sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Brasil, "Coração do Mundo": uma ideia fascista?


Temos que ter muitíssimo cuidado quando enumeramos um país como "centro" de qualquer coisa. Mesmo com um discurso muito bonito, pode-se abrir caminho para a tirania, para a opressão e para o genocídio, por mais que as teorias tentem desmentir tais ameaças.

A ideia de Brasil como "Coração do Mundo e Pátria do Evangelho", que inspirou o livro escrito a quatro mãos por Francisco Cândido Xavier e Antônio Wantuil de Freitas, mas atribuído tendenciosamente ao espírito de Humberto de Campos - que nunca escreveria um livro desses e ainda teve um trecho de um livro cômico (!) plagiado na "obra espiritual" - , é bastante perigosa.

Oficialmente, o discurso do "coração do mundo" e "pátria do Evangelho" é maravilhoso. Fala-se de um país que "liderará o mundo" na sua missão de "transmitir a fraternidade e a solidariedade cristã", se tornando o "paraíso do esclarecimento, do progresso e da união dos povos".

Mas, como diz o ditado popular, "falar é fácil". Afinal, o Império Romano, a partir do comando da parte oriental pelo imperador Constantino, também se valeu das "melhores intenções" de propagar a supremacia católica na Idade Média. Também havia promessas de "esclarecimento, progresso e solidariedade", mesmo dentro de um contexto bem mais grosseiro do que o dos dias atuais.

Outro ditado também deve ser lembrado: "de boas intenções, o inferno está cheio". O problema não é um império movido por uma "doutrina superior", com uma promessa de "união, paz e solidariedade", com propósitos aparentemente "positivos" e "libertadores", mas pelo "outro lado". O problema é a barreira a ser combatida, e aí é que aparece o lado mais sombrio.

O Catolicismo medieval do Império Romano também se apoiou das mesmas promessas. Tanto que seu propósito era propagar mundialmente a "religião do Cristo", aparentemente só agindo para proteger um sistema de valores ligado a promover "a paz, a solidariedade e o amor ao próximo".

Mas, para que isso desse resultado, era preciso combater o "outro lado". Os hereges, pessoas que se recusavam a compartilhar da crença católica, eram perseguidos, condenados à morte sob diversas formas e massacrados de maneira criminosa e desumana, e o Catolicismo medieval realizava verdadeiros banhos de sangue que dizimaram multidões em nome da "proteção da Igreja de Jesus Cristo". Verdadeiros anti-cristos eram feitos "em nome do Cristo".

Isso não vinha no discurso de lançamento. Além disso, caso equivalente quase se consolidou com o nazismo de Adolf Hitler, de traumática lembrança, que também se valeu de "boas coisas", dentro do contexto catártico de uma Alemanha politicamente castigada pelo Tratado de Versalhes, assinado depois do fim da Primeira Guerra Mundial e que pôs o país europeu em "maus lençóis".

Os propósitos de "raça superior", "raça pura" e tudo o mais eram "positivos" para o contexto de uma boa parcela de alemães. E para que isso se realizasse criou-se uma hostilidade a outros povos, principalmente judeus, criando um holocausto que provocou uma das mais sanguinárias tragédias da história do século XX. O nazi-fascismo teve que ser combatido na Segunda Guerra Mundial por uma aliança provisória dos EUA e Grã-Bretanha com a URSS para que se evitasse sua expansão.

O que se teme com o "espiritismo" e sua ideia de Brasil como "coração do mundo" e "pátria do Evangelho" é que todo esse discurso de "fraternidade e amor" seja reforçado pela criminalização do "outro lado", o que certamente nunca será assumido pelos "espíritas", que, com seu balé de "lindas palavras", nunca demonstrarão "más intenções".

Mas o "espiritismo" já se mostrou cruel em muitos momentos. O próprio Chico Xavier, tão "puro" e "iluminado", já fez acusações cruéis contra as vítimas do incêndio em um circo em Niterói, defendeu a ditadura militar durante sua fase mais repressiva e caluniou os amigos de Jair Presente quando eles duvidaram da "psicografia" do anti-médium mineiro.

Os palestrantes "espíritas" ultimamente estão pregando ideias da Teologia do Sofrimento, a mesma que prevaleceu no Catolicismo medieval e que era uma apologia à desgraça dos sofredores, uma espécie de holocausto teológico, no qual o acúmulo de desgraças era "um atalho seguro" para alguém se chegar ao "Céu" (os "espíritas" falam em "bênçãos eternas da vida futura").

Dois dos ídolos católicos foram adotados pelos "espíritas". Um, o perverso padre Manuel da Nóbrega, que certa vez apoiou o assassinato de um herege, reapareceu na forma de Emmanuel, o "mentor" de Chico Xavier. Outra é a Madre Teresa de Calcutá, considerada "santa" mas que, em seu currículo, incluiu maus tratos aos pobres e doentes que ela alojava em suas "casas de caridade", expostos à contaminação de seringas sujas e doenças graves e viviam na fome e sob a sujeira.

Portanto, são ícones católicos associados a perversidades que, no entanto, os "espíritas", que já deturpam violentamente o legado de Allan Kardec, admiram. Isso pode dar um sinal amargo sobre o que o "espiritismo" pode fazer com a humanidade se o Brasil virar um país "central" destinado a promover a "evangelização da humanidade".

Com certeza, o projeto "Brasil Coração do Mundo e Pátria do Evangelho" é uma teocracia. E seus postulados são claramente influenciados, não em livros como A Gênese de Allan Kardec, mas o tenebroso Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing.

O próprio livro do pseudo-Humberto de Campos remete à obra de Roustaing, de tal forma que Chico Xavier cita na obra o rival de Kardec abrasileirando o prenome como "João Batista". Virou João Batista Roustaing. Mas, como que por hipocrisia, Chico Xavier se declarou "envergonhado" pela presença de Roustaing no livro Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

Xavier adaptou bem o roustanguismo, mas tinha a maior vergonha em se assumir seguidor de Roustaing, a exemplo do atual presidente da República, Michel Temer, que se esquece que boa parte do projeto "Ponte para o Futuro", com sua PEC dos Gastos Públicos e as reformas trabalhista, previdenciária e educacional (ensino médio) são heranças explícitas das "pautas-bombas" do ex-deputado e hoje detento Eduardo Cunha.

Daí o sentido perigoso de uma supremacia religiosa simbolizada por um país. O problema não é o lado "positivo", da "solidariedade, paz e fraternidade", mas do que representarão as barreiras a serem destruídas para se manter o projeto político-religioso.

O Império Romano tinha os "hereges" e o nazismo, os judeus. Nada disso estava no roteiro quando tais supremacias eram apenas projetos. É muito fácil os "espíritas" dizerem que o "outro lado" será "combatido" pelo "perdão e misericórdia", e que, em tese, haverá "apenas tolerância e respeito humano". Mas nada impede que atrocidades venham no caminho.

Afinal, em tempos de convulsões sociais de tudo quanto é lado, e uma movimentação reacionária que se utiliza de símbolos do nacionalismo brasileiro (camisa da CBF, bandeira brasileira, lema "ordem e progresso" e evocações "à Pátria Amada"), é bom tomarmos muito cuidado, porque supremacias político-religiosas são sempre perigosas e podem gerar graves danos à humanidade, por mais que se sirvam de "causas nobres". De "boas intenções", o umbral está cheio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.