sábado, 1 de julho de 2017

"Espiritismo": a religião da hipocrisia?


Quanta hipocrisia acumulou o "espiritismo" brasileiro. Assumiu sua raiz em J. B. Roustaing mas jura que "sempre foi rigorosamente fiel a Allan Kardec". Pratica um igrejismo extremo, catolicizado, mas alega "cumprir respeito absoluto" aos postulados kardecianos.

A doutrina igrejeira, em 130 anos de existência, acumulou uma série de confusões e contradições que continuam sendo feitas até hoje. Seus palestrantes, autoproclamados "sábios" (mesmo com a modéstia de "não se assumirem" como tais), não medem escrúpulos para escrever em seus textos coisas contraditórias e elogiar personalidades antagônicas entre si. Tudo pela "fraternidade", pela confraternização do Bom Senso com o Contrassenso.

Os "espíritas" perdem uma boa oportunidade de ficarem sossegados com seu Jean-Baptiste Roustaing e sua vaticanização. Preferem, em nome de um pretensiosismo, fingir que "respeitam rigorosamente" os postulados kardecianos originais e seguem seu igrejismo sob a desculpa da "afinidade com os ensinamentos cristãos".

A imagem que o "espiritismo" tem na mídia parece ser de uma doutrina "limpa", "sóbria" e "transparente". É um "espiritismo de contos de fadas", que dá até numa estorinha: a de um pedagogo que, inspirado nos ensinamentos de Jesus e nos fenômenos da espiritualidade, criou uma doutrina que os brasileiros remoldaram para virar uma religiãozinha muito simpática.

Tudo parece simples, se não fosse o conteúdo que está por trás. Mesmo as atividades mais agradáveis das "casas espíritas" revelam o dado cruel da deturpação. O que muitos entendem como "espiritismo" é um "catolicismo paralelo", que não deve ser entendido como uma seita dissidente da Igreja Católica, como foram as seitas protestantes.

Afinal, os hoje conhecidos evangélicos buscavam se distanciar do Catolicismo, aproveitando apenas algumas de suas bases litúrgicas mas criando outras completamente diferentes, que não cabiam nos postulados católicos.

Em outras palavras, os evangélicos buscavam se afastar do Catolicismo. Já o "espiritismo" brasileiro segue um caminho inverso, surgindo, em tese, comprometido com a novidade trazida por Kardec, e só depois se aproximou das práticas católicas, a princípio por questão de sobrevivência (os "espíritas" eram reprimidos pela polícia, no passado), depois por pura convicção.

Os evangélicos queriam ser "menos católicos" ao se iniciarem como protestantes. Os "espíritas", no entanto, acabaram sendo "menos espíritas" do que se pensa e muito "mais católicos" do que podem imaginar. A desculpa da "afinidade com os ensinamentos cristãos" é pura frescura, porque a aproximação está numa concepção de Jesus trazida pelo Catolicismo medieval.

É só verificar os livros "espíritas", sejam romances, biografias, relatos diversos. A catolicização é evidente até entre os que dizem criticar a vaticanização. Criticam-se os "imperadores constantinos" que estão nos outros, mas não se avalia o "imperador constantino" que o palestrante "espírita" mantém dentro dele mesmo, ele que se julga "rigoroso cumpridor do legado kardeciano".

A emotividade, a devoção, a mitificação, o misticismo, tudo isso nas obras "espíritas" brasileiras, e nas de outros países que seguirem similar orientação, reflete uma inclinação cada vez mais intensa ao Catolicismo medieval trazido pelos jesuítas portugueses à então colônia. Tantos são os espíritos de jesuítas evocados para "proteção" das "casas espíritas".

Allan Kardec não queria fundar uma religião nem seus livros expressavam um igrejismo como se vê, de forma escancarada, pelos seus supostos seguidores brasileiros. A gafe com que muitos palestrantes e escritores "espíritas" cometem, num momento alegando "rigoroso respeito com Kardec", no outro praticando igrejismo contrário aos postulados espíritas originais, mostra o quanto o igrejismo cobra um preço caro ao "espiritismo" brasileiro.

Hoje o "espiritismo" vive um impasse e, com a erosão doutrinária, motivada por tantas denúncias, a doutrina brasileira se limita a ser um receituário moral e uma entidade assistencial. Sem resolver suas contradições, o "espiritismo" se perde sendo refém de seus próprios vícios e prisioneiro de suas más escolhas.

Diante disso, permanece a viciosa mania de manter contradições, com seus palestrantes e escritores, para não dizer os "médiuns", fazendo turismo pelo Brasil e até pelo mundo espalhando ideias contraditórias, num momento falando até em Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos e nos alertas de Erasto, e em outro falando até em "milagres", santos, anjos e na "sabedoria" de Emmanuel.

Isso se torna uma grande hipocrisia e faz o "espiritismo" uma religião que se rebela contra seu precursor, mas finge que mantém respeito rigoroso a ele. E é vergonhoso quantos "espíritas" pedem "respeito rigoroso" e "fidelidade absoluta", quando eles mesmos traem o legado kardeciano, quantos reprovam o "espiritismo à moda da casa" que eles mesmos praticam!

Daí que o "espiritismo" virou a religião da hipocrisia, através de mediunidades fake que contradizem aspectos pessoais dos autores mortos alegados, ou da vaticanização dos postulados, num processo agressivo de deturpação.

Não resolve que alguns deturpadores, só para tentar fazer bonito, criticarem a vaticanização dos outros, quando eles é que mais os praticam. Entender corretamente a teoria de Kardec ou apelar para todos "não só conhecerem Kardec, mas vivê-lo", é inútil porque isso se torna letra "desencarnada" porque os que mais pedem "fidelidade a Kardec" estão entre os primeiros a trai-los com a vaticanização que dizem reprovar, mas que aderem com muito ardor e paixão.

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