sábado, 29 de outubro de 2016
O perigo "filosófico" do mito do "inimigo de si mesmo"
Parece lindo o mito do "inimigo de si mesmo", que deixa as pessoas movidas por paixões levianas diante de tanto misticismo religioso. A ideia de "vencer a si mesmo", que muitos incautos acreditam ser até "filosofia", torna-se na verdade uma grande armadilha retórica.
O problema não é combater os conflitos internos, mas isso é uma questão da natureza da vida humana e não um efeito de uma suposta auto-rivalidade. O problema, quando se fala no mito do "inimigo de si mesmo", é justamente a contradição que isso pode causar em quem prega esse princípio moralista.
Você pode imaginar que os religiosos que pregam o "combate da pessoa contra si mesma" são os mesmos que apelam para o "amor próprio". Tão presunçosos em serem "filósofos" - e um religioso, em especial um "espírita", sempre é um zero em Filosofia - , os religiosos só conseguem confundir as pessoas, com um obscurantismo ideológico que mais se perde do que encontra a verdade.
Imagine. Uma ideologia religiosa que diz para a pessoa se amar e que, em outro momento, diz que a pessoa é inimiga de si mesma. Evidentemente, as contradições que ocorrem tentam ser reparadas no discurso por um malabarismo retórico que transforma "não" e "sim" em "sinônimos", mais confundindo do que esclarecendo as coisas.
Além disso, é muito vago e abstrato pregar para a pessoa "vencer a si mesma". A vida é tão complexa que isso simplesmente é inútil e conselhos assim são pura perda de tempo. E, se a religião se apoia na Teologia do Sofrimento, que é o caso do "movimento espírita", o mito do "inimigo de si mesmo" acaba sendo trabalhado como uma criminalização da individualidade humana.
É muito perigoso defender esse mito. Isso acaba criando o auto-ódio, a auto-repulsa, porque a ênfase no "combate a si mesmo", com toda a enrolação das desculpas verossímeis, inviabiliza ou torna difícil ao sofredor admitir qualquer chance de recuperar a auto-estima e o amor-próprio.
Se o indivíduo é "seu inimigo", como ele poderá "amá-lo"? "Amai os vossos inimigos"? Quantos passeios retóricos em que nunca se chega ao caminho da coerência mas é feito de tudo, pelo desfile engenhoso das palavras bonitas, para que se tenha a falsa impressão de que a coerência foi finalmente conquistada.
Afinal, não se sabe se o sofredor, sofrendo, é beneficiado, ou se, beneficiado, estará sofrendo, ou se seu inimigo é ele mesmo ou seu algoz, se seu algoz é seu amigo, se o sofredor deve agradecer a Deus pela desgraça obtida ou pela oportunidade de progresso perdida etc. Nada fica claro, tudo vira um engodo sem sentido, cujo único sentido é a beleza das palavras que soam com água com açúcar nos corações de muitas pessoas.
Há um grande perigo em dar um sentido "filosófico" à ideia do "inimigo de si mesmo". Até porque, se ele parte para uma contradição no qual o indivíduo tanto é convidado a se amar e valorizar quanto a ser combatido como sendo um pior inimigo, então não existe verdade. São contradições sérias que dão uma sensação imediata de indecisão e incoerência.
Não há como os religiosos correrem e explicarem "não é bem assim". Até porque eles lançarão mão de juízos de valor e de um desfile pomposo de palavras bonitas e organizadas, que só servem para vender livros de auto-ajuda ou de conteúdo religioso.
A primeira sensação é que fica e o choque que o indivíduo tem diante da ideia de que ele é seu pior inimigo torna-se muito sério para que o indivíduo depois possa desenvolver um amor-próprio. Além disso, nos casos do suicídio, então, como o suicida nada tem a perder diante do juízo de valor alheio, porque ele já está perdido, tanto faz se ele é considerado carrasco de si mesmo.
O problema maior é o próprio moralismo religioso por trás do mito do "inimigo de si mesmo", uma ideia tão abstrata que os religiosos acabam usando para condenar a individualidade, para fazer o indivíduo não necessariamente viver melhor numa coletividade, mas ser apenas "mais um no rebanho".
Não se pode ver sabedoria neste mito. Ele só serve para dar um "tom poético" ao moralismo religioso, travesti-lo de falsa filosofia e deslumbrar as pessoas com um discurso hipnótico e envolvente. E serve, acima de tudo, para as vaidades dos pregadores religiosos, artífices das belas palavras, mas inimigos da lógica e do bom senso e, por conseguinte, da verdadeira Filosofia.
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