domingo, 11 de janeiro de 2015

Divaldo Franco: a personificação do pretenso sábio "espírita"


Além de Francisco Cândido Xavier, outro figurão do "movimento espírita" que se destaca como anti-médium dotado de muito carisma e popularidade é o baiano Divaldo Pereira Franco, que encerra suas atividades aparentemente mediúnicas neste ano, quando supostamente sua orientadora Joana de Angelis anuncia que vai reencarnar no corrente ano de 2015.

Divaldo Franco é responsável pela Mansão do Caminho, misto de "centro espírita" e internato escolar que, inicialmente, funcionou na Cidade Baixa, na altura da península de Itapagipe, próximo à Ribeira, em 1952. Divaldo fundou a instituição com seu amigo Nilson Pereira, o "tio Nilson", falecido em 2013. Pouco depois da fundação, a Mansão do Caminho se mudou para o bairro do Pau da Lima, subúrbio central de Salvador - numa região que inclui Cajazeiras e Castelo Branco - , onde está até hoje.

Palestrante e suposto médium, Divaldo, ainda na década de 1950, torna-se amigo de Francisco Cândido Xavier. No entanto, um incidente quase põe a perder a relação de amizade, quando Divaldo é acusado por Chico Xavier de ter feito plágio de uma suposta mediunidade que o anti-médium mineiro havia produzido em 1951, atribuído ao espírito de Isabel de Castro.

A denúncia foi feita em 1962 e o caso foi relembrado pelo Fantástico, programa da Rede Globo, em 2004, através de reportagem do jornalista mineiro Luiz Gustavo. Divaldo teria feito um texto atribuído a Vianna de Carvalho, que apresentava pontos comuns com os do texto de Chico Xavier atribuído a Isabel de Castro, apenas com algumas variações de nomes. Os textos têm o mesmo título, "Um Dia", e a mesma estrutura textual.

As abordagens são idênticas, evocando a conversão de mentes pecaminosas ao Cristianismo, com a menção tendenciosa e oportunista de personagens e fatos científicos. Se um texto menciona Sócrates, outro cita Arquimedes. Se um cita Maria de Magdala (a Maria Madalena que conviveu com Jesus), outro cita Saulo de Tarso (o "São Paulo" dos católicos), mas o contexto das citações é o mesmo.

Os referidos textos são reproduzidos a seguir, surpreendendo pelas semelhanças e trazendo dúvidas se, lá do além, Vianna de Carvalho teria coragem de plagiar Isabel de Castro, e, pelo que conhecemos das artimanhas "mediúnicas", nenhum dos dois está ligado sequer aos textos atribuídos a eles.

UM DIA - CHICO XAVIER, pelo espírito Isabel de Castro. FEB, 1951

Um dia, Sócrates deliberou sair de si mesmo, apresentando alguns aspectos da verdade, e imortalizou-se.

Um dia, Colombo resolveu empreender a viagem ao Mundo Novo e desvelou o caminho para a América.

A gloriosa missão de Jesus começou para os homens no dia da Manjedoura.

O ministério dos Apóstolos foi definitivamente homologado pelos Poderes Divinos no dia de Pentecostes.

Tudo no Universo começa num dia.

O bem e o mal, a felicidade e o infortúnio, a alegria e a dor, invocados por nossa alma, guardam o exato momento de início.

Quando plantamos, sabemos que a produção surgirá certo dia. Se encetamos uma jornada, não ignoramos que, em certo momento, ela terminará.

Um dia criamos, um dia recolheremos.

Não olvides, porém, que a semente não germinará sem cuidado, em tua quinta.

Se deres teu dia à erva ingrata, ela se alastrará, sufocando-te o horto amigo. Se abandonares teus minutos aos vermes daninhos, multiplicar-se-ão eles, indefinidamente, impedindo a colheita.

Ocupa-te com o dia, de olhos voltados para a eternidade.

Das resoluções de uma hora podem sobrevir acontecimentos para mil anos.

Tudo depende de tua atitude na intimidade do tempo.

Judas era um discípulo fiel a Jesus, mas, um dia, acreditou mais no poder frágil da Terra que na administração do Céu, e traiu a si mesmo.

Madalena era estranha mulher, possessa de sete demônios; um dia, no entanto, ofereceu-se à virtude e inscreveu seu nome na História, figurando no cânone das almas inesquecíveis.

O amanhã será o que hoje projetamos.

Alcançarás o que procuras.

Serás o que desejas.

Acorda para a realidade do momento e amontoa bênçãos pelos serviços que prestaste e pelo conhecimento que difundiste em tuas horas.

O Tempo é o rio da vida cujas águas nos devolvem o que lhe atiramos.

Enquanto dispões das horas de trabalho, dedica-te às boas obras.

Se acreditas no bem e a ele atendes, cedo atingirás a messe da felicidade perfeita; mas se agora mofas do dia, entre a indiferença e o sarcasmo, guarda a certeza de que, a seu turno, o dia se rirá de ti.

UM DIA - DIVALDO PEREIRA FRANCO - Pelo espírito Vianna de Carvalho. FEB, 1962.

Um dia em que tomava banho, percebeu Arquimedes que os seus membros, mergulhados na água, perdiam considerável parte do seu peso, descobrindo, então, o princípio que o imortalizou.

Um dia, observando a queda de u’a maçã, Newton abriu as portas do pensamento para as leis da gravitação universal.

Um dia, resolvendo lutar contra o pessimismo das cortes européias e do povo, Colombo descobriu a América.

Um dia, após exaustivas experiências, a Sra. Curie descobriu o rádio.

Um dia, insistindo no ideal de bem servir à Humanidade, Zamenhof favoreceu a comunicação entre os povos com a língua Esperanto.

Um dia, Saulo de Tarso, tomado de radical anseio de fé legítima, transformou a concepção da vida e se fêz a maior carta-viva do Cristo.

Um dia, resolvendo viver para Jesus, Francisco de Assis fomentou o amor na Terra, renovando a conceituação vigente a respeito da Caridade.

Um dia, Gêngis Khan. disputando brutalidade, fez-se comandante de exércitos bárbaros e apavorou o mundo.

Um dia mentiste e todo um programa nefando teve início.

Um dia prometeste, olvidando logo mais a palavra empenhada, e o caráter foi afetado.

Um dia resolveste ajudar e uma vida nova começou.

Em todas as vidas existe sempre um dia, antecedendo a transformação do homem.

Um dia que dá origem a outros dias; um êxito que produz outros êxitos; um dano que assinala outros desvarios.

Examina teus pensamentos e atitudes cada dia. Age, mas pensa com cuidado.

Um dia, que pode ser hoje, dispõe-te à transformação para melhor, e assinalarás uma alegria estranha na tua existência.

Se num dia planejas o mal, logo sintonizas com os Espíritos maléficos que se comprazem com a leviandade e o crime.

Se num dia pensas o bem, cobrarás alento novo para fixar os marcos positivos do trabalho, afinando-te com as Inteligências superiores.

Pensa no dever, um dia, e, logo no dia seguinte, o pensamento nobre voltará ao teu cérebro.

Fixa a ilusão mentirosa e despertarás amanhã na decepção ultrajante.

Um dia, na vida, pode constituir-se início de um milênio diferente para tua alma.

Como a reflexão é a mãe de todas as virtudes, pensa bem e o teu caminho atravessará o portal de luz para a imortalidade.

A VERDADEIRA JOANA ANGÉLICA - Sem relação com a autoritária mentora de Divaldo Franco.

JOANA DE ANGELIS NÃO FOI JOANA ANGÉLICA

Uma diferença pode ser observada entre Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco. Se o mentor de Chico, Emmanuel, realmente foi o padre jesuíta Manuel da Nóbrega, no entanto Joana de Angelis não teria sido a sóror Joana Angélica que havia sido professora no Convento da Lapa, em Salvador (onde hoje funciona o Campus da Lapa da Universidade Católica do Salvador, UCSal), onde morreu tentando salvar suas alunas do ataque de um grupo de soldados arruaceiros.

A constatação dos dois casos toma como critério as obras e o estilo de personalidade e temperamento apresentados pelos mentores, em que um dos casos coincide perfeitamente com o personagem histórico evocado, mas no outro caso, essa semelhança não existe.

Joana Angélica e Joana de Angelis só se afinavam na energia com que reagiam às dificuldades da vida. Mas isso para por aí. A mentora de Divaldo, diferente da sóror baiana do Convento da Lapa, era autoritária, prepotente, extravagante e não suportava ver pessoas tristes. É conhecido de Joana de Angelis a sua ideia de que ninguém deve ficar triste por mais de quinze minutos.

Joana Angélica, por sua vez, teria sido mais tolerante, mais humilde e bem mais idealista. Sua formação católica a fazia, evidentemente, ensinar os dogmas e crenças próprios da religião, mas, em vez do pedantismo pseudo-científico da mentora de Divaldo, a sóror do Convento da Lapa tinha mais consciência moral e política, que a fez enfrentar os soldados embriagados que queriam estuprar as noviças.

As diferenças podem não serem claras à primeira vista, mas observando bem, a combativa, engajada e tolerante Joana Angélica destoa, e muito, da autoritária, extravagante e moralista Joana de Angelis, que ainda por cima deveria se enfurecer, tal qual matrona megera, a cada choro de criança que durasse mais do que um quarto de hora.

"MOVIMENTO VOCÊ E A PAZ" - Principal "arena" para a verborragia de Divaldo Franco.

O ESTEREÓTIPO DE DIVALDO FRANCO

Quanto ao estereótipo e ao perfil ideológico de Divaldo Franco, observa-se que ele personifica uma imagem bem diferente da de Chico Xavier. Se o anti-médium mineiro trabalha estereótipos que exploram contrastes ideológicos entre pobreza e riqueza, ignorância e sabedoria, fraqueza e força, silêncio e voz e emoção e razão, Divaldo, sem ir contra tais estigmas, trabalha uma imagem completamente diferente.

Ele trabalha a suposta reputação de "sábio" atribuída a Chico Xavier de maneira diferente. Chico é o "conselheiro emocional" que às vezes é promovido a profeta e a cientista às custas de sonhos confusos, cartas, depoimentos na mídia ou livros apócrifos ou mensagens diversas atribuídas a "outrem do além".

Já Divaldo Franco adota um tom professoral, nem tanto se aproveitando de contrastes, mas adotando um discurso erudito e uma verborragia acadêmica e por vezes rebuscada, além de uma dicção altamente articulada. É o típico orador de auto-ajuda, com seus malabarismos discursivos e seu exército organizado e coeso de palavras, distribuídas em entonações, ora serenas, ora dramáticas.

Chico Xavier é um falso sábio no sentido de que se transforma em dublê de filósofo através de um discurso mais sentimental e retoricamente confuso, embora com sua peculiar organização de palavras. Conquista mais por tocar na emotividade religiosa de seus seguidores e adeptos.

Já Divaldo Franco é um falso sábio pelo seu discurso rebuscado, pela ilusão que ele oferece de que pode responder a todas e às mais complicadas questões da vida, como se fosse a voz do inconsciente coletivo a dar a palavra final para todos os problemas.

O principal estigma dele é a erudição, tanto que em suas palestras, Divaldo hipnotiza as plateias com um grande desfile de referenciais diversos, dos quais variam de personalidades religiosas a celebridades atuais, de pessoas comuns a cientistas, dentro de um discurso que procura costurar narrativas de fatos diversos, que nas palestras enfatiza o tom dramático, enquanto na TV enfatiza o tom sereno e erudito.

Divaldo é mais místico do que religioso, no sentido estrito do termo. Difere de Chico por este personificar ainda a devoção católica travestida de "vocação espírita". O anti-médium baiano é mais esotérico e acredita, entre outras coisas, nas "crianças-índigo", estereótipo de "crianças superdotadas" inventado por um casal movido por interesses financeiros. É dado também a fazer supostas previsões, com datas marcadas para a evolução da humanidade.

A "religiosidade" de Divaldo torna-se, então, diferente da de Chico, porque no anti-médium mineiro ela evoca uma emotividade baseada em imagens do "bom velhinho" (obtida nos últimos anos e válida até hoje anos após o falecimento do anti-médium) e do "caipira simpático" que o sensacionalismo místico converte em "mestre" e "consultor sentimental".

No caso de Divaldo, a "religiosidade" é mais uma questão de evocar estereótipos como "erudição", "bom gosto", "mansuetude" e "serenidade", sem aparentemente enfrentar, com eventuais momentos de tensão, situações polêmicas severíssimas. Claro que Divaldo enfrenta suas polêmicas, mas ele encontra melhor contexto de reagir com o "silêncio da prece" do que o próprio Chico que a defendia.

Afinal, nas situações de polêmica mais agressiva, ainda que Chico, chorosamente, afirmava estar preocupado com a "fogueira das opiniões" e prometia "se recolher no silêncio da prece", seus partidários reagiam como "cães de guarda", Divaldo aparentemente parece ter maior jogo de cintura, reagindo com aparente serenidade até quando é acusado de plágio.

Bastante esperto, Divaldo Franco tentou driblar a situação, no caso das acusações de que teria plagiado Xavier. Oportunista, o anti-médium baiano pegou carona num dos princípios defendidos por Allan Kardec - de quem Divaldo trai nos seus fundamentos - , o da atividade de diferentes médiuns, distantes e sem relação entre si, para a consideração (e não o reconhecimento definitivo, mas preliminar) de uma mensagem espiritual. Eis o que disse Divaldo:

"O espiritismo explica que uma mensagem tem valor quando ela é recebida por diversos médiuns sem que eles tenham contato uns com os outros. Isso se chama ‘universalidade do ensinamento’. E eu psicografei essas mensagens sem nunca haver copiado ou me louvado em qualquer uma delas. À época, eu lia as mensagens do Chico Xavier como todos os brasileiros espíritas. Líamos com muito ardor, com muito interesse. Era natural, pois ele era o nosso líder. Se houve realmente qualquer manifestação de identidade, deve ter sido ou traição do inconsciente ou um fenômeno de corroboração".

CRIANÇAS-ÍNDIGO - Farsa criada por um casal norte-americano visando faturar às custas de misticismo pseudo-científico.

GOSTO DE "PREVER" AS COISAS

Divaldo Franco foi um dos entrevistados principais do documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, por ser um dos passatempos seus prever as coisas. Divaldo, em seu discurso verborrágico, chegou a marcar a "sua data" para a transformação da humanidade planetária. Divaldo apostou em 2052, mas fez suas considerações sobre o 2019 do sonho de Chico Xavier, alegando que "muitas transformações" apareceriam "em benefício do Brasil".

Divaldo e suas "crianças-índigo", seu "Alcione" (não a cantora, mas a estrela cósmica) e sua retórica quanto às transformações terrestres, distorcendo o que Kardec havia dito no livro "A Gênese", já que o professor francês nunca afirmou que evoluções humanas teriam datas determinadas ou elas ocorreriam mediante ascensões de países, quais eles sejam.

Mas o que é o bom senso e a coerência de Kardec, para um país esquizofrênico e ainda bisonho como o Brasil, diante do espetáculo verborrágico de um Divaldo Franco que complementa o desserviço já feito pelo sentimentalismo confuso de Chico Xavier...

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