quarta-feira, 15 de junho de 2016
A overdose de religião e os valores retrógrados
A cidade de Orlando foi palco de dois crimes sangrentos que puseram o mundo a pensar. No dia 10, a cantora Christina Grimmie, de 22 anos, que havia sido finalista do The Voice matriz, nos EUA, foi assassinada por um fã enlouquecido, Kevin James Loibi, que depois chegou a ser detido pelo irmão da vítima, mas se suicidou em seguida.
No dia 12 foi a vez do terrorista Omar Saddiqui Mateen, de 29 anos, homofóbico declarado e simpatizante do Estado Islâmico, abrir fogo contra os frequentadores da boate gay Pulse, na mesma cidade da Flórida, EUA, matando 50 pessoas. Omar foi morto por policiais que entraram no local.
Uma porção de problemas envolvem esses incidentes. A começar, o clima de ódio que se propaga nas mídias sociais e faz com que jovens exagerem na rebeldia e idolatrem grupos sanguinários, seja o Estado Islâmico ou a Klu Klux Klan, por exemplo, passem a se tornar vingativos e reacionários.
São pessoas que, em diversos níveis, se irritam com as mudanças dos tempos e reagem de uma forma ou de outra. Pode ser um cyberbullying feito por quem não aceita que alguém discorde de um modismo ou de uma arbitrariedade política, como pode também ser um crime cometido por alguém enfurecido com alguma mudança ocorrida.
Num cenário cada vez mais caótico em que os EUA sofrem com a ocorrência de atentados a bala com várias vítimas e o Brasil está desgovernado com um grupo político cheio de gente corrupta - incluindo o próprio presidente interino, Michel Temer - , valores retrógrados ainda tentam resistir a todo tipo de transformação social.
É uma sociedade marcada por um estranho moralismo que faz ter posições estranhas. É uma sociedade cujos setores retrógrados chegam a elogiar o ato terrorista que matou gays, vinculada a uma sociedade patriarcalista que, no entanto, tem medo de ver feminicidas morrerem de repente por descuido da própria saúde.
Valores do obscurantismo religioso e racial, ligados a grupos como o EI e a KKK, preocupam a sociedade, por serem defendidos por uma parcela influente de pessoas, cujo tráfico de influência envolve parte dos meios de Comunicação, do Poder Legislativo ou mesmo do Poder Judiciário.
No Brasil, existe a bancada BBB, da Bíblia (evangélicos), do Boi (latifundiários) e da Bala (policiais, militares e armamentistas em geral) que querem até mesmo mexer na Constituição de 1988 e desfazer de muitas conquistas sociais históricas, obtidas com muita dificuldade e até tragédia.
Só para se ter uma ideia da gravidade da coisa, é essa bancada BBB, eleita por uma classe média confortável que aceita tudo que a Rede Globo diz e impõe (da gíria "balada" até acusações surreais contra o PT, como subornar o Papa Francisco), que defende reformas trabalhistas que irão rebaixar os trabalhadores assalariados aos níveis do mercado informal, com menor remuneração, menor qualificação e menos assistências e encargos.
Por exemplo, se um trabalhador sofrer um acidente de trabalho, cortando um braço pelo manejo inadequado de uma ferramenta, ele tem que ir a um hospital qualquer, enfrentar filas e ainda pagar para amputar o braço, sob risco de contrair uma infecção mortal.
É essa a realidade que o "maravilhoso" governo de Michel Temer e seu "heroico superministro" Henrique Meirelles - que especialistas já apontam como praticante de "pedaladas fiscais", o mesmo mal que, supostamente atribuído a Dilma Rousseff, motivou seu afastamento político - querem para os trabalhadores, sob o respaldo de um Poder Legislativo que parece viver no Brasil-colônia.
Muitos desses valores retrógrados estão por trás da religião. A religião só é boa quando se limita a ritos culturais, uma saudável tradução adulta das brincadeiras e da imaginação infantis. Mas quando ela se impõe à realidade, cria aberrações como a "bancada BBB" e os movimentos como EI e KKK, também apoiados em dogmas religiosos.
Mesmo a "benéfica" religião "espírita" se torna nociva pela desonestidade doutrinária acobertada pelo aparato das "palavras de amor". Só mesmo um país em que um plagiador de livros é elevado a um semi-deus, como Chico Xavier, que faz com que se aceite um governo como o de Michel Temer, comandado por uma horda de corruptos políticos.
A religião que motiva ações do EI não protege as pessoas das ameaças que as atingem. A família de Christina Grimmie era religiosa. Não temos condições aqui de avaliar se a influência religiosa influiu ou não na vulnerabilidade da cantora, mas frequentemente a religião traz energias mais azarentas do que, por exemplo, quebrar um espelho em casa.
Pelo menos o "espiritismo" é assim. Recentemente, uma série de assaltos ocorreram, em Niterói, numa área do Cubango próxima a um "centro espírita" local, cujas instalações lembram o de uma casa mal-assombrada, junto a uma área considerada erma e perigosa mesmo durante o dia.
A religião torna-se um repositório de valores retrógrados, que envolvem preconceitos elitistas e valores ligados ao machismo, ao patriarcado e ao patrimonialismo. Muitos valores moralistas da religião, incluindo os "espíritas", estão relacionados a ideia de que os privilegiados devem ser protegidos, mesmo em seus abusos, e os sofredores têm que suportar desgraças ou sair delas com muita dificuldade.
Os incidentes dramáticos que acontecem no Brasil e no mundo, como o estupro de uma multidão de homens contra uma adolescente no Rio de Janeiro, e a chacina na boate gay de Orlando, indicam esse pânico de setores da sociedade que não querem ver seus valores "tradicionais" caindo por causa das mudanças de padrões de relações amorosas, estrutura familiar, relações de trabalho etc.
A mesma sociedade que pede "morte aos petistas e aos gays" mas não aceita que feminicidas que mataram suas mulheres em nome da "defesa da honra" possam morrer de câncer por terem fumado demais. E apenas estamos citando algumas paranoias que saltam das redes sociais da Internet.
Na paranoia religiosa, o pai de Omar chegou a declarar que "cabe a Deus punir os gays". Ele lamentou que o filho tenha feito o atentado, mas também demonstrou homofobia diante do desprezo aos homossexuais.
O atentado de Orlando é comparado ao de 11 de setembro, o que mostra que os valores retrógrados do obscurantismo religioso, moral e cultural parecem se tornar mais violentos na medida em que seu desgaste se torna mais evidente.
A questão do ódio que é expresso nesses incidentes nem de longe é de falta de religião. No caso dos atentados fundamentalistas, é uma overdose de religião que faz pessoas agirem pela intolerância e fanatismo. O problema não é a religião em si. Mas quando ela tenta estabelecer seu monopólio sobre a realidade, ela revela aspectos negativos, quando a fé se transforma em fanatismo e se acha possuidora da verdade.
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