terça-feira, 21 de junho de 2016

Niterói, a cidade do interior que nenhuma cidade do interior quer ser

TIDA COMO DE "ELEVADO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO", NITERÓI ESTÁ O CONTRÁRIO DISSO: VELHA, SUJA, ATRASADA E DEFICIENTE EM TODOS OS ASPECTOS.

No último dia 28 de maio, um desfile internacional reunindo celebridades estrangeiras realizou-se no Museu de Arte Contemporânea, em Niterói. Pode parecer um fato normal, não fosse um detalhe: por poucas horas, Niterói teve um destaque no Brasil e no mundo.

Foi apenas uma pálida lembrança de uma cidade que chegou a ser capital do Estado do Rio de Janeiro. O próprio Estado vive um estado (olha o trocadilho) de decadência avassaladora, e, se a cidade vizinha, o Rio de Janeiro, sofre uma decadência que não dá mais para esconder - recentemente, a cidade protagonizou um caso de estupro coletivo - , Niterói leva essa decadência até as últimas consequências.

É como se a antiga capital fluminense aceitasse tardiamente a condição subserviente imposta pela fusão dos antigos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara (este constituído apenas do município do Rio, depois que deixou de ser o Distrito Federal), decisão feita pela ditadura militar.

Mesmo diante dessa ação arbitrária, que "esvaziou" Niterói com praticamente toda a migração de negócios e instituições diversas para a cidade vizinha mais famosa, havia iniciativas de destaque como a até hoje insuperável experiência da rádio de rock Fluminense FM e a construção do imponente Museu de Arte Contemporânea, criação do renomado arquiteto Oscar Niemeyer.

Mas até essas duas façanhas decaíram. No espaço de sintonia da antiga Fluminense, opera uma rádio de notícias. Além disso, existe a complacência de adeptos da antiga Fluminense, ligados a iniciativas como o memorial Maldita 3.0 e rádios como a (hoje inativa) Kiss Rio FM e a digital Cult FM, com a canastrice eletrônica da Rádio Cidade, FM que se comprovou sem vocação, nem competência e muito menos tradição na cultura rock, além de ser feita por gente que não entende do ramo.

No caso do MAC, o aspecto decadente se refere não ao museu em si, mas ao seu derivado, o Módulo de Ação Comunitária, o Maquinho, museu voltado ao público infanto-juvenil, que teria sido dominado por traficantes do Morro do Palácio, no Ingá.

Niterói sucumbiu a uma decadência que, em certos aspectos, é até pior do que o do município vizinho. É certo que a decadência observada na cidade do Rio de Janeiro atinge níveis catastróficos que fazem a cidade sucumbir a um inimaginável atraso que a coloca abaixo até do que capitais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste viveram durante a ditadura militar. Mas Niterói está pior no contexto de sua acomodação que faz muitos dos críticos dizerem que a cidade "parou no tempo".

ACESSO CARO E DEMORADO

Reduzida a ser uma cidade-dormitório, Niterói está suja e miserável, com um grande número de mendigos e marginais nas ruas, bairros violentos (Fonseca, Viradouro, Caramujo e São Francisco são alguns dos exemplos), comércio decadente com lojas se fechando e um sistema deficitário de abastecimento em que produtos se esgotam no mercado rapidamente e demoram para serem reabastecidos.

Niterói não faz jus à antiga posição de um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano do país. O título teria sido obtido por dados maquiados, já que, a partir da década de 1990, a cidade decaiu muito.

Só o bairro do Viradouro, por exemplo, era um bairro de classe média quase aos níveis de Icaraí, mas hoje é uma "terra sem lei" onde traficantes circulam pela rua em plena luz do dia e controlam até mesmo o Conjunto Residencial Sílvio de Noronha, o Conjunto da Marinha do bairro. De vez em quando, o bairro sofre ocorrência de tiroteios em manhãs ou tardes de grande movimento.

A cidade de Niterói se comporta como uma cidade interiorana e perigosa, como nenhuma cidade do interior do país gostaria de ser. Sua urbanização caótica faz com que haja concentrações de favelas além da conta nas regiões de Pendotiba e Caramujo, criando uma estrutura desigual e desumana.

O comércio sofre com poucas opções de lojas e serviços. Até no âmbito da saúde faltam clínicas e consultórios realmente especializados em determinadas áreas. Lojas fecham constantemente, criando "corredores da falência" em vários cantos da cidade. O dado insólito é que, mesmo com esse quadro dramático, há o dado surreal do prefeito Rodrigo Neves ser premiado pelo SEBRAE por um projeto de empreendedorismo que nunca foi posto em prática.

Mas mesmo o comércio que existe e tem continuidade peca pelo desabastecimento, já que estoques de vários produtos desaparecem rapidamente mas levam uma média de duas ou três semanas para serem reabastecidos. Niterói se mostra um dos piores setores de logística existentes no país, e olha que a cidade fica no centro dos grandes distribuidores e fabricantes de produtos. Isso sem falar da lentidão dos operadores de caixas de supermercados, que mais parecem namorar o computador.

Eventos culturais também são raros numa Niterói que chegou a ser cosmopolita. A cidade que tinha uma cena de rock e MPB fortes, que deu ao Brasil de Leopoldo Fróes a Leila Diniz, vive a supremacia de ritmos popularescos (como "sertanejo" e "funk") e carece de verbas públicas para viabilizar uma rotina constante de atrações culturais de qualidade.

Na mobilidade urbana, destaca-se a péssima distribuição de linhas de ônibus, pois não há uma linha direta ligando, por exemplo, Charitas ao bairro de Alcântara, em São Gonçalo, e na cidade que constrói a ligação Charitas-Cafubá não há uma ligação direta entre os bairros vizinhos de Rio do Ouro e Várzea das Moças, cujo acesso precisa ser feito pela Rodovia RJ-106, complicando o trânsito no local.

Há também os problemas de deslocamento para o Rio de Janeiro, já que para ir à cidade vizinha o deslocamento é caro e, no caso da Ponte Rio-Niterói, bastante demorado, o que faz com que o niteroiense seja um "estrangeiro" para os cariocas, em que pese o vício da mídia fora do Rio de Janeiro confundir Niterói como se fosse um distrito da (outrora) Cidade Maravilhosa.

Além disso, há também a macaqueação da tenebrosa iniciativa da pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro, repetida em Niterói e em São Gonçalo, escondendo empresas de ônibus da população, coisa que não é resolvida pela exibição de pequenos logotipos que se perdem num olhar à distância ou se confundem quando colocados em janelas junto a outros logotipos (símbolo de cadeirante, de vistoria ecológica, preço da tarifa etc).

O pior é que as autoridades de Niterói falavam, com seu natural cinismo demagógico - não muito diferente do da famosa cidade vizinha e de pessoas do nível de um Eduardo Cunha - , que a pintura padronizada "tirava o vínculo visual" das empresas de ônibus, mas impunha um vínculo com a Prefeitura, num claro apelo de propaganda política, que praticamente "partidariza" o sistema de ônibus, com evidente prejuízo para os passageiros que usam ônibus para ir e vir de suas casas.

Nas linhas intermunicipais e interestaduais, Niterói peca pelo horário limitado e muito raro de várias linhas de ônibus para outras cidades, como Itaguaí e Três Rios, e pelo equívoco de um dos ramais da linha Rio X Salvador, que passa pelo município, não estabelecer parada na Rodoviária de Niterói, que há muito tempo perdeu o glamour que o Centro Norte, como um todo, que era similar ao da Praça Mauá carioca e hoje reduziu-se a um decadente reduto de ébrios, mendigos e marginais.

OUTROS PROBLEMAS

Não há uma lei de combate à poluição sonora e Niterói leva ao extremo o fanatismo pelo futebol, uma doença grave que atinge o Grande Rio e que chega a condicionar as relações sociais pela obrigatoriedade de gostar por futebol e, de preferência, torcer por um dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco), seguindo a regra da região metropolitana em que há gente que pergunta antes o time de alguém antes de saber o seu nome.

Durante as partidas esportivas, podendo ser até véspera de dia útil, no fim de noite, com pessoas indo dormir para acordarem para mais um dia de trabalho e várias morando longe e tendo que acordar ainda de madrugada, torcedores gritam feito feras ensandecidas a cada gol de seu time de preferência.

Pior é que esses torcedores, muitas vezes, parecem ficar em silêncio sepulcral, em boa parte do andamento do jogo, até que um gol faz com que uma gritaria em níveis altíssimos de decibéis, que fazem um quarteirão de bairro parecer uma arquibancada de estádio, desaba acordando os que já começavam a dormir, perdendo o sono com tanta barulheira.

Niterói parece muitas vezes rural e sem higiene, que até os caminhões de lixo espalham fedor por onde passam, diante de bovinos cidadãos que, seguindo a "Síndrome de Riley Day" (alusão à doença na qual sua vítima é incapaz de sentir qualquer tipo de dor) dos cariocas em geral, já nem sentem o mau cheiro que já existe em ruas fétidas de esgoto, de lixo espalhado e fezes de cães nas calçadas.

Há também o caso do grande número de fumantes em Niterói, um reflexo que acontece também em outras regiões do Grande Rio. O pior é que as pessoas que fumam têm o descaramento de andarem cerca de três, quatro ou cinco quarteirões sem fumar, só com o cigarro aceso na mão, cuja fumaça incomoda justamente os não-fumantes.

Isso é uma grande falta de respeito com quem não fuma. Se a pessoa é capaz de andar quatro ou cinco quarteirões sem fumar, por que então ela não para de fumar de vez, ao invés de ficar segurando um cigarro aceso para poluir a atmosfera? Ignoram os fumantes que um simples cigarro contém substâncias análogas ao de venenos de rato e fumaças que escapam dos canos dos automóveis.

A acomodação do Grande Rio é geral. O município do Rio de Janeiro já aflige o país com sua trágica e avassaladora decadência, simbolizada recentemente pelo estupro coletivo e, um pouco antes, pela queda de uma ciclovia mal-construída.

Mas Niterói causa espanto pelo fato de sua decadência não só ser semelhante ao da cidade vizinha como apresenta outros aspectos, que fazem com que Niterói decaia para um provincianismo pior do que seria admissível num Estado como o Acre. Mesmo tardiamente, é assustador que Niterói tenha passado a aceitar a condição humilhantemente servil que a ditadura militar lhe reservou quando realizou a confusa fusão dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara.

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