quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A insensibilidade do moralismo "espírita"


Desconfie quando os palestrantes "espíritas" lhes dizem que a desgraça é um "aprendizado". O tom paternal dessa seita igrejeira, diante dos sofrimentos e das angústias alheias, esconde uma insensibilidade que tais religiosos sentem, até porque eles são os remediados da vida, vivendo na fortuna das palavras bonitas, recebendo condecorações e vivendo dos louvores da Terra.

Eles não sabem, muitas vezes, que as dificuldades ocorrem acima de qualquer esforço. Em muitos momentos, os esforços são muitos para um resultado que se torna aquém do esperado, isso quando eles não foram feitos em vão.

Nem toda desgraça é um aprendizado, nem todo infortúnio é uma bênção, mas os palestrantes "espíritas", senhores da "palavra final", acham que toda dificuldade é fácil de se superada e os obstáculos intransponíveis podem ser derrubados com um sorriso e uma prece. Talvez eles nem falem de dificuldades, porque as piores dificuldades, para eles, são "facilidades"!

Isso demonstra o vínculo que o "espiritismo" tem com a Teologia do Sofrimento, o que se comprova mais e mais, a cada dia, através de ideias e práticas. Não é preciso assumir uma causa para ser defensor da mesma, pode-se negar mil vezes no discurso, que a prática confirma, afirma e comprova milhões de vezes mais.

A Teologia do Sofrimento é a maior herança que o Catolicismo medieval deixou no "movimento espírita". Sabe-se que o "movimento espírita" é reflexo de uma tendência dominante no Brasil, que é assimilar uma novidade de forma parcial, como se negociasse o legado de alguma nova tendência com as tendências obsoletas que deveriam ser rompidas, mesclando apenas alguns valores básicos da nova tendência com a essência de valores retrógrados e obsoletos.

É como se criasse um bolo novo, no qual apenas a cobertura e algum recheio são novos. Mas a massa do bolo se torna velha e mofada, e por mais que o sabor seja enjoado e sua ingestão causar problemas, a ideia é que tem que prevalecer sempre essa receita, fossem os danos que causassem.

O velho sempre impõe condições para o novo, que chega sem a essência original. E isso ocorre em muitas tendências, o que faz com que o Brasil permanecesse no mesmo quadro de atraso, porque novos valores, em vez de transformarem, são praticamente anulados pela deturpação em prol de velhos valores.

E assim a novidade trazida por Allan Kardec teve que se adaptar ao Catolicismo medieval que os jesuítas deixaram no Brasil colonial. A Igreja Católica se desfez da "mobília" medieval, se adaptando aos poucos aos contextos do século XX, enquanto que o velho Catolicismo medieval apenas se misturou com alguns conceitos básicos da Doutrina Espírita para estabelecer os postulados brasileiros.

O deturpador Jean-Baptiste Roustaing acabou tendo preferência sobre Kardec. O roustanguismo desenhou as bases doutrinárias do "espiritismo" brasileiro, estando presentes em Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, os deturpadores brasileiros da Doutrina Espírita.

Mas nem Chico Xavier nem Divaldo Franco assumiram o roustanguismo, e, por razões político-institucionais - se vingariam de uma denúncia de um dirigente da FEB dizendo que Divaldo plagiou Chico, abandonando formalmente Roustaing que era o "mestre" da cúpula da federação - , se autoproclamaram "kardecistas autênticos".

E é com base nos dois deturpadores que se observa que o "espiritismo" brasileiro se apoia na Teologia do Sofrimento, que no exterior está associado a Santa Teresa de Lisieux e Madre Teresa de Calcutá. A Teologia do Sofrimento influi mais nos postulados do "movimento espírita" do que os livros de Allan Kardec, que têm que ser filtrados por traduções igrejistas como as das editoras FEB e IDE, que "pasteurizam" os postulados kardecianos para um conteúdo mais católico.

E é isso que faz com que o moralismo "espírita" tente considerar o sofrimento humano como coisa positiva. Descrever infortúnios e desgraças como "aprendizados" e "desafios", a exemplo do que Madre Teresa falou sobre o sofrimento, como um "presente de Deus", só revela a insensibilidade e o desprezo dos prejuízos humanos.

A cada dia os palestrantes "espíritas" mostram seu superficialismo, quando seu desfile de belas palavras perde o seu sentido de estímulo. Falar em "felicidade" e "viver a vida", dizer ao sofredor que "o mundo é belo" torna-se insuficiente pela complexidade das desgraças humanas, nas quais o belo desfile de palavras não traz qualquer resposta para os sofredores de situações muito graves.

Madre Teresa já foi denunciada, acusada de maus tratos aos seus "assistidos", e a posturas um tanto desumanas, como pedir para que se perdoem os empresários que, por descaso, deixaram ocorrer um trágico acidente em Bophal, na Índia. "Perdoe, perdoe", disse ela, num tom que lembra o nosso Chico Xavier, só que dito em inglês.

A "santa" também comemorou quando milhares de seus assistidos morreram por causa da desnutrição, fome, falta de remédios e contaminações por seringas reutilizadas e pela exposição mútua de doentes graves, que facilitava o contágio. "São novos anjos ao encontro de Deus", pregava Madre Teresa.

O sadomasoquismo religioso mostra o quanto o mundo, e sobretudo o Brasil, hoje mergulhado num cenário político, já definido como Estado de Exceção, simbolizado pelo retrógrado governo de Michel Temer e sua agenda que lembra mais o projeto político do general Ernesto Geisel, está desgastado e como a moral, do ponto de vista do mais forte, seja ele um aristocrata ou um religioso, está cada vez mais desumana.

E tantos apelos para "aguentar o sofrimento" se multiplicam nos textos de palestrantes ou periódicos "espíritas", como numa falsa coincidência no qual o que está em jogo é pedir para que as pessoas aguentem todo um sistema de retrocessos sociais que está em andamento. Sinal que o "espiritismo" brasileiro está apoiando o governo de Michel Temer e seu projeto político ultraconservador.

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