segunda-feira, 20 de março de 2017

Chico Xavier foi um engenhoso truque de marketing

WANTUIL DE FREITAS - O "CRIADOR" DE CHICO XAVIER.

Muitos se derretem diante do mito de Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier. Sem qualquer motivo lógico e objetivo, o mito dele é adorado pelos caprichos da emoção extrema vinculada às paixões religiosas, através de estereótipos de bondade, humildade e generosidade que as pessoas acolhem sem questionar.

Poucos sabem e menos ainda estão dispostos a admitir que o mito de Chico Xavier nunca passou de uma grande estratégia de marketing, primeiro montada minuciosamente pelo presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, para atrair dinheiro e público para a federação.

Essa constatação choca muitos e os leva às lágrimas soluçantes. "Não, não é isso, Chico, todo amor e bondade, truque publicitário?", dirá o menos raivoso dos chiquistas. "Preste atenção na obra dele antes de dar qualquer julgamento", diria um "espírita" ainda mais dedicado.

Sim, prestamos atenção na obra de Chico Xavier e chegamos a essa conclusão: é estratégia de marketing, sim. Um sujeito que começou como um beato católico envolvido em pastiches literários (que não eram feitos por ele sozinho, vale lembrar) para se transformar, em mais de meio século, em um quase-deus, só pode ser fruto de uma engenhosa estratégia de marketing.

É surpreendente que as pessoas que tanto adoram Chico Xavier não adorem também Antônio Wantuil de Freitas, seu "mentor" terreno. Foi Wantuil que transformou o "médium" num popstar da religiosidade, criando uma "pegadinha" que deu certo durante mais de sete décadas.

Se você prestar atenção em Chico Xavier, abrindo mão de paixões religiosas - mesmo aquelas que se disfarçam sob um verniz de objetividade e razão - e de tantas idealizações que fantasiam demais o anti-médium mineiro, se verá que ele nunca foi mais do que um católico ortodoxo e ultraconservador, cuja obra "mediúnica" é cheia de irregularidades e cuja "bondade" não trouxe efeitos concretos e amplos para a sociedade.

Foi Wantuil que fez o mito de Chico Xavier crescer, fazendo-o passar por cima de qualquer escândalo. Wantuil tinha um senso publicitário muito esperto, e ainda teria feito um recurso muito comum para arrivistas: recorreu à umbanda, fazendo "despachos" para limpar o caminho para a ascensão vertiginosa de uma causa, alcançando níveis nunca cogitáveis em situações normais.

Casos como os do DJ de "funk", o DJ Marlboro, e o empresário Mário Kertèsz também indicam que também fizeram "despacho" para se ascenderem acima até mesmo do que poderiam alcançar se se esforçarem para tanto. O direitista Kertèsz chegou a cooptar as esquerdas da Bahia para seu domínio e DJ Marlboro conseguiu se infiltrar em eventos de vanguarda, lembrando que o "funk" não é mais do que um ritmo dançante puramente comercial e de retaguarda.

Wantuil teria tido a ideia da antologia poética que uma grande equipe de editores da FEB e consultores literários bolou, sob a redação de Chico Xavier e do próprio Wantuil. Tornou-se conhecido como Parnaso de Além-Túmulo que, em que pese as semelhanças genéricas feitas à primeira vista com os estilos originais dos autores mortos alegados, nota-se em todos os poemas a expressão de linguagem e pensamento pessoais de Chico Xavier e, às vezes, de Wantuil.

O sensacionalismo da antologia poética era um gancho para faturar em cima de uma polêmica forjada, sendo que criar controvérsia é um ótimo marketing para atrair visibilidade. A confusão garante muito mais fama e prestígio do que a própria busca por unanimidade. E Parnaso de Além-Túmulo tornou-se ainda mais sensacionalista depois que ganhou uma resenha de duas partes feita por Humberto de Campos, ainda vivo em 1932.

E foi uma revanche de Chico Xavier - que não gostou de Humberto ter desaconselhado a existência de uma produção literária do além - que impulsionou outra sugestão de Wantuil, a de usar o nome do autor maranhense para alimentar mais sensacionalismo, uma ação estratégica que só não usurpou o nome de Machado de Assis para não pegar mal, preferindo um escritor popular, mas de prestígio mais mediano e pouco conhecido pelo chamado leitor médio.

Afinal, já basta que um escritor fundador da Academia Brasileira de Letras, Olavo Bilac, tenha tido seu nome incluído no Párnaso, sob protestos de intelectuais renomados, que identificaram sérios pastiches e graves erros de expressão poética. Um crítico literário, João Dornas Filho, havia afirmado, com indignada ironia:

"Olavo Bilac, um homem que no estágio de imperfeição nunca assinou um verso imperfeito, depois de morto ditou a Chico Xavier sonetos inteirinhos abaixo dos medíocres".

O próprio mito de que Chico Xavier lançava livros sem colaboradores - fato desmentido por Alceu Amoroso Lima, que constatou que Parnaso de Além-Túmulo foi concebido por uma equipe de editores e redatores - criava um "Fla X Flu" ideológico, no qual se sustentava o seguinte maniqueísmo:

1) Se Chico Xavier realizou pastiches dos mais diversos estilos e expressões literárias, então ele, que era um caipira de mediana formação escolar, teria um suposto talento de intelectual dos mais sofisticados, merecendo a entrada na Academia Brasileira de Letras, como diziam alguns;

2) Se Chico Xavier realmente fez psicografia, então ele tinha excelentes relações com os espíritos das mais renomadas personalidades literárias, o que o faria possuidor de ampla cultura autodidata, através da comunicação com o "outro lado".

Ambas as teses se disputavam em polêmicas, embora a segunda saísse quase sempre vitoriosa. Mas ambas não resolvem os problemas da irregularidade nas expressões literárias trazidas pelo "médium". Mesmo assim, elas foram um prato cheio para alimentar o sensacionalismo em torno de Chico Xavier.

E aí, foram forjados projetos "filantrópicos", pois o assistencialismo - prática tendenciosa de caridade, mais para promover o benfeitor do que os benefícios aos necessitados - é um ótimo meio de abafar críticas e receber a blindagem da chamada sociedade civil, e aí o mito sensacionalista de Chico Xavier aos poucos desenvolveu esse estereótipo igrejeiro e institucional, quase burocrático, de "bondade".

Wantuil procurou passar por cima de vários escândalos: procurou abafar os escândalos ligados à materialização e psicofonia; fez campanha contra o livro de jornalismo investigativo de Attila Paes Barreto, O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia; teria feito mandinga para afastar quem pudesse denunciar as irregularidades de Chico Xavier; e apoiou a campanha difamatória contra o sobrinho Amauri Xavier, que iria fazer semelhantes denúncias.

O então presidente da FEB teve um senso de oportunidade e oportunismo e lançou até mesmo o chamado "apelo à emoção" - Argumentum Ad Passiones, termo que voltou à moda nos debates intelectuais por conta do fenômeno da pós-verdade (seria Chico Xavier pioneiro desta forma de falácia?) - para fazer ascender ainda mais seu pupilo, se deixando valer das fraquezas emocionais de muitos brasileiros, que os fazem cair às tentações das paixões religiosas.

O que Wantuil não fez a FEB faria depois com a ajuda da Rede Globo, corporação midiática famosa por tantas manipulações no consciente e inconsciente coletivo. E aí vem a imagem mais conhecida de Chico Xavier, associada ao "amor e caridade", construída a partir de um discurso midiático inspirado no que a BBC, por meio de Malcolm Muggeridge, fez com Madre Teresa de Calcutá.

As pessoas deveriam cair na realidade. Deixar as paixões religiosas e perceber que muito de sua adoração a um ídolo religioso se deve a uma retórica bem construída em diversas etapas, um processo de manipulação ideológica em que a emoção encontra um campo de abordagem ilimitado, em que a própria realidade lógica é posta em xeque, pois o que valem são as fantasias do "coração". Ver que, neste caso, prevalece o absurdo e a fantasia, é que é chocante.

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