segunda-feira, 27 de março de 2017

Eduardo Cunha viveu dias de Humberto de Campos


Eduardo Cunha, o ex-deputado, está vivo. E muito vivo, e bem disposto. Disposto a denunciar seus antigos aliados no governo que ajudou a instalar, o do presidente Michel Temer, se caso o ex-presidente da Câmara dos Deputados não for beneficiado por alguma liberdade condicional.

Mas Eduardo Cunha desempenha papéis de um "morto". Ele não exerce mais a vida política e até o cartaz que ele tinha quando comandou a sessão de abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016, foi reduzido a nada.

Político inexpressivo, ele foi eleito em 2014 para o cargo de deputado federal simbolizando uma onda conservadora que há tempos domina o Estado do Rio de Janeiro, unidade federativa brasileira marcada por um profundo processo de decadência, não apenas política, econômica e policial, mas também sócio-cultural envolvendo diversos aspectos.

Só para se ter uma ideia, é a região com maior número de cyberbullies no Brasil e cujo reacionarismo permitiu que fossem eleitos nomes como Jair Bolsonaro e o próprio Eduardo Cunha, e por isso a crise que atinge o Rio de Janeiro, Estado e capital, a colocam há um bom tempo em situação vergonhosa para o resto do Brasil, perdendo a reputação de vanguarda que antes cariocas e fluminenses expressavam para todo o país.

A outra experiência de "morto" de Eduardo Cunha, no entanto, é inusitada. Um livro chegou a ser lançado, meses depois da promessa do ex-deputado em lançar um livro fazendo denúncias sobre os bastidores do impeachment e do cenário político nacional.

Intitulado Diário da Cadeia, o livro foi editado pela Record e apresenta como crédito de autoria a expressão "Eduardo Cunha (Pseudônimo)". O ex-deputado Eduardo Cunha negou que tenha escrito a obra e acionou a Justiça do Rio de Janeiro para impedir a distribuição do livro pela Record, recolher exemplares que já foram enviados às livrarias e retirar qualquer referência a Eduardo Cunha na página da editora.

A editora retirou imediatamente as referências do site e tentou recurso para revogar a decisão. Na ação judicial, o peemedebista declarou não ser responsável pelo livro e considera a obra "gravíssima tentativa de ganho comercial a partir de sua reclusão". Cunha acrescenta que, sem a "identificação que possibilite o conhecimento da autoria", a obra "ofende o preceito da vedação ao anonimato".

A juíza Ledir Dias de Araújo também menciona a vedação ao anonimato e diz que o caso não é coberto pela proteção a pseudônimos. "A obra foi escrita como se tivesse sido pela pessoa do autor da ação, o que ele nega. Logo, não se pode ter a presente obra como lícita", conclui a magistrada, que pediu para a Record identificar e qualificar o autor. Por sua vez, o editor da Record, Carlos Andreazza, admitiu que o livro é uma obra de ficção.

O advogado de Eduardo Cunha, Ticiano Figueiredo Oliveira, diz que a decisão "é justa porque não fere o entendimento do Supremo (Tribunal Federal) em relação às biografias, mas deixa claro que o uso de pseudônimo para fraudar uma autobiografia deve ser coibido".

HUMBERTO DE CAMPOS

Evidentemente, a situação foi facilitada porque Eduardo Cunha está vivo, podendo pessoalmente mover uma ação contra um livro apócrifo. Além disso, evidentemente Diário da Cadeia não mostra "mensagens de amor" e nem usa como desculpa o "pão dos pobres", o que permite que a Justiça brasileira, ainda muito hesitante em relação a problemas religiosos, suspender a comercialização do livro.

Menos sorte teve Humberto de Campos, o eminente escritor maranhense que chegou a ser membro da Academia Brasileira de Letras, bastante popular em seu tempo, mas hoje condenado a um semi-esquecimento, até pelas circunstâncias que envolveram seu nome.

Humberto teve seu nome usurpado dois anos após seu falecimento. O primeiro livro, Palavras do Infinito, de 1936, parodiava o livro Memórias, que havia sido lançado em 1933, mas já apresentava as diferenças gritantes que uma simples leitura atenta consegue separar, sem dificuldade, a obra do Humberto que esteve entre nós daquela atribuída ao suposto espírito.

Entre essas diferenças, está o conteúdo por demais igrejista que destoa da temática laica do autor maranhense. Mas a própria forma de escrita também aponta diferenças, pois a escrita do suposto espírito é pesada, melancólica e cansativa de ser lida, enquanto a que Humberto deixou em vida era ágil, de leitura prazerosa e linguagem culta, mas bastante acessível.

A sorte é que o suposto médium Francisco Cândido Xavier, protegido do ambicioso Antônio Wantuil de Freitas, já havia se tornado uma figura pitoresca quando lançou uma suposta antologia poética de "autores do além". Uma obra intitulada Parnaso de Além-Túmulo, que foi remendada cinco vezes, pondo em xeque a tendência natural de "obra acabada da espiritualidade".

A atribuição de obra coletiva alimentava o sensacionalismo, principalmente pelo "FlaXFlu" ideológico que se deu ao omitir que o livro havia sido obra coletiva, sim, mas de Chico Xavier, Wantuil, editores e redatores da Federação "Espírita" Brasileira e consultores literários cariocas. Portanto, uma multidão terrena forjando uma obra que imitava autores do passado, já falecidos, mas bem longe de refletir os respectivos estilos pessoais, apontando falhas graves neste sentido.

O "FlaXFlu" se deu sob a atribuição de que Chico Xavier "fazia tudo sozinho". Isso garantia o sensacionalismo em qualquer das duas hipóteses: se a "psicografia" era uma fraude, Chico seria "muito sofisticado" para representar diversos estilos literários. Se fosse autêntica, Chico seria reconhecido como "amigo de literatos do além". Ponto para o sensacionalismo tramado pelo senso marqueteiro de Antônio Wantuil.

Com Humberto de Campos, o sensacionalismo foi só aumentado, diante de um nome literário de sucesso, mas com fama secundária. Não se escolheria Machado de Assis, porque seria ir longe demais e despertaria suspeitas. Mas a própria escolha de Humberto causou problemas e Chico Xavier teve apenas a sorte de ter uma Justiça seletiva, muito hesitante diante de ídolos religiosos.

Daí o caso gerou empate e Chico Xavier, que havia seduzido a mãe do falecido escritor, Ana de Campos Veras, não tardou também a usar de seus métodos de manipulação da mente humana para dominar o filho do mesmo nome do autor maranhense, convidando para a "emboscada do bem" que foi uma doutrinária e uma caravana em Uberaba, no Triângulo Mineiro, em que o "médium" explorou a fascinação obsessiva (condenada por Allan Kardec) ao abraçar o antes cético Humberto Filho.

Diante disso, Humberto de Campos, em sua obra deixada em vida, foi aos poucos condenado ao esquecimento, e rebaixado a uma "propriedade" de Chico Xavier. Os livros "espirituais" publicados sob seu nome destoam explicitamente do estilo pessoal do saudoso literato, facilitando reconhecimento de fraude. Mas as obras, pelo prestígio religioso do "médium", são publicadas impunemente até hoje. Humberto de Campos não está aí para reclamar.

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