terça-feira, 11 de outubro de 2016

Renato Russo e a pieguice "espírita"

RENATO RUSSO, NOS TEMPOS DO GRUPO PUNK ABORTO ELÉTRICO.

O desconhecimento da paranormalidade e da comunicação com o mundo espiritual e a total ignorância quanto à vida no além-túmulo fazem com que a divulgação de mensagens atribuídas a espíritos falecidos quase sempre seja um processo fraudulento e de credibilidade duvidosa.

De Getúlio Vargas a Ryan Brito, passando por Raul Seixas, Mamonas Assassinas e Ayrton Senna, para não dizer literatos como Humberto de Campos e Auta de Souza, ou Olavo Bilac e Casimiro de Abreu, todos eles, na verdade, nunca se comunicaram com a gente na Terra. O que nos chegou sob sua suposta responsabilidade eram apenas cartas apócrifas, criadas pelos próprios "médiuns", e nunca passando de um mero marshandising religioso do "movimento espírita".

Nem a farsante Madre Teresa de Calcutá havia mandado a mensagem espiritual atribuída a ela pelo "médium" Robson Pinheiro, porque ela, que no fim da vida tomou conhecimento das denúncias de suas irregularidades pelo trabalho sério de Christopher Hitchens, passou a sentir a consciência pesada que só se agravou no além-túmulo, tornando-a completamente incapaz de escrever aquele "lindo livro" com "mensagens serenas de pura sabedoria".

Nem mesmo a compreensão da boa teoria salva os "médiuns". Vemos os "tarimbados" Divaldo Franco e José Medrado lançando mil teorias sobre "mediunidade", algumas delas aparentemente corretas, e suas práticas foram tão somente de pastiches literários e uso de falsidade ideológica ou lançamento de pseudônimos para produzir obras "espirituais" de propaganda igrejista.

Muitos desses "médiuns" dizem ler O Livro dos Médiuns, citam o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, aconselham, vejam só, a evitar os "falsos médiuns" e até lançam livros inteiros sobre mediunidade, dando a impressão de que entendem e praticam o rigor e a cautela recomendados por Allan Kardec.

No entanto, o resultado de seus produtos "mediúnicos" é um desastre. Não é a carteirada religiosa que garante a autenticidade, muito pelo contrário, vemos o prestígio de muitos "médiuns", a contar do exemplo do próprio Francisco Cândido Xavier, ser usado para proteger fraudes, simulacros, irregularidades diversas que fazem das "psicografias" serem, na verdade, paródias do que os espíritos dos falecidos haviam sido ou feito em vida.

Chico Xavier abriu o caminho a essa prática irresponsável, e merecidamente recebeu críticas das mais duras e enérgicas de especialistas literários sérios. Muitos acham que ser religioso é mole, que pode se posar de vítima diante de críticas e fazer choradeira para comover a opinião pública, mas a verdade é que Chico Xavier não teve razão e sua produção literária atribuída aos espíritos de grandes literatos nunca passou de pastiches e plágios, atingindo níveis de paródias.

Até hoje muitas pessoas se assustam quando se contesta a veracidade do suposto espírito Zílio, que o "médium" Nelson Moraes, protegido pelo seu prestígio religioso, diz ter sido Raul Seixas. Mas a verdade é que, nas obras do tal "Zílio", o que se vê é um falso Raul Seixas que demonstra ser abobalhado, ingênuo e inseguro, diferente do roqueiro cínico que havia sido no final da vida, quando lançou o disco A Panela do Diabo com o vocalista do Camisa de Vênus, Marcelo Nova.

Renato Russo e Cazuza tiveram a mesma coisa. Cazuza foi apenas citado por Robson Pinheiro e seu "Ângelo Inácio", pois talvez seria demais botar na conta do cantor supostos romances igrejeiros. Mas o Cazuza que apareceu num livro de Robson Pinheiro mais parecia um clone do Sérgio Mallandro, um garotão abobalhado que parecia fazer gracinhas no Qual É A Música de Sílvio Santos.

Renato Russo, que faleceu há exatos 20 anos, é explorado pelos "espíritas" de forma que soasse como uma paródia do poeta reflexivo que se tornou a partir de As Quatro Estações, álbum de 1989 da Legião Urbana que rompe com a natureza punk herdada pelo Aborto Elétrico.

A carteirada religiosa dos "espíritas", que lhes permite usar os nomes de espíritos falecidos de maneira impune e abusiva (há "centros espíritas" que usam nomes de Auta de Souza, Humberto de Campos e até Carlos Chagas), permitiu até mesmo que uma letra de Wilton Oliver, supostamente atribuída a Renato Russo, intitulada "Do Além", fosse gravada pela cantora Carolina Garcia diante de seus seguidores que acreditam que aquilo foi feito pelo falecido cantor da Legião.

As letras "espirituais" soam piegas. Tentam imitar o estilo poético de Renato Russo pós-1989, mas num claro apelo igrejista, que não condiz ao que Renato havia escrito em vida, ele que havia sido também cético, questionador e em muitos momentos amargo e sombrio.

A veia punk herdada pelo Aborto Elétrico - foi nos tempos deste grupo que Renato compôs "Que País é Este?" com acordes inspirados em "I Don't Care" dos Ramones - continuou sobrevivendo, mas em contexto bem diferente, na Legião Urbana. Vide o verso "os assassinos estão livres" de "Teatro dos Vampiros".

É muito diferente do igrejismo piegas e gosmento que se vê nas letras "espirituais" trazidas por Wilton Oliver. Soam pastiches, paródias, como na leva de muitas bandas ruins de Rock Brasil que surgiram na cola da Legião Urbana fazendo falsa poesia, abusando de trocadilhos e falsa melancolia piegas e vazia de sentido.

Vejamos estas letras, que comprovam o pastiche e a paródia do lirismo de Renato Russo que só servem para propaganda igrejista, para o mershandising religioso. Há até o apelo "vamos ser menos ateus", uma paródia de apelo igrejeiro para "Deus, somos todos ateus" de "Depois do Começo", escrita em vida por Renato. Começamos com "Do Além", a letra que os "espíritas" tiveram coragem de musicar e gravar:

DO ALÉM

Eu vim de lá
Eu vim contar
A história mais feliz
A quem quiser sorrir
Falar do que tem dentro de mim 

Vim dar do que é meu
Da parte de Deus
E um sonho pra sonhar
Um canto pra cantar
Eu vim de lá

Vim pra dizer das coisas que aprendi
De um mundo mais feliz
Vim fazer o bem
Vim dar mais do mel
Bem menos do fel
Mais vidas pra lembrar
E um sonho pra sonhar além
Do além

HOJE MAIS QUE ONTEM

Bom olhar o sol nascer 
além das montanhas 
e afastar a sombra pra lá de mim. 
Bom ver o mar e o céu azul 
num rosto amigo ver Jesus. 
Bom saber que o amor está aqui.

Quantos segredos guardei 
e poucas vezes perdoei. 
Quantos erros esqueci de perdoar. 
Eu poderia lamentar, 
mas prefiro tentar outra vez.

Tudo se renova em espírito e verdade, 
mais justiça, 
enfim, mais amor em mim.

Vejo mais fraternidade, 
não estamos sós, 
na beleza do infinito eu estou aqui. 
Acredite em mim, 
simplesmente vivo.

Só a verdade me liberta. 
Eu tenho sede, 
eu tenho pressa, 
eu acredito na promessa, 
acredito nas palavras de amor e fé, 
meu coração guarda as tuas palavras. 
Não existe perigo, 
tu estás comigo 
e com meus irmãos.

MENOS ATEU

Eu só desejo a você o que for necessário
É o que desejo a você.
A primeira vez era só incompreensão
A gente não sabia, mas alguém falou da lei de amor
E nos mostrou então a salvação é caridade
E desde então escolhemos a verdade.
Olha, o sol já vem, já vem, já vem
Vem, vem somar o sorriso teu
Do primogênito ao derradeiro,
Somos todos filhos de Deus - Refrão
Eu só desejo a você o que for necessário
É o que desejo a você
Que a paciência que te falta hoje,
amanhã você possa ter
Que você possa plantar a felicidade
E você saiba doar tudo aquilo que se tem
Que você faça somente o bem
Olha, o sol já vem, outra vez já vem
Vamos brincar no quintal de Deus
Vamos ser mais honestos
Vamos ser menos ateus.
O que nasce do amor só pode ter bondade
Não acredito na imperfeição
Não acredito na maldade
Eu sei, temos nosso ninho
Mas, se vamos brincar no quintal de Deus
Vamos ser mais honestos
Vamos ser menos ateus.

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