sexta-feira, 17 de junho de 2016

O Brasil quer voltar a 1974


O que está em jogo, nos fatos ocorridos no Brasil nos últimos tempos, é o esforço de uma parcela de brasileiros em resgatar os valores de uma estabilidade forçada do período do general Ernesto Geisel, que chegou ao poder em 1974.

Muitos fatos e incidentes ocorridos nos últimos anos refletem essa necessidade de combinar um quadro de "milagre brasileiro" da Era Médici com o contexto de democracia restrita do seu sucessor, e esse projeto parece ser o do atual governo de Michel Temer.

Atualmente, o contexto político é que dita essa perspectiva de uma marcha-a-ré social do Brasil. O governo do presidente interino Michel Temer procura retroceder, em muitos aspectos, em relação a conquistas sociais históricas, prometendo uma política econômica ultraconservadora que contraria muitos dos avanços historicamente atingidos.

Mas, mesmo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, essa perspectiva de voltar à Era Geisel era sinalizada, tanto por uma intelectualidade cultural que defendia o separatismo com um discurso dissimulado, quanto por outros agentes sociais que queriam a "paz forçada" de um equilíbrio forjado durante os idos de 1970-1978, mais precisamente durante o governo Geisel.

O machismo tenta resistir através das mídias sociais ou tanto pelas ocorrências de feminicídios que continuam acontecendo nos noticiários policiais quanto pelo erotismo compulsivo no qual "musas" como Solange Gomes e Renata Frisson, a Mulher Melão, como propagandistas.

O próprio erotismo das revistas pornográficas e das musas de aparência grotescamente "sensual", hoje expresso por essas e outras "musas" através de um sensualismo obsessivo, revela também o saudosismo de revistas antigas como Brazil e Big Man Internacional.

O "separatismo" cultural, que os intelectuais associados defendiam sob a desculpa de "combater o separatismo", forçando a classe média a aceitar a bregalização, num contexto ainda mais radical do que o da Era Médici, quando o mercado e a mídia empurravam o brega para o povo pobre enquanto a classe média ficava com a MPB e o Rock Brasil juntamente com a elite. Hoje, a classe média é induzida a apreciar o brega.

Ideólogos dessa "cultura popular" sonhavam com a volta da "provocatividade" pós-Tropicália, já banalizada e, sem o poder de impacto de 1967-1968, apreciava o comercialismo tosco dos ídolos cafonas, ideologicamente conservador mas tido como "subversivo" apenas por alguns aspectos meramente comportamentais.

O "funk" resgata esses aspectos grosseiros do imaginário brega, embora use um discurso ideológico de pretensa vanguarda artístico-cultural, que funciona na teoria mas não se observa na prática. Pouco importa: o que importa é a visão "oficial", a imagem marqueteira, criando uma "lógica" típica da miopia midiática e publicitária vigente na Era Geisel, ainda governada sob a vigência do Ato Institucional Número Cinco (AI-5).

A economia e outros aspectos do cotidiano, como, por exemplo, a mobilidade urbana, também tem perspectivas que remetem a 1974, entre o "milagre brasileiro" de Médici e a "abertura lenta e gradual" de Geisel.

Na economia, observa-se a volta de medidas para combater a crise - em outros tempos falava-se em "inflação" - , usando a desculpa do arrocho salarial para resolver despesas e déficits, enquanto subsídios são repassados para a indústria e planos de privatização são elaborados. Setores como Saúde e Educação, com menos investimentos, continuam no nível deficitário de sempre.

Na mobilidade urbana, o incômodo mascaramento das empresas de ônibus através da pintura padronizada, medida imposta à força no Rio de Janeiro, juntamente com outros suplícios como a dupla função do motorista-cobrador e o esquartejamento de percursos de linhas funcionais, revelam um projeto de sistema de ônibus que se comprova um fracasso definitivo.

No entanto, tudo isso é mantido sob desculpas de "caráter técnico" e baseadas numa reputação divinizada que o arquiteto Jaime Lerner, mesmo envolvido em corrupção política, ainda possui na sociedade. Recentemente, Lerner foi obrigado pela Justiça a devolver uma grande quantidade de dinheiro obtido em corrupção.

Lerner é apenas um exemplo de como tecnocratas são "santificados" mesmo quando envolvidos em casos de corrupção. É surreal que, num mesmo grupo político sem confiabilidade, a figura do secretário de Transportes, que impõe seu poder a empresas de ônibus escondidas numa pintura padronizada, seja considerado um "santo" ou algo próximo disso.

Falando em "santificação", a própria religiosidade também se desespera em resgatar valores de 1974. O catolicismo só não conseguirá recuperar a demanda que tinha antes, tal como sua influência na sociedade está longe de ter a força de outrora.

Mesmo assim, seu misticismo e moralismo refletem a herança católica, tanto em movimentos protestantes do tipo "neopentecostal" e derivados da Igreja Nova Vida, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Assembleia de Deus, todas em ascensão no período do governo Geisel.

No caso do "espiritismo", a ideia de seus membros hoje é justamente a de salvar a tendência que começou a prevalecer definitivamente no período Geisel: a postura "dúbia", que é a dissimulação do igrejismo de influência católica com falsas apreciações do cientificismo de Allan Kardec, postura consagrada com os mitos de Chico Xavier e Divaldo Franco.

O próprio anti-esquerdismo, que fazia com que operações militares suspeitas buscassem eliminar políticos como Juscelino Kubitschek, João Goulart ou mesmo Carlos Lacerda - direitista que passou a se opor à ditadura militar, ao saber que as Forças Armadas lhe barraram o caminho da sucessão presidencial - , criou um novo surto com as manifestações pelo "Fora Dilma" e a campanha caluniosa contra o PT e seus políticos.

Com esses aspectos, é estranho que a grande mídia não defina o período Geisel como "seus anos dourados". Afinal, todas as tentativas de recuperar aquele Brasil ao mesmo tempo castrado e resignado, onde as decisões partiam não da sociedade em si, mas de políticos, empresários, religiosos, tecnocratas e acadêmicos, estão sendo feitas, nem sempre com o êxito desejado, mas com todo o empenho para se fazerem prevalecer de uma forma ou de outra.

Desta maneira, vemos que o Brasil continua sendo um país conservador, pois a necessidade de uma boa parcela de brasileiros em querer fazer marcha-a-ré histórica, retrocedendo o país aos paradigmas vigentes em 1974, mostra o quanto tem gente que não quer progresso nem realismo e nem modernidade para o país. Para eles o que importa é um país "velho", mas estável.

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