sábado, 23 de julho de 2016

A preocupante resignação dos cariocas


O carioca sai de casa para pegar um ônibus para ir ao trabalho. Vai para uma avenida geral, mal recuperado do sono e cheio de coisas a fazer, mas é obrigado a ter a atenção redobrada por causa da pintura padronizada que faz as diferentes empresas serem visualmente iguais, umas às outras.

Isso já é um grande transtorno. No ir e vir, isso revela o quanto os cariocas estão conformados com medidas nocivas, prejudiciais, como um simples fato de pegar um ônibus com pintura padronizada, já que o autoritarismo do PMDB carioca - o mesmo do deputado afastado Eduardo Cunha - fez proibir que cada empresa de ônibus tivesse a sua identidade visual própria.

As autoridades impõem a medida usando desculpas de caráter "técnico" e o povo aceita. Empresas mudam de nome, linhas trocam de empresa e a pessoa acredita que voltará para casa sã e salva, quando os noticiários confirmam que só esta medida, na verdade um mershandising não assumido da Prefeitura do Rio de Janeiro (é ela que fica com o vínculo de imagem das frotas de ônibus, como se estas fossem um gado do secretário de Transportes), causou decadência no transporte público.

E é uma decadência trágica, terrível, de ônibus sucateados que frequentemente se envolvem em acidentes de trânsito de arrepiar. É claro que isso acontecia antes de haver pintura padronizada, mas naquela época não era tão frequente assim e o sucateamento dos ônibus revela a confusão de representatividade do sistema implantado em 2010.

É um sistema em que a Secretaria de Transportes (representada pela pomposa sigla SMTR) tem poder concentrado no serviço de ônibus, sendo o secretário não o fiscal do sistema, como deveria ser, mas um tirano dotado de um discurso pseudo-racional. Em contrapartida, as empresas de ônibus não podem exibir suas identidades visuais, mas interferem no jogo eleitoral, financiando seus candidatos e até recorrendo a fraudes para que estes sejam eleitos.

Quem fica perdendo é o cidadão. O cidadão que não pode eleger o candidato que quiser porque a "máquina eleitoral", esse cabresto eletrônico chamado "urna eletrônica" - um instrumento "futurista" que não é adotado por países mais evoluídos do mundo, pelo risco de fraude que isso representa - , também sente dificuldades em pegar um ônibus.

O que assusta é que o carioca está disposto a aguentar todo tipo de retrocesso. Parece um portador da Síndrome de Riley Day, doença que impede as pessoas de sentir dor. As pessoas perdem a noção de seus próprios prejuízos e são manipuladas pela mídia para defender isso ou aquilo.

No Rio de Janeiro, os retrocessos não se dão somente pelos rombos dos cofres públicos, pelo aumento da violência nas ruas, mas por muitas outras coisas. Por exemplo, a ironia do Rio de Janeiro, um dos centros de fabricação e distribuição de produtos, demorar a renovar estoques, já que os produtos desaparecem das prateleiras e ficam pelo menos duas semanas sem reposição.

Mas mesmo atitudes "positivas" como haver, em tese, "rádio de rock", para o público voltado para este estilo, revela um retrocesso: a supremacia de uma FM incompetente, a Rádio Cidade, sem pessoal especializado no gênero, com uma programação que só toca os "sucessos" (hits) e que nem de longe aborda o básico da cultura rock, já que sua grade é literalmente chupada de rádios pop como Mix e Jovem Pan.

A rádio só irá sair do ar em 31 de julho por conta da baixa audiência, mas mesmo assim a tristeza do público soa como uma ingenuidade, afinal a Rádio Cidade não tinha 1% da competência das rádios de rock originais e seus locutores, de tão perdidos, esperavam que os ouvintes lhes mostrassem o que deveriam tocar a mais de músicas de rock. Só que os locutores têm formação pop e, com ela, seus preconceitos, e dificilmente aceitariam tocar o rock que não rola nas paradas de sucesso.

E aí entrou também a resignação: roqueiros que conheceram o legado da Fluminense FM, rádio de rock que marcou o dial do Grande Rio, não parecem se indignar com a incompetente Rádio Cidade, aceitando sua existência em troca de um hipotético fortalecimento do mercado roqueiro, aguentando uma FM coordenada por um fã de "sertanejo" (!) e cujos programas tratam o ouvinte como um idiota, só pela garantia de ter medalhões do rock tocando no Rio todo ano.

A resignação se estende também na aceitação do "funk", um pastiche de folclore popular carioca, como paradigma de "cultura popular", mesmo sendo o ritmo um subproduto do poder midiático (sua popularidade só se deu sob o apoio da Rede Globo de Televisão, Folha de São Paulo e afins), mesmo quando o ritmo aborda o povo pobre de maneira caricatural e sutilmente pejorativa.

Mas o conformismo está também nas pessoas ouvirem sempre as mesmas músicas do pop adulto, fazerem sempre as mesmas festas, irem às boates com o prazer que lhes foge como um gato assustado, terem um injustificado fanatismo pelo futebol carioca, cada vez mais sem graça, e pouco se incomodar se a cerveja produzida hoje tem mais gosto de urina espumante.

É esse conformismo que transforma o carioca num masoquista, que permite que o Rio de Janeiro sofra a decadência vertiginosa que está sofrendo, pois o referido Estado, cuja capital é sede das Olimpíadas de 2016, passou por um retrocesso tão imenso que sua situação hoje é nivelada ao dos piores momentos dos Estados do Norte e Nordeste no período da ditadura militar.

Muitos cariocas ainda se encontram em estado de choque diante dessa constatação. Não acreditam que o Estado do Rio de Janeiro e a ex-Cidade Maravilhosa estejam em situação tão decadente. Alguns até esnobam, desde os senhores de idade que com sarcasmo hipócrita leem jornal e dizem que "não tem mais jeito", tratando a desgraça carioca como se fosse piada, até os "coxinhas" que se reúnem nas praias cariocas para contar piadas, como se tudo "estivesse bem".

Só que a situação é séria e boa parte da culpa está nessa resignação dos cariocas com os próprios retrocessos. O carioca perdeu o antigo espírito de resistência, substituindo-o pela desistência. Fora uma minoria que faz o contrário, pratica trolagem e cyberbullying para defender justamente os retrocessos estabelecidos, o clima do Rio de Janeiro é de uma apatia masoquista.

As pessoas acham que, em troca de supostos benefícios, aceitam transtornos diversos, tanto pela resignação ao que lhes é imposto - muitas vezes movido pelo status quo de quem decide - , tanto pela ilusão das próprias pessoas em serem capazes de encarar dificuldades. Vai que elas aceitam pegar um ônibus padronizado e vão parar no hospital, depois de um acidente "daqueles".

E assim os cariocas vão aceitando, aceitando, aceitando as coisas, esperando que um Jornal Nacional ou O Dia lhe digam o que devem aceitar ou não. Eduardo Cunha só se tornou odiado pelos cariocas depois de tanta campanha midiática.

É perigoso depender disso para se indignar dos problemas. De aceitação em aceitação, os cariocas correm o risco de parar um dia num campo de concentração. E aí, no dia do sol vai pintar uma vontade de ir à praia de Copacabana ou Ipanema e não vai dar, porque o alojamento está trancado e ocorre um vazamento de gás mortal. Será que teremos que chegar a esse ponto para acordarmos?

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