sábado, 15 de outubro de 2016
Por que a bondade, no "espiritismo", pode ser cúmplice da desonestidade?
No país da Operação Lava Jato, em que os projetos progressistas dos governos de Lula e Dilma Rousseff são combatidos com toda sua fúria, quando distribuir renda de forma mais próxima da justiça social plena é sinônimo de "corrupção", há uma complacência quanto às irregularidades do "movimento espírita" que chegam a níveis extremos e preocupantes.
É só observar, nas redes sociais, o quanto os internautas, na sua incompreensão que combina momentos de intolerância e outros de complacência, dependendo da causa envolvida, acham que "vale tudo" no "espiritismo" brasileiro, pois o que importa é o "trabalho do bem e do amor ao próximo".
Isso é muito perigoso, porque é uma interpretação leviana da ideia vaga de que "a bondade pode tudo". É possível alguém vir com uma falácia de que a bondade perdoa a fraude, a desonestidade, o roubo, a falsidade ideológica, de forma a ser aplaudido e virar uma pretensa unanimidade com tais ideias, em verdade bastante duvidosas.
A blindagem com que Francisco Cândido Xavier teve ao longo dos anos, principalmente desde os anos 1970, quando ele virou um "símbolo de filantropia" graças à máquina manipuladora da Rede Globo, mostra o quanto colocar a bondade e o amor ao próximo como desculpas para certas práticas desonestas é uma armadilha terrível para as pessoas.
Isso gera um descaso terrível. Observar, por exemplo, os livros que usam indevidamente o nome de Humberto de Campos, mas não correspondem ao seu estilo original, e aceitar tudo isso de maneira impune só por causa das "mensagens de amor", é uma aberração gigantesca de arrancar os cabelos.
Alguém aceitaria um trote telefônico em que o sequestrador, imitando a voz de um filho seu que, na verdade, foi assassinado, transmitisse palavras de amor, mensagens positivas de paz e caridade? Você aceitaria que a bondade justificasse atrocidades e enganos mil, feitos para prejudicar as pessoas?
É assustador ver as pessoas dizendo "não importa que mistifiquem e criem mensagens de gosto duvidoso, se elas sempre apelam para o bem, tudo é válido", diante de fraudes na literatura, artes plásticas e nas cartas que se atribui aos mortos, mas que vieram da imaginação fértil de supostos médiuns e consultas das mais habilidosas para "rechear" as mensagens de informações sobre seus supostos autores espirituais.
É muito chocante que as pessoas aceitem tudo em nome da "fraternidade". Mensagens que são agradáveis apenas pelo desfile das palavras, pouco importa quem fez. Um suposto médium usar o nome de alguém, se promover às custas do prestígio de um morto, criar da própria mente uma mensagem qualquer e botar no crédito do falecido de sua escolha e ainda virar unanimidade com isso.
O mais deplorável é que a esperteza de Chico Xavier em enganar as pessoas chegou a convencer tanto a mãe quanto o filho de Humberto de Campos. Usou de galanteios fraternais para conquistar o apoio de Ana de Campos Veras, mãe do escritor, e mostrou pequenas atividades filantrópicas para convencer o cético Humberto de Campos Filho. Foi mais fácil que tirar doce de uma criança!
Quando a bondade vira apenas uma qualidade subsidiária da religião, fica mais fácil então colocar o "amor ao próximo" a serviço da desonestidade doutrinária e das fraudes diversas. Até mesmo a falsidade ideológica, quando um suposto médium lança uma mensagem, em carta, livro, pintura, falsete vocal etc, que o falecido alegado não iria, por sua natureza pessoal, fazer, pode ser aceita, impunemente, sob a desculpa da "fraternidade".
Isso é terrível, e se trata de um dos piores vícios existentes no Brasil, uma teimosia doentia das pessoas em achar que a bondade é um "vale tudo" religioso, bastando que palavras como "fraternidade", "caridade", "misericórdia", "esperança", "amor" e outros valores positivos circulem nesse desfile de palavras bonitinhas da retórica religiosa, em especial a "espírita".
As pessoas não conseguem perceber se essa "bondade" realmente beneficia ou prejudica as pessoas. O fato dos familiares de Humberto de Campos terem aceito os pastiches literários de Chico Xavier e passassem a adorar o "bondoso médium", não significa que a soma da aparente bondade com a desonestidade resultem em qualidades melhores. A desonestidade não se torna honesta quando feita "em nome da bondade".
A falsidade ideológica salta aos olhos. Supostas obras atribuídas a Humberto, Auta de Souza, Olavo Bilac ou, da lavra de outros supostos médiuns, Raul Seixas, Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Leila Lopes e Ryan Brito, mostram muitas irregularidades que praticamente transformam a mediunidade, da forma como é feita no Brasil, uma atividade praticamente desacreditada e desmoralizada.
Quanto à filantropia, se ela fosse realmente um motivo para legitimar qualquer desonestidade, então teríamos que santificar, também, os políticos corruptos, sobretudo os "coronéis" das zonas rurais, que fazem gigantescas lavagens de dinheiro com aparentes atos de caridade. Mas ninguém vira santo porque usa a filantropia para obter votos em verdadeiro estelionato eleitoral.
Cabe, portanto, pensarmos fora do deslumbramento religioso, e vermos o horror que é usar a bondade como cúmplice da desonestidade doutrinária e das fraudes associadas, porque isso significa engano de qualquer maneira, e ludibriar nunca é um ato positivo, sobretudo quando religiosos se aproveitam disso para se ascenderem diante da boa-fé das multidões.
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