras sob a desculpa esfarrapada de que elas "ao desafiar a lógica das pessoas, corrompe seus níveis de percepção fazendo parecer uma mudança de estilo ou alguma contradição à obra terrena, mas evocam uma diferença que nós não estamos preparados a entender".

Sacaram? A falácia é muito linda. É muito fácil falar isso ou em coisas como o "homem-espírito", justificar diferenças aberrantes de estilo ou nuances pessoais porque na suposta mensagem espiritual o emissor da mesma "doou seu estilo para a caridade" ou "passou a falar da linguagem universal do amor". Mas tais falácias são muito mais um alerta do que algo confortador.

O caso Humberto de Campos é aberrante. As obras supostamente espirituais que levam seu nome, trazidas por Francisco Cândido Xavier, se comprovaram grandes fraudes, pastiches literários extremamente grotescos. Tudo é diferente no "Humberto de Campos espírito", mas usa-se a falácia das "mensagens de amor" e das "lições de vida" para forçar sua legitimação através da exploração das fraquezas emocionais das pessoas.

Chico Xavier tornou-se o maior caso de impunidade existente em toda a História do Brasil. Como um católico ortodoxo, mas de práticas paranormais, além de ser um poeta e escritor mediano que, imitando os estilos de autores mortos, dizia evocar seus espíritos, tornou-se um arrivista bem-sucedido a ponto de ser considerado quase um "deus" por seus fanáticos seguidores, isso mostra o quanto a pós-verdade pode fazer na fabricação de consensos e na sustentação de mitos e ídolos.

Ele criou uma escola ruim de "mentiunidade" que observamos fraudes até na pictopsicografia, quando pretensos médiuns de pintura lançam obras atribuídas a diversos espíritos de pintores, que viveram épocas diferentes uns dos outros, como se fosse fácil chamar todos eles para um mesmo evento. Se é difícil chamarmos todos os colegas da escola primária para, trinta anos depois, todos se reencontrarem, quanto mais os pintores do além que viveram tempos muito diferente.

As pinturas destoam dos estilos pessoais de cada pintor falecido a quem se atribui autoria. Em compensação, os quadros de "diferentes autores espirituais" apresentam uma semelhança de estilo conforme o respectivo "médium", ou seja, ele deixa passar seu estilo pessoal nos mais diferentes quadros. O caso de José Medrado é ilustrativo e o "médium" baiano não mede escrúpulos para usar uma mesma caligrafia, a pessoal, para assinar os quadros atribuídos a "diferentes autores espirituais".

Isso é grave, mas o mais grave é a impunidade que isso representa. Se alguém tem um prestígio social e um considerável número de amigos, mantém uma aparente casa de caridade abrigando crianças pobres e velhinhos miseráveis e doentes, ele pode criar falsas mensagens espirituais que nunca estará sujeito a qualquer tipo de punição ou suspeita.

Ele pode até mesmo usurpar um nome carismático como o do ator Domingos Montagner, se aproveitando do sucesso que ele deixou em vida, e criar mensagens apócrifas que tenham sempre recados "positivos" e apelos religiosos. Ninguém mexe, e mesmo a menor suspeita é dissolvida pela carteirada religiosa.

Chico Xavier, um espertalhão por trás da aparência de "caipira frágil", garantiu sua impunidade no caso Humberto de Campos quando se aproveitou da dor saudosa da mãe do escritor, Ana de Campos Veras, escrevendo mensagens gentis de "palavras bonitas", para arrancar comoção da pobre senhora.

Não bastasse isso, Chico Xavier também seduziu o cético Humberto de Campos, convidando-o para uma "doutrinária" num "centro espírita" em Uberaba e lhe mostrou atividades de "caridade paliativa" - um fenômeno que ainda será largamente questionado, por beneficiar mais o benfeitor do que o auxiliado - , como mulheres cozinhando sopinha e um idoso doente de comportamento abobalhado.

A própria "caridade paliativa" é uma pós-verdade. Uma "bondade" que mais serve para o êxtase religioso das pessoas do que para realmente ajudar as pessoas. O nível de ajuda ao próximo, em termos quantitativos e qualitativos, é ínfimo e inexpressivo, e a estranheza surge quando a "bondade" serve mais para dar cartaz ao "benfeitor" do que para realizar, de fato, alguma grande ajuda.

No "espiritismo" deturpador e mistificador que temos, indagamos se, além da pós-verdade, teremos também a pós-ética? Pessoas dotadas de status quo elevado podem se sair ilesos de toda fraude ou equívoco cometido? Já não basta a impunidade judicial a crimes cometidos por pessoas ricas, a coisa já começa a ir ao ponto da impunidade social, quando o criminoso, impune pela Justiça, passa também a ser querido pela sociedade.

Isso mostra o quadro preocupante que se vê no Brasil, que um dia uma parcela deslumbrada da sociedade sonhou em ser a nação dominante no planeta. Com os retrocessos ocorridos, de maneira sucessiva e aberrante, o país, que nunca se tornaria o tão sonhado "coração do mundo" - até porque essa alegação possui conotação fascista - , perderá o tão prometido destaque na medida em que volta a ser um mero "quintal dos EUA". O que é apostar no status quo...

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