segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A decadência de Curitiba


As regiões Sul e Sudeste, antes associadas ao progresso econômico e sócio-cultural, eram vistas como um esboço do mundo desenvolvido no Brasil. Tendo como potência econômica a cidade de São Paulo e como potência cultural a cidade do Rio de Janeiro, as duas regiões, no entanto, simbolizam o que há de mais preocupante nos retrocessos ocorridos no Brasil.

O Rio de Janeiro é um exemplo dramático disso. Depois de um breve evento olímpico, considerado bem sucedido e marcado com muita alegria, a "noite de Cinderela" do agosto carioca dará lugar ao processo de retrocesso vertiginoso vivido nos últimos 25 anos e que se tornou intenso a partir de 2007.

O Estado fluminense passou a viver um período de neocoronelismo político. O PMDB carioca passou a adotar práticas dignas de República Velha, combinando corrupção, autoritarismo, demagogia e desculpas esfarrapadas. Além disso, existem latifundiários no interior do Estado do Rio de Janeiro e a pistolagem rola solta na Baixada Fluminense, recentemente matando quase 20 candidatos a cargos eletivos na atual campanha eleitoral.

Até o risco da monocultura é extremo, sobretudo pelo crescimento do "funk", ritmo marcado pela mediocridade sócio-cultural, e pela penetração fácil do "sertanejo", pastiche de música caipira cujo acesso no Rio de Janeiro era outrora mais problemático. Hoje quem tem mais dificuldade de se projetar no grande público carioca é a Bossa Nova e o rock alternativo.

Mas a decadência do Rio de Janeiro, acompanhada também pela decadência de São Paulo - que deixou de servir de modelo a ser seguido por todo o país, até porque o establishment político, midiático e econômico-cultural já produziu um Rio de Janeiro "paulistanizado" nos anos 90 para vender valores retrógrados para o resto do país - , mostra também outra cidade decadente.

Trata-se de Curitiba, capital do Paraná cuja decadência avassaladora surpreende diante do mito que durou durante anos de "cidade moderna" e "símbolo da civilização" no Brasil. Sendo a quarta capital onde há mais mulheres assassinadas por motivos conjugais - houve um caso de um assassinato cometido num shopping e outro numa rua da capital paranaense - , o que revela um machismo vingativo, só isso mostra o quanto o paradigma de modernidade morreu na capital paranaense.

Recentemente, Curitiba virou palco de violenta intolerância social. A atriz Letícia Sabatella, por ter se posicionado contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, vítima de vagas acusações de corrupção muito mal investigadas, foi agredida quando passava por Curitiba por um grupo de manifestantes, que a chamaram de "puta", entre outras xingações.

Ironicamente, Letícia, mineira que viveu alguns anos na capital paranaense, havia cometido um erro que foi se embriagar, meses atrás, na saída de uma festa. É curioso que, nesta época, boa parte dos que passaram a agredi-la recentemente se solidarizaram com a embriaguez, chegando a criar um "deitaço" em defesa do direito de "encher a cara". Muitos desses solidários passaram a agredi-la quando ela se recusou a aceitar o "Fora Dilma".

Curitiba vive uma crise muito grave, tornando-se uma das cidades que mais se expressam o ultraconservadorismo. Pelo fato de ser sede da Justiça Federal que investiga a Operação Lava-Jato - na prática, uma campanha de verniz jurídico para desmoralizar o PT e abrir caminho para a oposição e seu projeto de entreguismo e degradação da qualidade de vida do povo - , o juiz Sérgio Moro, que lembra um Superman nos seus traços faciais e no penteado, é mais idolatrado pelos curitibanos.

Desde que Jaime Lerner, o arquiteto do "milagre brasileiro", ele mesmo um antigo universitário conservador, opositor de João Goulart e que se filiou, com gosto, na ARENA (Aliança Renovadora Nacional), tornou-se prefeito biônico de Curitiba, a capital paranaense forjou um mito de modernidade que no entanto seguiu os paradigmas conservadores da ditadura militar.

Aspectos que só soam novidade para os brasileiros que não percebem as armadilhas do Primeiro Mundo, como a pompa de pistas exclusivas para ônibus, ilustrando um sistema que esconde as empresas de ônibus na pintura padronizada (medida que cada vez mais revela sua decadência), desemprega cobradores sob o pretexto da bilhetagem eletrônica e faz reduzir frotas de coletivos em prol do lobby da indústria automobilística (que quer mais automóveis nas ruas), revelam a ilusão de uma falsa modernidade da racionalidade tecnocrática.

A ilusão de uma Curitiba "moderna", vendida sob o pretenso rótulo de "padrão Primeiro Mundo", começou a ser derrubada quando a década de 1990 mostrou fenômenos da mediocridade cultural vindos do Paraná, não necessariamente da capital, mas tendo nesta cidade sua vitrine para o sucesso nacional.

O que dizer da canastrice musical de Chitãozinho & Xororó e seu pastiche de música caipira, uma dupla incapaz de se destacar por trabalhos autorais e que vende uma falsa imagem de sofisticação através de regravação de sucessos alheios? E o apresentador Carlos "Ratinho" Massa, que começou no noticiário policialesco mais grotesco e tenta ser um apresentador de variedades enquanto, como empresário e fazendeiro, é acusado de possíveis irregularidades trabalhistas?

Há um grande número de jovens conservadores, que, embora aparentemente apartidários, defendem bandeiras retrógradas como apoiar governos de centro-direita e programas de privatização de empresas públicas.

Eles aceitam até que a Petrobras seja aos poucos vendida para diferentes grupos estrangeiros e que perca o controle do pré-sal, cuja aquisição será repartida entre as grandes corporações estrangeiras (como BP, Shell e Exxon), e por uma Chevron que quer comprar a Petrobras.

Vários curitibanos, assim como paulistanos, gaúchos e catarinenses, acompanham os cariocas nas campanhas de cyberbullying, quando alguém que discorda de um ponto de vista "estabelecido" é humilhado por uma ação combinada de um grupo de internautas.

O máximo de "vanguarda" que Curitiba pôde dar ao Brasil foi um grupo como o Bonde do Rolê, que aparentemente faz uma fusão de "funk carioca" com rock e se autoproclama "alternativo". Ainda que se apoiem numa postura humorística, o grupo acaba servindo para empurrar a divulgação do "funk" para as mídias alternativas, quando se sabe que o ritmo carioca não passa de um pop comercial mais rasteiro.

Há fanatismo esportivo, há a mercantilização das relações sociais, há a predominância da "cultura" popularesca nas rádios e TVs locais, e os problemas urbanos revelam mais atraso do que "complexidade". A decadência que se verifica na cidade do Rio de Janeiro não é muito diferente da que vivem os curitibanos.

O fenômeno Sérgio Moro só veio a reforçar essa decadência, já que o juiz nascido em Maringá mas atuando na capital paranaense personifica valores moralistas de um suposto combate à corrupção, desculpa para tirar do poder forças progressistas e recuperar o poder político que escapou das mãos das elites privatistas e financistas.

Tido como "herói" graças a uma engenhosa campanha articulada pela Rede Globo e outros veículos solidários, Moro é o tipo de juiz tendencioso, que é enérgico demais para uns (como os petistas e alguns políticos e empresários associados), mas é frouxo e hesitante para outros. Dois exemplos são a falta de interesse de Moro em convocar Aécio Neves para depor na Operação Lava-Jato e a desculpa de que também não chamou a ex-jornalista Cláudia Cruz (mulher do deputado Eduardo Cunha) para prestar depoimento porque "não achou o endereço dela".

Curitiba, a exemplo do Rio de Janeiro e de São Paulo, simbolizam o desgaste e a decadência de regiões que pararam no tempo com seus velhos paradigmas. Mantendo estruturas de status quo que só fizeram sentido na ditadura militar, o Sul e Sudeste sofrem uma decadência tão grande que os faz até mais atrasados que o Norte e Nordeste que, longe de serem regiões prósperas e modernas, começaram a acordar e resolver seus problemas.

Há quem diga que o Sul e Sudeste, diante da combinação de sua prepotência, arrogância e seu provincianismo ultraconservador, estão se tornando o "túmulo do Brasil", que nem os "paraísos" simbólicos como o Maracanã, a praia de Copacabana, a Avenida Paulista e o moderno prédio da Justiça Federal em Curitiba conseguem disfarçar.

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