quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Famílias e a ideologia higienista do entretenimento "popular"

CRIANÇAS POBRES TAMBÉM PODEM CHORAR POR NÃO TER O CONVÍVIO COM O PAI.

Um fato é ilustrativo. Um colunista de jornal anunciou que uma apresentadora de TV estava em crise no casamento com um executivo da emissora. Ao saber disso, o filho adolescente fica apavorado e pergunta aos pais se isso é verdade. Pouco depois, um portal de celebridades publica nota desmentindo a crise conjugal que, dizem, ocorre mesmo, diante do fato da apresentadora andar aparecendo sozinha ultimamente.

Isso não ocorre quando os filhos são de musas que trabalham com fenômenos popularescos. O filho de uma conhecida funkeira está na mesma faixa etária do filho da apresentadora e nunca teve essa neurose. A funkeira, pelo menos aparentemente, segue "solteira" e anda dando declarações sobre "rapazes carentes" e em "querer dar uns beijinhos no Carnaval".

E olhe que, no caso da apresentadora e do marido, não há necessariamente uma cumplicidade ou uma afinidade pessoal, pois o estigma da "mulher do diretor" denota mais uma relação patriarcal do que uma união de afins. E mostra o quanto, entre as elites, se preocupa mais na solidez das estruturas familiares do que nas famílias pobres às quais têm nas musas popularescas um "modelo a ser seguido".

A realidade mostra que é nas classes pobres que há maior necessidade de haver estruturas conjugais mais sólidas. A baixa escolaridade não permite compreender as mudanças nas estruturas familiares - mães solteiras e pais LGBT - , dotadas de uma nova complexidade sociológica, e muitas famílias pobres seguem opções religiosas bastante conservadoras.

Por outro lado, as famílias pobres, principalmente as numerosas, se complicam quando há apenas a presença da mãe solteira. A vida se complica e, não raro, os filhos mais velhos, ainda adolescentes, têm que assumir as responsabilidades do pai, forçando a entrada na vida adulta na qual mesmo as crianças pequenas são empurradas para o mercado informal, para reforçar a precária renda familiar.

Estudos do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) mostram que a entrada dos homens pobres na criminalidade, em muitos casos, é influenciada pelo gosto de aventura e da violência que lhes servem para afirmar uma masculinidade que não é desenvolvida saudavelmente pelo convívio paternal, ausente na vida destes jovens. Em outras palavras, o crime serve para compensar a carência da afirmação masculina na infância, com a falta do convívio paterno.

Há uma finalidade higienista sutil e nunca oficialmente assumida quando a mídia do entretenimento enfatiza a vida de solteira apenas a mulheres famosas ligadas à hipersexualização e à difusão de valores machistas, mesmo dissimulados sob um falso feminismo. O "funk" acaba sendo a trilha sonora dessa campanha que só faz reafirmar a ideologia machista no Brasil.

É uma campanha que atira para todos os lados. Há a exploração da imagem depreciativa da mulher solteira, vista como "excessivamente hedonista", vivendo apenas pelo sexo e pela curtição. Mesmo adotando posturas politicamente corretas como um falso feminismo, isso não vai além do simulacro ou da caricatura. É um "feminismo de glúteos" que só contribui para reafirmar o machismo "sem macho" trabalhado por essas musas.

É um processo muito mais grave e muito mais cruel do que se imagina. Mostra ainda a influência da sociedade machista em "negociar" a emancipação feminina, sempre garantindo uma vantagem para o machismo, de uma forma ou de outra.

A mulher, dentro desse machismo "moderado", tem duas escolhas: se ela quer adotar uma postura mais sóbria, aprimorar conhecimentos, ser discreta e ter opiniões próprias, ela tem que viver sob a sombra de um marido, geralmente alguém dotado de uma posição de comando, sendo empresário, executivo ou profissional liberal. Uma emancipação feminina "vigiada" e "patrocinada" pela figura do marido.

Já a mulher que aceita fazer um papel de brinquedo sexual, vivendo das exibições obsessivas do corpo, ou, se apela para performances musicais, chegar ao ponto de exibir seus glúteos siliconados aos olhos dos rapazes da plateia, então ela não precisa sequer ter namorado, porque, cumprindo as normas machistas por conta própria, não precisa do "zelo" de um homem.

Nota-se, na mídia do entretenimento, que as mulheres que afirmam sua "solteirice" com maior convicção são justamente ex-integrantes do Big Brother Brasil, funkeiras, cantoras emergentes de axé-music, musas de times de futebol, ou sub-celebridades que "vivem do corpo". Poucas solteiras que aparecem na mídia fogem desses estereótipos marcados pelo sexo e pela curtição.

Enquanto isso, a mulher que procura, mesmo com imperfeições, sair dessa imagem hipersexualizada e obsessivamente lúdica, sempre tem a sombra de um marido poderoso. Como ela escolhe sair de estigmas machistas da mulher-objeto ou da mulher-festeira, então ela precisa ter sua independência simbolicamente monitorada pelo marido com alguma posição de poder.

Nessa "negociação" entre machismo e feminismo, aberrações acontecem. A mulher casada geralmente aparece sozinha nos eventos, podendo até viajar sem a companhia do marido, "ocupado nos negócios". Há casos de mulheres casadas que vivem "vida de solteira", por mais que declarem que continuam "casadíssimas".

Enquanto isso, no terreno pantanoso da "cultura" popularesca, há mulheres-objeto que escondem sua vida de casadas, "interrompidas" tendenciosamente porque, no mercado do erotismo "popular", há o princípio de que "ser solteiro vende mais". Há relatos de uma siliconada que inventou ter contraído uma dengue, que se curou mais rápido que o normal, trazendo desconfiança de que ela seria uma mulher casada e teria viajado para passar um fim de semana com o marido.

Nesse cenário um tanto louco, o que se nota é um processo de higienismo social, agravado sobretudo pela imagem depreciativa dos homens pobres que a imprensa "popular" e programas policialescos de TV transmitem, de maridos depravados a bandidos sanguinários.

É uma forma de criar instabilidades familiares, evitar a união de casais afins - em Salvador, a mídia representada pelas rádios FM chega mesmo a estimular moças pobres a rejeitar homens afins só pelo fato deles jogarem futebol nos domingos - e, portanto, evitar que se formem cidadãos ativos em estruturas familiares mais sólidas.nas classes populares.

É estarrecedor o contraste que se vê, numa família mais de elite, o padrão "comercial de margarina" com o marido e a mulher se comportando como meros amiguinhos diante do filho, com uma estabilidade forçada pelas conveniências sociais, pelas relações de amigos, pelos negócios, pela ascensão profissional da esposa, etc.

Enquanto isso, a criança pobre do sexo masculino, quando encontra tempo para brincar, não pode ver as crianças de classes mais abastadas saindo, cada uma ou cada mais delas, com o pai, porque sairá chorando. A falta do convívio do pai traz tristeza ao menino, que, diante do ambiente sobrecarregado e hostil em que vive, acaba virando machista ou criminoso até como uma forma de auto-defesa de uma formação masculina que não pôde aprender na vida familiar.

Isso dá margem a uma série de conflitos e desordens que contribuem para o aumento da violência nas classes populares, forçando os quadros de extermínio que, registrados no Censo do IBGE e de outras instituições que lidam com estatística, causam muita preocupação, em muitos casos sendo definido como uma não-assumida "limpeza social" nas populações pobres.

A projeção das "solteiras" siliconadas também desenvolve um sentimento misândrico nas jovens pobres que acabam também contribuindo para a "limpeza" noutro sentido, com a drástica redução demográfica dos pobres, não como um meio de equilíbrio populacional, mas como um meio de fazer certas etnias "desaparecerem" na sociedade brasileira.

Esse dado sombrio revela o que está por trás do "acordo" entre machismo e feminismo que faz com que mulheres emancipadas tenham que ter marido e mulheres-objetos não, fazendo com que, tanto em um caso quanto em outro, a supremacia masculina sempre leve alguma vantagem, ainda que simbólica, no caso do "popular".

E cria um jogo de interesses tão voraz que, no mundo pantanoso em que vivemos, há nas elites mulheres casadas que levam "vida de solteira", enquanto, na "cultura" popularesca, há mulheres bem casadas e felizes com seus maridos que, em nome da fama, precisam fazer o papel de "solteironas convictas", condição que o mercado erótico impõe para estimular o sucesso dos objetos sexuais.

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