domingo, 19 de junho de 2016

Rio de Janeiro realmente está em estado de calamidade pública

VÍTIMA DE ESTUPRO COLETIVO CHEGANDO PARA DEPOR EM DELEGACIA NO RIO. A CALAMIDADE PÚBLICA NÃO É SÓ ECONÔMICA.

A semana terminou com o governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretar estado de calamidade pública. A notícia chocou o país, mas de forma menos intensa, já que o Estado do Rio de Janeiro já tinha sido cenário de tantas ocorrências funestas, nos últimos anos.

Portanto, antes que a chamada "boa sociedade" carioca dissesse que esse decreto é um "mimimi" para arrancar verbas federais à toa, ou que é "culpa do PT" - de repente os petistas viraram bodes expiatórios de "tudo que está aí" no país - ou que não passa de uma grande frescura política.

É certo que Francisco Dornelles nem de longe é um político carismático. Ele parece um "dinossauro" político, da árvore genealógica familiar tanto de Getúlio Vargas quanto de Tancredo Neves (avô do desastrado e corrupto senador Aécio Neves) e, politicamente, de variantes conservadoras do governo carioca.

No entanto, o decreto só reflete a decadência avassaladora que o Estado do Rio de Janeiro e, por conseguinte, a sua antes imponente capital, está sofrendo. Uma decadência generalizada, algo como uma antiga vedete sofrendo AVC. A ex-Cidade Maravilhosa, palco de tantas ocorrências infelizes, realmente sofre uma calamidade pública, e ela não é somente econômica.

As pessoas têm a mania de admitir a crise quando falta dinheiro. Se tem dinheiro, não há crise. Se há sucesso comercial, não há crise. Essa é uma visão bastante enganosa que as últimas ocorrências estão pondo em xeque-mate naqueles que acreditam que, fora a "falta de verbas", o Rio de Janeiro "continua lindo".

Só a queda de uma ciclovia muito mal construída, matando dois ciclistas, e o caso do estupro coletivo que vitimou uma adolescente, mostram o quanto o Rio de Janeiro sofre uma decadência sem limites. E Niterói, antiga capital do Estado, segue o mesmo declínio, feliz em servir-se de capacho para a cidade vizinha, virando uma cidade provinciana do tipo que muitas cidades do interior já começam a romper.

É o espírito do tempo. O Rio de Janeiro decai como um todo. A cidade da Bossa Nova de 60 anos atrás hoje é a cidade do grotesco "funk", que agora se enrola todo para explicar um machismo que nunca assumiu antes.

Da mesma forma, é a cidade cuja boa parcela da população deu de presente ao país personalidades políticas de valor deplorável como o antes apenas inexpressivo Eduardo Cunha, eleito deputado federal em 2014 e convertido num tirânico e irresponsável presidente da Câmara dos Deputados, e o fascista Jair Bolsonaro, que chegou até a fazer apologia ao estupro, quando brigou com uma deputada do PT.

Os cariocas pagaram caro porque foi através de Eduardo Cunha que se interrompeu o mandato de Dilma Rousseff, que mesmo com suas imperfeições tentava manter o país nos eixos, com o controle dos preços, revalorização gradual dos salários e implantação de medidas de âmbito social. Cunha está associado às "pautas-bombas", propostas associadas a retrocessos sociais ligados a preconceitos religiosos e elitistas e à ganância financeira dos "moralistas" envolvidos.

Agora Cunha só está ameaçado de perder o mandato parlamentar - ele apenas está suspenso, embora tenha perdido a chance de, como presidente da Câmara, exercer eventualmente a presidência da República, nas ausências do titular Michel Temer - depois de muita trabalheira e pelo fato de que, pelo temperamento difícil, Cunha também oferece perigo para o grupo político que fez afastar Dilma, até pelo medo do deputado e marido de uma ex-jornalista da Globo "ir longe demais".

Arrivismo tem limites. E, na terra da Rede Globo, mídia traiçoeira de péssimos serviços de manipulação da opinião pública, até o público de rock, ligado a paradigmas de rebeldia juvenil, recebeu o péssimo "presente de grego" da Rádio Cidade, decadente emissora que usa o lema "Rock de Verdade" mas trabalha com equipe sem envolvimento algum com o gênero e com uma grade de programação que remete aos mesmos programas de besteirol e sucessos musicais da Jovem Pan FM.

Mas a tolerância do público roqueiro autêntico - ligado a projetos como Maldita 3.0, Kiss FM e Cult FM - com a supremacia mercadológica da Rádio Cidade (o pretexto é deixar que uma emissora incompetente mas "melhor estruturada" firme o rock no mercado, algo como deixar que um lobo faminto reorganize um rebanho de ovelhas) também revela um contexto de conveniências.

Afinal, já que até a imprensa internacional (ridicularizada por incompetentes jornalistas da grande mídia, que se pretendem "donos da verdade" com suas visões fora da realidade) acusa os políticos do PMDB carioca de agravarem a crise fluminense, faz sentido essa preocupação em "manter" uma decadente e incompetente "rádio rock": os donos da Cidade estabelecem alianças comerciais e turísticas com o próprio PMDB, os dirigentes esportivos e os empresários de grandes eventos.

Mas também os interesses econômicos e políticos também ganham um tempero automotivo, com o sistema de ônibus do Rio de Janeiro sofrendo uma decadência em níveis catastróficos - ou calamitosos, para citar o decreto de Dornelles - e não é só por motivação econômica.

O sistema decai pelos erros grotescos que atropelam de morte o interesse público com medidas impopulares - como a dupla função motorista-cobrador que demitiu muitos trabalhadores que sustentavam famílias, a pintura padronizada que esconde empresas de ônibus sob a mesma pintura, confundindo a população e favorecendo a corrupção político-empresarial que fez empresas surgirem e serem extintas, linhas trocarem de empresa e tudo o mais, sem que a população saiba.

A aceitação da pintura padronizada nos ônibus por uma população resignada fez com que as autoridades abusassem e impusessem novos retrocessos, como o fim das linhas diretas da Zona Norte para a Zona Sul, sob a desculpa do "sistema integrado", que já ceifou também linhas distantes como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha e 952 Penha / Praça Seca, complicando a vida de muitos moradores.

Era todo o processo que se vê hoje no governo Michel Temer. No conjunto da obra, uma coleção de retrocessos trazidos por um sistema de valores no qual o que vale é o status quo de quem decide, e não a validade ou não de uma medida.

Outra calamidade pública eram as ações de trolagem e cyberbullying nas mídias sociais, em que ataques em massa eram combinados para quem não concordava com esses valores estabelecidos, campanhas difamatórias complementadas, em certos casos, com blogues caluniadores criados contra os desafetos, geralmente parodiando suas atividades e usando de forma leviana e desrespeitosa seu legado pessoal.

Isso significa a ação de jovens desprovidos de formação educacional e moral que usam da "liberdade da rede" para depreciarem e ameaçarem quem discorda de um sistema de valores machista, racista, tecnocrático, midiático e econômico nos quais o poder dominante é praticamente divinizado e defendido com submissão extrema, cabendo punição a quem discordar disso.

Ver que jovens assim travestem sua mentalidade medieval através de uma falsa rebeldia, um uso de palavrões, ironias e sarcasmos que parecem "modernos", trajes que variam de universitários ou mesmo suburbanos comuns a outros que misturam hippies, black power, surfistas, skatistas e outros tipos aparentemente arrojados é assustador.

Só esses encrenqueiros digitais, em maioria residentes no Grande Rio, que mostram que a calamidade pública que atinge o Rio de Janeiro não se limita à crise econômica, mas um conjunto de valores. A própria vitória eleitoral do PMDB e a ascensão de figuras como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro revela esse obscurantismo sócio-cultural, que é a verdadeira calamidade que faz o Rio de Janeiro perder toda a razão de ser como antiga cidade-modelo para o resto do Brasil.

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