CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE AUSCHWITZ, ALEMANHA - Os judeus também estariam respondendo por "resgates espirituais"?
Francisco Cândido Xavier deveria ser muito mais criticado e contestado do que adorado e aceito. É vergonhoso que a complacência que envolve o anti-médium mineiro, que fará 15 anos de falecimento em junho próximo, que atinge até uma parcela dos que acreditam recuperar as bases kardecianas mantendo os "médiuns-estrelas" no pedestal.
Chico Xavier causou muita confusão, por seus próprios atos. Esse mito de "amor e bondade" e "humildade", fabricado pela FEB e reciclado pela Rede Globo de Televisão, com base no que o católico inglês Malcolm Muggeridge fez de Madre Teresa de Calcutá, que nunca passou de um marketing religioso que restringe, institucionalmente, a prática de bondade como um subproduto da religião, não pode colocar os erros do anti-médium mineiro debaixo do tapete.
O "bondoso médium" foi um dos mais terríveis, deploráveis e perigosos deturpadores da Doutrina Espírita de todos os tempos. E se ele é muito adorado e cultuado, esse sentimento consiste no processo obsessivo da "fascinação", um dos mais perigosos por consistir numa armadilha que leva muitas pessoas à cegueira e ao fanatismo.
Só mesmo a burrice predominante no Brasil - considerado um dos países mais ignorantes do mundo - pode atribuir alguma superioridade a Chico Xavier, alvo de preocupante apego emocional de seus seguidores, que se dizem dotados de "energias elevadas", mas que se espumam de raiva e rancor quando são contrariados, mesmo de maneira leve e construtiva.
Chega-se mesmo à hipocrisia dos chiquistas dizerem, quanto às críticas severas a Chico Xavier: "ele não está aí para reclamar". No entanto, também os mortos que tiveram seus nomes usurpados nas irregulares psicografias de Xavier também não estavam aí para reclamar e ninguém se preocupou.
Humberto de Campos foi usado e abusado, da forma leviana e oportunista, a ponto de Chico querer ser o "dono" do autor maranhense. Humberto também não esteve aí para reclamar, enquanto Chico e Antônio Wantuil de Freitas faziam, a quatro mãos, textos que eram creditados ao autor falecido aos 48 anos, com uma autobiografia deixada incompleta. Os textos em nada refletem o estilo de Humberto, mas muitos trechos lembram o estilo das mensagens de Chico Xavier ele mesmo.
Humberto foi usado e usurpado por Chico Xavier para adotar posturas nada generosas. No livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, Chico atribuiu a Humberto posições sutilmente racistas, como atribuir inferioridade social a negros e índios e corroborar o mito católico do "julgamento de Jesus", que teria sido inventado pelo Catolicismo medieval para botar a culpa da condenação de Jesus de Nazaré ao povo judeu e não ao Império Romano.
Aliás, o referido livro, não bastasse ter sido feito mediante um acordo entre a FEB e o Estado Novo, reflete uma perigosa utopia em relação ao Brasil, definida pela promessa do país se tornar um líder político-religioso do mundo inteiro.
Claro que as pessoas vão dizer que é paranoia pensarmos em teocracia ou imperialismos. Mas o problema é a teoria e a prática serem muito diferentes. E o grande alerta em relação a esse projeto do Brasil sonhado por Chico Xavier é que ele pode se tornar um grave perigo para a humanidade.
Afinal, o discurso belo, a utopia de união dos povos, de solidariedade, reconciliação é apenas uma teoria. As pessoas até se esquecem que o mundo já mostrava o triste exemplo dos regimes tirânicos da Alemanha e Itália que também representavam promessas de "algo positivo" para seus respectivos povos.
A ameaça consiste no "obstáculo" que se poderá criar. Para uma "coisa boa" crescer, uma "coisa ruim" tem que ser destruída. E o que serão as "coisas ruins", os "obstáculos" a serem destruídos quando o Brasil se tornar um império mundial e o "espiritismo" brasileiro uma teocracia, é algo muito misterioso, que não temos ideia precisa de como será, mas que é muito preocupante.
A "invenção do inimigo" é algo que não vem na carta de apresentação de um projeto teocrático-imperial. A apresentação sempre mostra apenas o lado positivo, da "solidariedade entre os povos", da "união entre os divergentes" etc. Quem representar risco para o êxito dessa perigosa empreitada é que se torna o inimigo a ser eliminado, e é aí que se vê o "ovo da serpente" dessa "linda utopia".
Indícios dessa ameaça estão no desprezo à Ciência, quando ela ultrapassa os limites permitidos pelo "espiritismo" brasileiro. Cientistas como Wolfgang Bargmann, cientista alemão que nos anos 1940 estudou a glândula pineal (falsamente atribuída ao "espírito" de André Luiz pelos "espíritas) e Percival Lowell, que previu descobertas sobre Marte feitas em 2004, seriam jogados ao limbo.
Da mesma forma, o famoso juízo de valor dos "espíritas", de acusar as pessoas que sofrem desgraças de "pagarem" por supostos resgates morais em vidas passadas - algo feito sem provas, já que o "espiritismo" brasileiro é mal instruído em vida espiritual - é uma senha de como a dita "religião da bondade" pode se tornar um poder totalitário dos mais cruéis.
Daí para condenar pessoas à morte por causa de "resgates morais" e "reajustes espirituais" será um pulo. E o moralismo tem dessas coisas. Vide, por exemplo, o que ocorre com o feminicídio conjugal, em que homens evocam "valores da Família, do Amor e do Casamento", além da "defesa da honra masculina" para tirar a vida de suas companheiras, uma atrocidade brutal feita "na melhor das intenções" e que durante muito tempo teve a garantia da impunidade quase plena.
A culpabilização da vítima é uma prática feita com muita frequência pelos "espíritas". Até o "iluminado" Chico Xavier teria feito das suas, acusando as vítimas do incêndio em um circo em Niterói de terem sido "romanos sanguinários". O fato de botar na responsabilidade de Humberto de Campos (mal disfarçado pelo codinome Irmão X) só agrava a situação do "médium", porque fez uma acusação leviana e cruel e, além disso, botou em nome de outro para se livrar de culpa.
Há um lado sombrio do projeto do "coração do mundo" porque nossa humanidade é complexa. A utopia do "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" pressupõe um futuro de querubins dando as mãos e os discordantes do projeto serem "punidos" com perdão, misericórdia.
Mas essa perspectiva também havia quando o imperador Constantino criou a Igreja Católica Apostólica Romana, na qual se falava também em discurso de união, em valorização dos ensinamentos cristãos e na divulgação da paz e da fraternidade em todo o povo. A realidade, mostrou, porém, uma teocracia sanguinária e punitivista, da qual participou, tardiamente, o jesuíta Manuel da Nóbrega, o mesmo Emmanuel que teria prefaciado Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.
A tese do "coração do mundo" também seria reprovada por Allan Kardec, que nunca apoiaria projetos em que uma nação deteria o poder no planeta, mesmo com as "mais nobres intenções". A ideia do "Brasil Coração do Mundo" também revela um devaneio materialista, uma patriotada religiosa que nunca passou de uma utopia arrivista de um caipira do interior de Minas Gerais.
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